Por Marsílea Gombata — De São Paulo
25/04/2024 05h00 Atualizado há 4 horasPresentear matéria
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O aquecimento acima do esperado do mercado de trabalho tem surpreendido economistas e se mostra boa notícia para a atividade. Mas é também um dos principais motivos de preocupação do Banco Central. Isso porque, apesar de refletir a economia aquecida e significar mais renda e mais consumo, um mercado de trabalho apertado como o atual pode gerar mais pressões inflacionárias e deter o ritmo de queda de juros, afirmam economistas.
Apesar de outros fatores, como mudança da meta fiscal e dos rumos de política monetária nos Estados Unidos, se mostrarem adicionais de pressão para as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom), o desemprego baixo e a renda em trajetória de alta continuam a ser um problema para o Banco Central na redução da Selic.
Em relatório enviado a clientes recentemente, o banco Citi Brasil lembra que a taxa de desemprego atual de 7,6% – a menor desde o primeiro trimestre de 2015 – e o crescimento real dos salários indicam o grau de restrição das condições do mercado de trabalho no país.
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“As condições já restritivas do mercado de trabalho, juntamente com a visão de que o crescimento caminha para a aceleração, devem restringir cada vez mais o processo desinflacionário”, escrevem os economistas Leonardo Porto, Paulo Lopes e Thais Ortega. “Essa perspectiva provavelmente motivará o Copom a interromper o ciclo de redução dos juros não apenas mais cedo, mas também em patamar mais elevado.”
Em particular, o ritmo de aumento dos salários não está compatível com a produtividade, afirma Porto, que é economista-chefe do Citi Brasil.
“Se o salário sobe em linha com a produtividade, não gera pressões inflacionárias. Mas, se essa alta não vem ancorada, há potenciais riscos de surgirem pressões inflacionárias à frente”, diz.
“Quando olhamos os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), vemos aumento salarial nominal de 9% e, em termos reais, de 4,3%. São números bem acima de qualquer estimativa de produtividade no Brasil.”
Sinais de aquecimento
Um alerta, afirma o economista, são os sinais de aceleração da economia, o que deve aquecer ainda mais o mercado de trabalho.
Após estagnação no segundo semestre de 2023, a estimativa do Citi é de crescimento de 0,4% do PIB no primeiro trimestre, e de 0,6% no segundo, ante o trimestre anterior, impulsionado pela demanda interna, especialmente pelo consumo das famílias e por investimento. Para o ano, o banco espera crescimento de 1,5% do PIB. A taxa de desemprego, por sua vez, deve ficar em 7,5% neste ano, contra 8% em 2023.
“Nessas condições, o mercado de trabalho deverá se fortalecer ainda mais no futuro, com níveis mais baixos de taxa de desemprego, apontando para um hiato do produto [diferença entre o PIB corrente e o PIB potencial] ainda menor”, diz o relatório.
Esses riscos se somam a um cenário de expectativas de desinflação no médio e longo prazo desancoradas, o que cria uma limitação adicional para o BC.
No boletim Focus divulgado na terça-feira (23), a expectativa de inflação para 2024 subiu de 3,71% para 3,73%, no intervalo de uma semana. Para 2025, a projeção passou de 3,56%, para 3,60%.
Além de sustentar inflação de serviços em patamar alto, o mercado de trabalho apertado deve levar a uma alta da inflação de bens, segundo o Citi. A projeção do banco é de alta de 4% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) neste ano.
Porto espera corte da Selic para 10% na reunião do Copom em junho. Há dúvidas, contudo, se a projeção deve ser recalibrada. Isso porque nos últimos dias começaram a se materializar outros riscos ao ciclo de corte de juros.
No ambiente doméstico, a mudança da meta fiscal acendeu um alerta. Na arena externa, houve mudanças de rota na política monetária nos Estados Unidos, com o Federal Reserve (Fed, o banco central americano), diante de pressões inflacionárias maiores – em março, o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) avançou 3,5% em termos anuais, ante expectativa de 3,4%.
Diante disso, houve uma reprecificação da política monetária dos EUA, afirma Rodolfo Margato, economista da XP. No início do ano, o mercado chegou a precificar ao menos seis cortes da taxa de juros ao longo do ano.
Agora, não somente há incerteza sobre um próximo corte como o mercado começa a ver em 20% a chance de alta dos juros na próxima reunião do Fed, no fim de abril.
Descontando as pressões externas, no cenário doméstico, diz Margato, a dinâmica do mercado de trabalho continua sendo uma das principais variáveis monitoradas pelo BC.
“Desde o terceiro trimestre do ano passado, os principais indicadores do mercado de trabalho na Pnad e no Cadastro Geral de Empregados e Desempregado (Caged) surpreendem para cima. A população ocupada cresce consecutivamente, com destaque para o emprego formal desde o início de 2024”, diz.
“Do ponto de vista da política monetária, o grande fator a ser monitorado é a dinâmica os salários reais. A Pnad mostra rendimento médio real do trabalho em trajetória de alta desde setembro. Dados do Caged e do Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), vão na mesma direção”.
Rendimentos em alta
A XP espera que o rendimento médio (recebido de todos os trabalhos) cresça 2,5% em termos reais neste ano, na comparação com 2023.
Esse bom momento, afirma, deve-se a uma combinação de três variáveis. Primeiro, a tração da atividade econômica nos últimos meses, que deve se refletir em alta de 0,7% do PIB no primeiro trimestre, de acordo com a XP. Segundo, o aumento do salário mínimo, que teve aumento real de 3%.
“O terceiro, que gera discussão entre analistas, é a taxa de desemprego de equilíbrio, a chamada Nairu, que não acelera a inflação. Nas nossas discussões, a Nairu estaria ao redor de 8%, mas já começamos a observá-la abaixo de 8% no terceiro trimestre de 2023”, afirma. “Com ela abaixo desse patamar, pode haver pressão sobre salários e aceleração da inflação.”
O BC vem acompanhando de perto anda alguns grupos do IPCA, diz Margato.
Um deles seria o IPCA de serviços, que deve crescer 4,5% neste ano, ante 2023, segundo a XP. Já o IPCA de serviços subjacentes, espécie de núcleo da inflação de serviços, que exclui itens voláteis como passagens aéreas, deve avançar 4,9%. O IPCA de serviços intensivos em mão de obra, por sua vez, deve subir 5,2%. Todas as projeções estão bem acima da meta de inflação do BC para este ano, de 3%.
A XP espera IPCA de 3,5% para 2024, com viés de alta podendo levar o índice a 3,7%. A projeção para a Selic, de 9% no fim deste ano, está sob revisão.
“Ainda há muitas incertezas, que o próprio Copom tem destacado quando se refere ao âmbito doméstico. No caso do trabalho de trabalho, vemos sinais de moderação no curto prazo, mas insuficientes para fazer com que a inflação de serviços convirja para a meta”, prevê Margato.
Em seu último comunicado, de 20 de março, o Copom chamou atenção para um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho de países emergentes, o que exige “cautela”.
Relatório da consultoria MB Associados observa que o comunicado ressalta incerteza misturada à resiliência a da atividade e do mercado de trabalho.
“O fato é que o banco sinalizou mais uma queda de 0,5 ponto percentual, chegando a 10,25% em maio, mas deixando em aberto o que pode vir pela frente. Abriu-se a possibilidade de uma queda mais suave de 0,25 ponto, sem afetar a taxa de fim de ciclo. Ao sugerir que a queda poderá ser mais suave, o BC demonstra preocupação com alguns itens da inflação que seguem muito pressionados”, escreve no relatório Sérgio Vale, economista da MB Associados.
“Será difícil o BC justificar mais corte de juros diante da expansão forte do emprego, da renda, da taxa de ocupação alta e do desemprego baixo”, afirma Vale, que espera taxa de desemprego em 7,5% neste ano e maior aquecimento do mercado de trabalho, em reação à atividade econômica.
No relatório, a MB afirma que elementos de incerteza deverão fazer o BC encerrar o ciclo de queda da Selic em 9,25% e “quem imaginava a Selic muito mais baixa poderá ter que revisar as projeções”.
Essa interrupção, afirma Vale, pode ser o prenúncio de um segundo semestre muito mais tumultuado em termos de política monetária – além do fim de ciclo de queda de juros, haverá troca do presidente e de mais dois diretores do BC.
“No segundo semestre, o debate será sobre qual BC teremos e para onde vamos caminhar”, conclui.
Fonte: Valor Econômico

