Em um contexto que contempla pausa no processo de desinflação; atividade econômica e mercado de trabalho muito aquecidos; aceleração do crédito e sem muita ajuda do lado fiscal, o Banco Central se verá obrigado a aumentar o grau de restrição monetária ainda neste mês. A projeção é feita pela economista Fernanda Guardado, recém-chegada ao BNP Paribas, onde passou a ser a chefe de pesquisa econômica para América Latina.
Ao Valor, ela revela projetar a Selic em 12,25%, em um ciclo de aperto previsto para terminar em março, o que, caso se concretize, eliminaria pouco mais da metade do ajuste feito no juro básico desde o início da flexibilização, em agosto de 2023, quando a taxa estava em 13,75%. “Erros foram feitos, mas podemos evitá-los à frente”, diz a economista, que foi diretora de assuntos internacionais e gestão de riscos corporativos do BC até o fim do ano passado. “Cabe ao BC agir e ajustar o nível de aperto para permitir que a inflação retorne ao processo de convergência.”
Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual o seu cenário-base para a taxa Selic?
Fernanda Guardado: Mudamos ontem nossa visão para a política monetária e nossa expectativa é de que o BC suba os juros em 0,25 ponto já na próxima reunião. E a justificativa tem a ver com a própria mensagem que o BC passou na ata sobre estar mais dependente de dados; de ver como o cenário externo, que tem sido muito volátil, se desenrola… À medida que o tempo passa, temos visto uma sequência de dados que mostram que a economia está bastante aquecida, com o segundo trimestre crescendo acima do potencial, mercado de trabalho aquecido, crédito acelerando, uma inflação de serviços subjacentes que parou de melhorar e más notícias na arena fiscal, de onde não dá para esperar um grande ajuste em termos de gastos. E ainda temos o efeito dos cortes de juros feitos no primeiro semestre para se materializar na economia. Diante desse cenário, cabe ao BC agir e ajustar o nível de aperto para permitir que a inflação retorne ao processo de convergência.
Por que não começar o ciclo de uma forma mais agressiva, com uma alta de 0,5 ponto?
Guardado: No último Copom [Comitê de Política Monetária], a avaliação do comitê estava entre uma manutenção prolongada e iniciar um ciclo de aperto. E o cenário que se delineou de lá para cá não foi de deterioração extrema das condições, mas de deterioração adicional ao que o BC estava desenhando. Isso impede que o início do ciclo seja mais forte. Um passo muito grande agora pode levar a uma interpretação de que os próximos serão ainda maiores. Faz sentido, até com o BC nesse ‘pivot’ [virada], entregar um primeiro passo de 0,25 ponto, não só por ser compatível com a comunicação, mas também para observar como as variáveis se comportam após o primeiro aumento. É uma forma elegante de começar: com um passo menor e, então, acelerar para 0,5 ponto.
E a Selic chega a quanto?
Guardado: Antecipamos um ciclo de 1,75 ponto, com a Selic indo para 12,25%, em uma trajetória que assume uma alta de 0,25 ponto agora; de 0,5 ponto em novembro e mais 0,5 ponto em dezembro. E aí, na virada do ano, com o BC já tendo avançado um pouco nesse processo, assumindo uma melhora das expectativas, com o modelo apontando uma retomada do processo de convergência da inflação, ele poderia desacelerar o ritmo para 0,25 ponto e ir tateando até encontrar o nível ótimo. Eu antecipo que ele poderia dar dois aumentos de 0,25 ponto em janeiro e em março, mas não descarto que, talvez, tenha de avançar mais.
Então há um viés de alta na projeção para a Selic?
Guardado: Estou confortável com esse número do tamanho do ciclo, mas tem um viés mais de alta.
E em relação à comunicação dos diretores desde a reunião?
Guardado: Acho que a sinalização do Roberto [Campos Neto, presidente do BC] reforça a percepção que também tenho de que o início do ciclo tem de ser um pouco mais cauteloso e isso vale tanto para ciclos de cortes quanto de aumento. Em termos de comunicação, sempre vai haver alguma diferença na avaliação de cenário entre os membros e é natural e desejável. Você não quer ter um comitê em que todo mundo pense unanimemente igual… O Gabriel [Galípolo, diretor de política monetária] expressou algumas avaliações que ele tinha, mas houve uma interpretação exagerada do que ele falou, que levou a uma precificação de até 0,5 ponto de aumento. Não acho isso compatível com os comentários que ele fez. Ele demonstrou preocupação, mas houve uma má interpretação com o que ele quis dizer
Vendo o seu cenário, em que a Selic vai para 12,25%, haveria uma reversão de praticamente metade do ciclo de cortes. O BC errou?
Guardado: A forma como a economia se comportou sugere que a taxa neutra de juros talvez seja um pouco mais alta do que aquela que o BC projetava no início do ano. E é algo que pode acontecer na política monetária… É uma avaliação que se faz ao longo do tempo. Com o benefício da retrospectiva, temos observado que a economia seguiu muito forte, as expectativas não reancoraram… É um sinal de que um ajuste precisa ser feito agora. Houve decisões anteriores do BC que, de certa maneira, contribuíram para esse estado em que estamos agora, mas acho que o importante é agir para a frente e ter consciência de que o ajuste precisa ser feito. O BC é o gestor das expectativas de inflação e é a ele quem cabe essa convergência da inflação. Erros foram feitos, mas podemos evitá-los à frente.
O ciclo projetado pelo BNP Paribas é suficiente para provocar uma convergência das expectativas de inflação para a meta?
Guardado: Existem algumas razões para a desancoragem das expectativas, mas, no fim do dia, o gestor delas é o BC e ele precisa agir de forma com que os analistas tenham confiança de que ele fará o necessário para levar a inflação prospectiva para 3%. E, se eles acreditam nisso e, de preferência, se a política fiscal estiver na mesma direção, as expectativas vão refletir isso. Se o BC mostrar determinação de reancorar essas expectativas e se a inflação corrente voltar para uma trajetória que demonstre estar caminhando, ainda que lentamente, para uma ancoragem, isso pode se refletir nas projeções. E também depende da política fiscal. Uma política fiscal que possa demonstrar que pretende ter cortes de gastos e menos estímulos à economia certamente ajudaria o trabalho do BC neste momento.
Quais suas projeções de inflação neste momento?
Guardado: Estamos em processo de revisão, mas projetamos 4% para este ano, com viés de alta, e 4% para 2025, mas com viés mais neutro.
Estamos falando em alta de juros enquanto o Federal Reserve [banco central americano] está prestes a cortar nos EUA. Como vê esse descasamento?
Guardado: É verdade, o mundo viveu uma grande sincronia desde a pandemia e parece que esquecemos como é estarmos diferentes. Mas esse é, um pouco, o estado normal das coisas. Vivemos um período de grande sincronia, mas não de coordenação. A partir do momento em que a economia se normalizou, cada país voltou a ficar sujeito a suas próprias idiossincrasias e é o que estamos observando agora. É normal, acontece… Não é incomum nosso ciclo estar descasado do americano, mas, sem dúvida, a [próxima] decisão do Fed vai tirar bastante incerteza da frente e pode beneficiar os emergentes.
A senhora conviveu com Galípolo no BC. Qual sua expectativa para a gestão dele no comando da autoridade monetária?
Guardado: Convivemos durante seis meses. O Gabriel é muito fácil de trabalhar, é uma pessoa que escuta. Tem disponibilidade em discutir, em escutar as pessoas. É muito paciente e está disposto a ouvir outros pontos de vista. Vai ser um ótimo presidente do BC.
Fonte: Valor Econômico

