2024 foi o ano mais letal da dengue no Brasil
PorVitor Guedes
, Valor — São Paulo
13/02/2025 06h00 Atualizado há uma hora
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Segundo dados do Ministério da Saúde, até a última segunda-feira (10), foram distribuídas 6,5 milhões de vacinas da dengue desde janeiro de 2024, mas apenas pouco mais da metade (3,3 milhões) foram efetivamente aplicadas — 2.372.724 de primeira dose e 955.106 de segunda dose.
2024 foi o ano mais letal da dengue no Brasil, com 6.199 óbitos e mais de 6,6 milhões casos prováveis, números acima de outros anos considerados críticos, como 2015 (1,68 milhões de casos prováveis e 986 óbitos) e 2023 (1,64 milhões de casos e 1.179 óbitos — o recorde de mortes pela doença até então).
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“É um balanço ruim. O grande complicador é o baixo volume da vacina em relação à população. É mais difícil fazer campanhas muito localizadas do tipo ‘vai ser só para essa faixa etária’ embora todos saibam que precisam se vacinar”, explica Gonzalo Vecina, médico sanitarista e ex-presidente da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) ao Valor.
Para o médico, a cobertura vacinal “abaixo do esperado” se deve em parte por uma falha do Ministério da Saúde, liderado por Nísia Trindade, em fazer o chamamento para vacinação e em parte por problemas locais da rede de vacinação brasileira.
Vecina destaca algumas formas de contornar essa situação, como a compra de mais vacina por parte do governo federal, o que ele classifica como “política de não deixar faltar vacina”. O médico pondera que a Takeda, fabricante do imunizante utilizado no sistema de saúde brasileiro, tem produção muito inferior à demanda: “Toda a área tropical, e uma parte da subtropical, próximas à Linha do Equador, tem a presença do Aedes Aegypti. Não é só o Brasil que consome a vacina que está sendo produzida”.
Alberto Chebabo, médico e presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), afirma que a população alvo da campanha de vacinação é de difícil acesso, por estar numa idade de transição entre a infância e a adolescência:
“É uma população que, normalmente, não está vinculada a um serviço de saúde, porque não está mais no pediatra mas ainda não tem um médico especialista acompanhando ela”.
Ele ressalta que a faixa etária definida como prioritária é mais fácil de ser atingida através de vacinação extramuros (fora das unidades de saúde), especialmente em escolas. O Ministério da Saúde, por meio de nota técnica divulgada em março de 2024, pediu que se evitasse a vacinação extramuros “até que mais informações estejam disponíveis”.
O Valor procurou o Ministério da Saúde, que informou à reportagem que iria se pronunciar por um porta-voz nesta quinta-feira. Se isso, de fato, ocorrer, esta reportagem será atualizada.
Dengue no Brasil
Os especialistas ouvidos pelo Valor apontam que o fator clima é um dos responsáveis pela disseminação da dengue a partir dos anos 2010 no Brasil. Chebabo afirma que o processo de alteração climática transforma áreas antes não adequadas para reprodução do Aedes Aegypti em regiões propícias para sua proliferação:
“Isso não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Estamos vendo um aumento da área de atuação do Aedes na Argentina, no sul dos Estados Unidos, no sul da Europa. Por aqui, a própria desestruturação das cidades, que sofrem com a falta de coleta de lixo adequada, de saneamento básico, favorece a aparição do mosquito”.
Vecina também aponta o crescimento desordenado das cidades como “elemento fundamental para a reurbanização do Aedes Aegypti”, além do aumento das temperaturas, que facilita a proliferação do mosquito: “Ele (Aedes) prefere o clima quente. No frio ele gasta mais energia para voar. O aumento da temperatura propiciou a maior capacidade de deslocamento do mosquito e maior fertilidade das fêmeas em produzir ovos, o que aumentou muito a população do mosquito e, proporcionalmente, o de casos, quatro vezes mais o número de casos (em 2024, em relação a 2023)”.
De acordo com a série histórica do Ministério da Saúde, que analisa os casos prováveis e óbitos da doença desde ano 2000, a Região Sudeste concentra o maior número de casos. Até meados da primeira década do século, o Nordeste era a segunda colocada no número de casos e a primeira em óbitos.
Após a explosão de casos na década de 2010, o Centro-Oeste passou a ter um crescimento exponencial nos números: de 110.462 casos em 2009, saltou para 234.087 em 2019. A partir de 2020, foi a Região Sul que passou a experimentar um crescimento dos casos, chegando ao pico de 1,2 milhão de casos em 2024, atrás apenas do Sudeste (4,3 milhões) e à frente do Centro-Oeste (674,9 mil), Nordeste (353,2 mil) e Norte (58,2 mil).
Até o momento, o ano de 2025 acumula 269.919 casos prováveis de dengue e 85 óbitos confirmados, além de outros 303 que estão sob investigação.