A Itaúsa, maior empresa de participações do Brasil, está sempre em busca de oportunidades de investimentos. Porém, os juros elevados dificultam a tarefa de encontrar alvos com retorno adequado. “O Brasil sempre teve juros muito altos. Agora, está altíssimo, em temos reais, em 7%, 8%, 9%, é uma loucura”, diz o CEO da holding, Alfredo Setubal, em entrevista ao Valor.
O cenário internacional, com a tarifação adotada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, é outro fator de incerteza. “É evidente que o mundo no qual a gente cresceu vai ter uma mudança, mas em que grau, como as cadeias de comércio, de produção, vão se recolocar, é difícil dizer.”
Com uma carteira de R$ 121,5 bilhões, a Itaúsa – holding que reúne investimentos das famílias Setubal e Villela – tem como seu grande ativo o Itaú Unibanco, que controla com os Moreira Salles. No entanto, o portfólio inclui ainda nomes como Alpargatas, Dexco, CCR, Aegea, Copa Energia e NTS. Desde 2016, a holding adotou uma postura mais ativa e investiu R$ 11 bilhões. A ideia é sempre atuar em parceria com sócios estratégicos e transformar as companhias investidas em “plataformas” consolidadoras de seus setores.
O cenário macro não é algo que vemos com entusiasmo para fazer grandes investimentos. São tempos bicudos”
Nascida como a primeira versão do banco de investimentos do Itaú, a holding se transformou em uma companhia não financeira há 50 anos. Para celebrar essa marca e se aproximar mais do público – já que tem quase 1 milhão de acionistas minoritários, distribuídos em mais de 90% dos municípios brasileiros -, a Itaúsa estreou nesta semana uma nova marca e uma campanha institucional.
Valor: A Itaúsa nasceu como banco de investimento, mas se tornou uma holding não financeira. Qual é a estratégia hoje?
Alfredo Setubal: A gente vem fazendo investimentos em novas participações, mas o Itaú ainda representa 85%, 90% do portfólio. O banco é muito grande, e temos 37,5% do banco, então você não consegue uma diversificação de fato. Mas temos essas participações em empresas muito relevantes nos seus setores. Há 15 ou 16 anos, a Itaúsa não controla sozinha nenhuma empresa. Temos sócios com quem trabalhamos junto. O Itaú, a gente cocontrola com a família Moreira Salles; a Dexco (antiga Duratex), com a família Seibel; na CCR, são vários acionistas e a gente é parte do grupo de controle; no caso da Copa Energia, somos minoritários. Cerca de oito anos atrás adotamos uma postura de gestão mais ativa. Nesse período, investimos R$ 11 bilhões.
Valor: Por que adotaram essa gestão mais ativa?
Setubal: Em 2017 fizemos o primeiro investimento nesse modelo, na NTS, depois teve a Alpargatas. A postura de não ser controlador sozinho ou até ser minoritário vem da origem de Alfredo de Sousa Aranha, que era meu tio-avô. Nas empresas que ele fundou, sempre teve sócios, nunca controlou sozinho. Em 2006, 2007, a gente fez um grande trabalho de estratégia e vimos que, para crescer, precisávamos ter sócios e crescer com aquisições e fusões. Por isso que foi mais fácil o negócio com o Unibanco em 2008. A gente já tinha discutido que o banco, a Duratex, para crescerem, precisariam juntar forças com outras empresas.
Com juros reais altos por décadas, as empresas [industriais] morreram… Já infraestrutura é mais estável, em termos de receita”
Valor: O senhor costuma dizer que as ações da Itaúsa têm desconto em relação às das empresas do portfólio. Por que mantê-la na bolsa?
Setubal: As famílias controladoras têm um terço do capital da Itaúsa. Temos o grosso das ações ordinárias, mas no total do capital temos um terço. Fechar o capital é um negócio de algumas dezenas de bilhões de reais. E temos uma base de quase 1 milhão de acionistas diretos no Brasil inteiro. Isso nos traz mais responsabilidade. Como tem esse desconto na ação, nosso ‘dividend yield’ [rendimento do dividendo] acaba sendo 2%, 3% acima do Itaú, porque a gente repassa ao acionista da Itaúsa os dividendos que recebe do banco.
Valor: O sr. diz que é difícil fazer uma diversificação profunda, mas a Itaúsa fez grandes investimentos nos últimos anos. Vai continuar?
Setubal: Foram anos de pandemia, teve crise de impeachment, recessão, e a gente foi muito feliz de encontrar oportunidades, conseguimos criar um portfólio muito voltado para infraestrutura. É o que dá retorno hoje no Brasil, concessões, privatizações. Em infraestrutura, tem que entrar na hora certa. Na Copa Gás, entramos pré compra da Liquigás, que foi privatizada pela Petrobras. Entramos num ‘valuation’ muito baixo e viabilizamos a compra da Liquigás. É um ativo que tem um retorno altíssimo. A mesma coisa na Aegea, a gente entrou pré compra da Cedae, para ajudar a viabilizar. Isso faz diferença enorme no retorno. Valor: Quais são os critérios para escolher uma investida? Há investimentos em vista?
Setubal: Queremos participar de empresas líderes dos seus mercados, que já têm escala, ou nas quais podemos possibilitar esse ganho de escala. Uma coisa que para nós é muito importante é quem são os sócios que tocam essas empresas, com quem a gente vai interagir por um prazo longo. A Itaúsa traz ganhos para as empresas também, é uma marca forte, ajuda muito na governança. A gente dá um selo de qualidade, então temos uma preocupação grande com o risco reputacional.
Valor: Há uma preferência pelo setor de infraestrutura?
Setubal: A gente caiu nos setores de infraestrutura porque o Brasil sempre teve juros muito altos. Agora, está altíssimo, em temos reais, em 7%, 8% 9%, é uma loucura. Essa é uma das razões pelas quais a indústria desapareceu. Com juros reais altos por décadas, as empresas morreram. É muito difícil ter retorno acima do custo de capital. Já infraestrutura é mais estável, em termos de receitas, um pouco mais previsível. E tem as privatizações. As estatais são mal administradas, têm custos excessivos, são ineficientes. Quando você compra, normalmente tem ganhos muito grandes. O mato é alto.
Valor: A Itaúsa já disse que deseja entrar no agronegócio, mas ainda não deu esse passo…
Setubal: O agro é muito privilegiado, já tentamos várias alternativas, mas nunca conseguimos encontrar uma operação que fizesse sentido. E o juro é muito alto hoje. Para justificar um investimento, precisaria ter um retorno de 20 e tantos por cento. Na privatização você consegue, mas em um negócio já estabelecido é muito difícil, quase impossível. Outro setor que a gente vê com potencial, mas também não encontramos oportunidades concretas, é saúde. Estudamos vários negócios, mas nenhum nos fez brilhar os olhos.
Valor: A Itaúsa não é um private equity, com prazo de desinvestimento. Como gira a carteira? A Aegea, por exemplo, tem planos de IPO…
Setubal: A Aegea tem de achar a janela, mas de qualquer forma temos de preparar a companhia para quando tiver essa janela. Não necessariamente será um desinvestimento nosso. É um setor que tem um potencial de crescimento muito grande. A gente tem uma visão de longo prazo. Ao mesmo tempo, temos uma gestão mais ativa, então se acharmos que um ativo chegou a um retorno razoável, podemos vender. Entramos nas empresas para ficar 10, 20 anos. Vemos essas empresas como ‘plataformas. O banco é uma plataforma de serviços financeiros. A Copa, estamos transformando em uma plataforma de energia. A Aegea é uma grande plataforma de saneamento. A CCR, de infraestrutura de mobilidade. Entramos com a visão de elas serem consolidadoras.
Valor: Não achar oportunidades de investimento é um problema?
Setubal: A gente não tem obrigação de investir. Não tendo nada para investir, distribuo dividendo, não tem problema. É diferente de um private equity que vai lá, capta, e depois tem de sair. O último investimento que a gente fez foi CCR, em 2022.
Valor: Não faz sentido investir fora do Brasil?
Setubal: Fora do Brasil nosso tíquete não é grande. Ele é bom para o Brasil, você comprar uma participação relevante numa empresa brasileira grande. Mas em dólares, dá US$ 500 milhões, US$ 600 milhões, é muito pouco.
Valor: O sr. já disse que a reforma tributária pode ser boa para a Itaúsa. Por quê?
Setubal: Hoje, tem uma ineficiência muito grande porque o juro sobre o capital próprio que recebemos do banco e das outras empresas sofre tributação de PIS/Cofins. São R$ 550 milhões, R$ 600 milhões de despesa tributária que, a partir de 2027, deixam de existir. Com isso, o desconto nas ações da Itaúsa deveria cair, pelo menos uns 6 a 7 pontos percentuais. Em qualquer lugar do mundo as empresas que funcionam como holding têm desconto, mas no nosso caso é um pouco exagerado.
Valor: O Itaú vive um momento muito positivo. Acha que o banco superou a diferença em relação aos competidores digitais?
Setubal: O banco teve momentos em que sofreu mais, quando tivemos a entrada de novos ‘players’, XP, Nubank, Inter, e estávamos meio despreparados para a velocidade com que a coisa aconteceu. Mas a gente conseguiu colocar umas coisas no eixo e hoje o banco está muito bem, crescendo, competindo com os bancos digitais, reduzindo custos. Não sei se eliminou todos os ‘gaps’ [lacunas], mas reduziu bastante. A gente conseguiu andar mais rápido que outros bancos, mas ainda tem gap.
Valor: O Nubank teve valor de mercado maior que o Itaú em alguns momentos. Incomoda?
Setubal: O mercado punha uns 30% do ‘valuation’ do Nubank de crescimento fora do Brasil, no México, Colômbia e tal. O valuation do Nubank Brasil era abaixo daquele do Itaú, que é um banco essencialmente do brasileiro, mesmo considerando as empresas que a gente tem lá fora.
Valor: O Itaú ainda tem para onde crescer?
Setubal: Somos proibidos pelo Banco Central de comprar bancos no Brasil. A gente pode comprar uma corretora, um negócio de seguros, uma coisa menor. O banco está distribuindo muito dividendos porque gera capital que, entre aspas, não tem utilidade, digamos assim, porque não pode comprar outro banco. Você acaba distribuindo o excesso de capital. No exterior, não queremos crescer.
Valor: O cenário de juro elevado, atividade menor, pode afetar a inadimplência?
Setubal: O Itaú e os outros bancos todos apertaram um pouco a concessão de crédito de um ano e meio para cá. Apesar de a carteira estar crescendo, ela é mais controlada. Não estamos vendo sinais de inadimplência fora daquilo que é orçado. É possível que suba um pouco, dependendo do tamanho da crise, mas até agora nada.
Valor: Os dias estão tensos nos mercados com a guerra tarifária. Qual é sua avaliação sobre o cenário internacional?
Setubal: Como dizia meu pai, “em dias terríveis, mantenha a rotina”. É muito cedo para dizer qual vai ser o cenário global. Que vai haver uma mudança, vai. Em que grau, com qual impacto, ninguém sabe direito. Quem tem convicção é porque está mal informado. É evidente que o mundo no qual a gente cresceu vai ter uma mudança, mas em que grau, como as cadeias de comércio, de produção, vão se recolocar, é difícil dizer.
Valor: Pode ter oportunidade para o Brasil nesse contexto?
Setubal: Alguma oportunidade pode ter, mas pouca. O mercado de agro pode se beneficiar muito, porque os Estados Unidos exportam grãos para a China. Mas em termos de atração de investimentos para o Brasil, acho muito improvável. O Brasil é geograficamente mal colocado, longe dos principais mercados, não sou muito otimista de que vai receber muitos investimentos em função da realocação de cadeias produtivas.
Valor: E o cenário doméstico?
Setubal: O desafio do déficit público vai ficar muito flagrante agora com esse problema internacional. O Brasil tem uma dívida que o pessoal fala que é baixa, mas vamos rumando rapidamente para 80%, 85% do PIB. O Japão carrega uma dívida de 200%, mas pagando zero de juros. Os EUA pagam juros de 3%, 4%. E no Brasil é muito alto, 15% é loucura. O país cresce pouco até por causa dos juros. Fica nessa areia movediça. A gente trabalha com um cenário que é meio esse do Copom, da [pesquisa] Focus, com inflação entre 5,5% e 6%, PIB entre 1,5% e 2%, que seja 2,2%. Não é um cenário que vemos com entusiasmo para fazer grandes investimentos. São tempos bicudos, como se dizia antigamente.
Valor: Mas o sr. acha que o lado fiscal está lutando contra o monetário? Ou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está conseguindo manter uma certa disciplina fiscal?
Setubal: Um pouco ele consegue, mas não acredito que o Brasil não vá ter déficit fiscal neste ano e no ano que vem. É bem provável que tenha, e acima daquilo que está sendo esperado. E, por ter esse déficit, é um país vulnerável.
Valor: O estatuto do Itaú limita a idade do presidente do conselho de administração a 73 anos. Seu irmão, Roberto, está com 70. Há algum planejamento para sucessão?
Setubal: Não existe nenhuma discussão, ainda tem três anos pela frente. A mudança no estatuto, para permitir o presidente do conselho ir até 73 anos, foi feita porque a conjuntura do mercado estava muito confusa, e o Roberto é um ativo muito importante para o banco. Nesse cenário de concorrência, por que abrir mão desse ativo? A mesma coisa foi feita quando ele estava como CEO, foi elevada a idade limite porque estava no meio da crise da Dilma, então o banco achou melhor jogar dois anos para frente essa mudança. E no fim conseguimos fazer uma transição muito boa para a nova geração, com a escolha do Milton Maluhy. Hoje a diretoria do Itaú tem na média menos de 50 anos.
Fonte: Valor Econômico

