Por Edna Simão e Estevão Taiar — De Brasília
05/09/2022 05h01 Atualizado há 2 horas
A peça orçamentária do primeiro ano de mandato do próximo presidente prevê um teto de gasto inflado e que deverá sofrer redução gradual para captar o cenário de inflação mais baixa projetado para o fim do ano. Na quarta-feira, o Ministério da Economia divulgou a Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2023 fixando um limite de R$ 1,8 trilhão para os gastos públicos.
Pelos cálculos do especialista em contas públicas Leonardo Ribeiro, assessor econômico do Senado, o teto de gastos estaria superestimado em R$ 8,4 bilhões só pela diferença entre a estimativa do governo para o IPCA de 2022 (7,2%) e a última projeção do Boletim Focus (6,7%). Nem assim, a equipe econômica conseguiu incluir despesas decorrentes de promessas da corrida eleitoral, como o aumento permanente do auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e a atualização da tabela de Imposto de Renda (IR). Para atender essas demandas, o futuro governo terá de fazer ajustes no teto de gastos.
“Fazer o Orçamento sem saber qual vai ser o teto é péssimo para planejamento”, afirmou Ribeiro. “O processo orçamentário baseado em regra fiscal atrelada às projeções do IPCA potencializa o orçamento como peça de ficção.”
O teto, já enfraquecido, ainda pode ser impactado pelo fato de a redação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) ter permitido que deputados e senadores definam a inflação que deve ser utilizada para reajustar o teto de gastos no próximo ano. Ou seja, o Congresso poderá estimar o indicador que corrige esse limite, tarefa que hoje é do Executivo.
Num cenário de forte restrição fiscal e necessidade de atendimento de promessas eleitorais, essas “inovações” trazem mais argumentos para justificar a necessidade de mais mudanças. Os candidatos à Presidência da República mais bem posicionados nas pesquisas eleitorais falam em revisão e até revogação do teto.
O Ministério da Economia afirma que a estimativa de inflação usada para o cálculo do teto de gastos não está inflada para acomodar mais gastos pois considera a previsão dos parâmetros econômicos divulgada pela Secretária de Política Econômica (SPE) em 8 de julho. Na ocasião, a estimativa da equipe econômica (7,2%) era inferior à do Boletim Focus (7,67%), ou seja o governo era mai otimista que o mercado. Em novembro, quando será divulgada a última revisão dos parâmetros econômicos do ano, se terá melhor noção de qual será o teto de 2023.
Na apresentação da proposta orçamentária, o próprio secretário especial de Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago, admitiu, sem mencionar valores, que a inflação deve ficar abaixo de 7,20% neste ano. Segundo ele, o uso de uma estimativa faz parte da regra do jogo e não há novidade nisso.
Quando foi instituído, em 2016, o teto de gastos era corrigido pela inflação fechada, ou seja, IPCA acumulado de 12 meses até junho. A aprovação da PEC dos Precatórios mudou a regra. Para 2023, o limite passou a considerar a estimativa, feita em julho, para a inflação do ano todo. Outro ajuste foi permitir que deputados e senadores definam a inflação que deve ser utilizada para atualização do teto. “A LDO permite que a Comissão Mista de Orçamento do Congresso use sua própria projeção de IPCA”, complementou Ribeiro.
Para o pesquisador associado do Insper Marcos Mendes, “a princípio, o Congresso teria incentivos para superestimar a inflação e aumentar o teto, e o Ministério da Economia teria o incentivo contrário”. “Mas como o Orçamento está muito apertado, já há sinais de que o próprio Ministério da Economia vai enviar o Orçamento com uma previsão de inflação mais alta, para acomodar despesas”, disse.
Ele ressaltou, no entanto, que o “excesso de inflação” usado na fixação do teto em um ano terá que ser descontado no ano seguinte. “Então cria um incentivo para ir superestimando todo ano, para evitar que a superestimativa do ano anterior pressione para baixo o limite no ano seguinte.”
Um outro técnico da área econômica do governo concorda que o texto da LDO abre brechas para uso de estimativa de inflação mais alta para elevar o teto de gastos, mas ressalta também que “o excesso teria que ser retornado no ano seguinte. Um bom incentivo para não exagerarem”. “Haveria, em tese, mais interesse em fazer isso num ano eleitoral, digo usar uma projeção maior”, comentou.
O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Daniel Couri, também entende que, com as mudanças da LDO, não fica claro se o Congresso vai usar ou não a estimativa de inflação sugerida pela equipe econômica para correção do teto de gastos. Ele não vê problema no uso de estimativa de inflação, em vez de um número fechado. Para Couri, não haveria espaço para colocar projeções de inflação muito acima do esperado para permitir alavancar gastos.
Já economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, lembrou que, se estivesse vigorando a regra anterior de atualização do teto, a folga para gasto adicionais seria bem maior em 2023 – pois a inflação acumulada estava em junho na casa dos dois dígitos. “Tem prós e contras nessa nova modelagem. Não vi tanto problema com essa mudança. Acho que foi mais complicado a motivação por trás disso, que era aumentar o gasto para acomodar o desejo do governo para a reeleição este ano”, afirmou.
Ele destacou, no entanto, que o país está caminhando para uma regra que será diferente no ano que vem. “Essa regra vale para este ano. Ano que vem devem mudar a regra para algo mais flexível. O que se espera que a regra mesmo sendo mais flexível seja cumprida e tenha credibilidade para que a gente tenha uma regra que dure no país. A gente tem uma quantidade enorme de regras fiscais, mas a gente não consegue ter credibilidade e durabilidade dessas regras”, disse.
Saiba como funciona o teto de gastos
Principal instrumento de controle do crescimento das despesas públicas, o teto de gastos deve continuar ocupando as manchetes econômicas durante as eleições e em 2023. Líder das pesquisas eleitorais, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já afirmou que pretende acabar com o mecanismo caso volte ao Palácio do Planalto. O presidente Jair Bolsonaro (PL), além de já ter realizado uma série de mudanças no teto, também disse que em um eventual segundo mandato poderá fazer novas alterações.
O teto foi criado em 2016 pelo governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) como forma de combater a crise fiscal da década passada. Mas, desde o início do governo Bolsonaro, passou por uma série de mudanças que na prática enfraqueceram a sua capacidade de funcionar como âncora fiscal.
Atualmente, o teto limita o crescimento das despesas primárias (ou seja, não inclui gastos com a dívida pública) do governo federal ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do ano anterior. Também ficam fora algumas despesas específicas, como a capitalização de empresas estatais. A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão de monitoramento da política fiscal ligado ao Senado, calcula que no acumulado de 12 meses até maio as despesas primárias fora do teto alcançavam 1,5% do PIB.
O mecanismo vale para os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em âmbito federal. O teto deste ano, por exemplo, foi estabelecido em R$ 1,679 trilhão, depois de o IPCA terminar 2021 em 10,06%. Para 2023, a peça orçamentária, encaminhada ao Congresso Nacional, prevê um limite de gasto de R$ 1,8 trilhão – valor que pode ser reduzido ao longo do não com a perspectiva de queda da inflação.
O mecanismo tem duração prevista até 2036, mas o texto original já abria a possibilidade de revisão em 2026. Segundo técnicos do Congresso, o descumprimento do teto representa crime de responsabilidade. Ou seja: pode levar ao impeachment do presidente da República.
Fonte: Valor Econômico

