Além de o parecer apresentado nesta quarta-feira (24) pelo relator da medida provisória (MP) alternativa ao IOF, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), preservar a isenção de imposto de renda no caso dos fundos imobiliários com mais de 100 cotistas, outras mudanças previstas no documento chamam atenção de especialistas, que em alguns casos não descartam potenciais impactos nos rendimentos distribuídos aos investidores.
Entre as alterações mais comentadas até agora estão: a substituição do regime de tributação de caixa para o de competência; o fim da obrigatoriedade de distribuição de 95% dos lucros; e a isenção para investimentos não imobiliários feitos pelos próprios fundos.
Regime de competência
A revogação do regime de caixa na apuração de lucros e a adoção do regime de competência, mudança vista com maior preocupação por especialistas, pode reduzir os ganhos proporcionados pelos fundos aos cotistas.
Na prática, o parecer prevê que os fundos deixem de considerar apenas o dinheiro que entrou no caixa para calcular os resultados e passem a apurar o lucro quando houver receita e despesa, ainda que o recebimento ou o pagamento não tenha sido totalmente realizado.
Enquanto, no regime de caixa, o fundo só precisa distribuir proventos ao cotista quando contabilizar o montante, no modelo de competência o fundo deve apurar o lucro pelo que deveria receber, mesmo que o dinheiro ainda não tenha entrado no caixa.
Se um fundo imobiliário vende um imóvel parcelado pelo regime de competência, por exemplo, o lucro da venda já entra todo na conta do resultado, mesmo que o pagamento seja feito ao longo de várias parcelas.
O documento deixa claro que apenas os lucros calculados pelo regime de competência permanecem isentos de imposto de renda. Caso o fundo distribua proventos acima desse montante, essa diferença deve ser considerada como amortização, ou seja, uma devolução de capital ao cotista.
Neste caso, destaca Rodrigo Medeiros, analista de fundos imobiliários e responsável pela plataforma DesmistificandoFII, o preço médio de compra da cota do investidor é reduzido e, no momento da venda, a base de cálculo do ganho de capital aumenta, elevando a tributação a ser paga pelo cotista.
FoFs podem ser os mais afetados
Segundo Medeiros, o efeito deve ser sentido com mais intensidade pelos Fundos de Fundos (FoFs), que investem em cotas de outros fundos imobiliários.
No caso dos fundos de fundos, parte relevante do lucro pode vir de ganhos de capital, no momento de compra e venda de cotas de outros fundos. Pelo regime de competência, essas variações passam a entrar no resultado contábil do fundo.
Se as cotas caírem muito, o FoF registra prejuízo e não pode distribuir o lucro isento. Por outro lado, se as cotas subirem muito, o fundo pode registrar lucro, mas não é obrigado a distribuir todo o resultado.
No segundo caso, existem dois caminhos a serem seguidos: o gestor do FoF pode usar o lucro acumulado para reinvestir em novas cotas, aumentando o patrimônio e, no longo prazo, a renda recorrente; ou guardar para usar no futuro, em um momento de desvalorização das cotas, e assim manter certa estabilidade nas distribuições mesmo em períodos de queda.
Do lado negativo, em alguns momentos os FoFs podem não conseguir distribuir rendimentos, tirando a previsibilidade da renda, que é justamente o que atrai os investidores de fundos imobiliários.
Impacto nos fundos de “tijolo”
Como os fundos de “tijolo” investem diretamente em imóveis (como shoppings, galpões logísticos e lajes corporativas), todo ano eles fazem uma reavaliação desses ativos. O valor pode subir ou cair, gerando lucro ou prejuízo contábil.
Se o valor sobe muito e o fundo não distribui imediatamente, ele pode acumular para usar no futuro. Mas se houver desvalorização, o prejuízo pode reduzir os rendimentos distribuídos aos investidores.
No entanto, Medeiros explica que, diferentemente dos FoFs, os fundos de “tijolo” podem ser classificados como investimento de longo prazo. Isso significa que eles não são obrigados a registrar todas as variações de valor do imóvel na demonstração de resultados (DRE).
Nos FoFs, cada fundo imobiliário da carteira é considerado um ativo líquido que pode ser vendido a qualquer momento, então toda variação de preço precisa ser registrada na DRE.
Ou seja, nos fundos de “tijolo”, o impacto da valorização ou desvalorização pode ser suavizado, já que o imóvel não será vendido imediatamente e, portanto, a distribuição do fundo pode ser resguardada.
Como seria nos fundos de “papel”
No caso dos fundos de “papel”, que investem em títulos de renda fixa do setor imobiliário, como os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), esses fundos vão precisar apurar o lucro pelo regime de competência, e não mais pelo de caixa.
Nos fundos focados em CRIs atrelados à inflação, por exemplo, o rendimento vai passar a subir ou cair conforme a inflação do mês, sem que o gestor possa segurar parte desse resultado para equilibrar depois.
Isso significa que a rentabilidade pode vir alta em um mês, e no seguinte cair.
Sob essa ótica, Medeiros argumenta que há um risco muito grande de se criar uma estrutura que permita o gestor distribuir rendimentos recorrentes, mesmo sem entrada de caixa.
“Em um CRI no qual o emissor tem um período de carência de um ano para pagar juros, o fundo contabiliza lucro todo mês, porque os juros estão correndo, mas o caixa só vai entrar no futuro. Se esse CRI der calote, o fundo terá distribuído um lucro que nunca virou dinheiro de verdade, e depois precisará reconhecer um grande prejuízo”, alerta o especialista.
“Ou seja, há um problema de se aumentar o risco lá na frente”, ressalta Medeiros.
Segundo o analista, há, em certa medida, um ponto positivo nessa história: os gestores de fundos de “papel” provavelmente serão mais cautelosos na escolha e estruturação dos CRIs, evitando práticas questionáveis que inflam rendimentos pelo regime de caixa.
Isenção para investimentos feitos pelos fundos
Atualmente, os fundos imobiliários podem investir parte do seu patrimônio em ativos financeiros que não são imobiliários, como Tesouro Direto e CDBs, principalmente para gestão de caixa ou estratégia de recursos.
Quando os fundos investem nesses papéis, eles pagam imposto de renda sobre os rendimentos dos investimentos, o que tende a reduzir o retorno distribuído ao cotista.
Com a mudança proposta pelo relator Zarattini, qualquer investimento feito por um fundo imobiliário, mesmo que não seja diretamente ligado a imóveis, ficaria isento de imposto.
Na prática, isso significa que o fundo poderia manter parte do patrimônio em títulos públicos sem precisar ser tributado.
Sob esse ponto de vista, Arthur Vieira de Moraes, professor de finanças, palestrante e consultor, alerta que a permanência da isenção para o investidor pessoa física somada à isenção dos investimentos realizados pelo fundo pode transformar o fundo imobiliário em um veículo usado para driblar a Receita Federal.
“Pode ter um fundo que só investe em qualquer título de renda fixa, que se a pessoa física investir diretamente via cotas recebe rendimentos isentos de imposto. Fora isso, para os gestores daria mais flexibilidade de fazer investimentos, mesmo sem a intenção de driblar o fisco”, avalia.
Fim da obrigatoriedade de distribuir 95% do lucro
A lei vigente dos fundos imobiliários obriga que pelo menos 95% do lucro obtido no semestre seja distribuído aos cotistas. Essa regra, adotada por muitos fundos de forma mensal, garante previsibilidade de rendimentos.
Com a revogação dessa obrigação, os fundos continuariam podendo distribuir lucros mensais, e provavelmente devem seguir assim, já que é isso que atrai os investidores, mas não seriam mais obrigados a repassar 95%.
“Os fundos não serão mais obrigados a distribuir, mas não significa que vão deixar de distribuir. O gestor pode continuar pagando rendimentos regulares, mas terá liberdade para decidir quando e quanto pagar”, destaca Medeiros.
Fonte: Valor Investe

