Aguardando sanção pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o projeto de lei 1087, de 2025, mobiliza empresas de capital aberto que buscam a melhor forma de se adaptar à cobrança de uma alíquota de 10% sobre lucros e dividendos prevista no texto. A toque de caixa, companhias preparam a convocação de assembleias de acionistas para deliberar sobre a distribuição dos lucros obtidos até 31 de dezembro. Isso porque o projeto prevê que lucros e dividendos apurados até 2025 não serão tributados, contanto que a distribuição tenha sido aprovada ainda neste ano.
As incertezas com relação à nova lei, que pode inclusive ser alterada por vetos do presidente Lula, ficaram evidentes em teleconferências de empresas para detalhar resultados do terceiro trimestre. Companhias como Caixa Seguridade, Direcional, Mills e Unipar informaram, em conversas recentes com analistas, que ainda não tomaram decisões e que estudam caminhos diversos para lidar com a nova lei.
Tributaristas confirmam um aumento nas consultas sobre o tema, que ainda gera dúvidas. Isso porque o projeto aprovado tem pontos conflitantes com a Lei das Sociedades por Ações (S.A.). “Ou as empresas vão brigar com a CVM [Comissão de Valores Mobiliários] ou com o fisco”, resume Rodrigo Maito, sócio da área tributária do escritório Dias Carneiro Advogados. “Há um completo descompasso entre o projeto aprovado e a lei societária”.
Enquanto a Lei da S.A. determina que o dividendo deverá ser pago em até 60 dias no exercício social em que houver a deliberação, o projeto aprovado estabelece prazo até 2028 para o pagamento dos lucros e dividendos apurados até o fim deste ano.
O prazo até 31 de dezembro para as empresas deliberarem sobre a distribuição de lucros “do passado” tende a gerar uma corrida para fechar balancetes intermediários, uma vez que os resultados completos e auditados do quarto trimestre só serão divulgados no próximo ano. “O problema é que isso fica incompatível para as sociedades anônimas”, ressalta Maito.
Em teleconferência, Ricardo Gontijo, presidente da incorporadora Direcional, afirmou que a empresa ainda está “vendo o que vai fazer” de forma a minimizar o impacto aos acionistas, mas que está bem preparada para essa realidade, dada a posição de caixa e de alavancagem. “Estamos vendo o que é possível ser feito sempre mantendo o nosso conservadorismo e disciplina”.
A Mills também estuda alternativas para “garantir o melhor retorno ao acionista”, mas ainda não tem uma estratégia definida, disse Renata Vaz, diretora financeira da empresa de aluguel de máquinas e equipamentos.
Na Plano&Plano, a mudança na tributação “provoca a empresa para tentar garantir o máximo de dividendos possível para os acionistas”, segundo João Luis Ramos Hopp, diretor financeiro. Mas a decisão depende de fatores, como o apetite de crescimento da empresa e o cumprimento dos “covenants” (cláusulas contratuiais de obrigações), segundo afirmou o executivo na teleconferência.
A Mahle Metal Leve já decidiu que não irá antecipar dividendos, levando em conta o custo financeiro, disse Claudio César Braga, diretor financeiro da empresa. Ele afirmou a analistas que a administração da empresa estudou o tema, avaliando, por exemplo, o perfil dos investidores. “O que eu posso falar é que se a lei se mantiver da forma como está hoje, não temos a intenção de antecipar dividendos.”
Vice-presidente financeiro da Porto, Celso Damadi disse que a seguradora também acompanha possíveis mudanças no texto. “Vamos ver como será para decidirmos”, pontuou a analistas. Ele adiantou, porém, que a distribuição de dividendos adicionais em 2025 não está nos planos. “A nossa expectativa é pagar 50% [do lucro] neste ano. Nos anos seguintes, com a geração de caixa que temos, vemos algumas possibilidades, disse.
Já o conselho da Vulcabras aprovou no fim de outubro um aumento de capital de até R$ 597,6 milhões, destinado à conta de capital social e à formação de reserva de capital, em conta de ágio na subscrição de ações.
“Estamos chamando um aumento de capital, fazendo essa alocação de R$ 598 milhões, na iminência da reforma tributária que deve taxar dividendos. É uma forma de trazer um planejamento tributário que favoreça os acionistas sem impor ao balanço da Vulcabras uma alavancagem desnecessária”, disse ao Valor na época o diretor financeiro da Vulcabrás, Wagner Dantas.
A movimentação em torno do assunto é intensa, conta Alamy Candido, tributarista do escritório de advocacia Candido Martins Cukier. “O trabalho desse mês está todo focado nisso.”
Na avaliação dele, os caminhos para se adequar ao iminente novo cenário tributário são limitados. Uma alternativa seria a capitalização. Ao utilizar reservas de lucro para aumentar seu capital social, a empresa pode realizar uma bonificação de ações. Trata-se de um remanejamento contábil, dentro do balanço. As ações emitidas para fazer frente a esse aumento de capital são distribuídas sem custo aos acionistas. “Não é tão simples em estruturas societárias complexas.”
Para as empresas que tiveram lucro e contam com dinheiro em caixa, existe a opção de simplesmente pagar o dividendo. Já no polo oposto – aquelas sem recursos para pagar os proventos – a saída seria contrair dívida. Com isso, há uma expectativa de aumento da demanda por financiamento, ainda que ela seja limitada pelo patamar elevado dos juros.
Uma opção intermediária seria transferir valores do patrimônio líquido e lançá-los como passivo (devido aos acionistas) no balanço da empresa, para mais adiante decidir efetivamente o que será feito com os recursos. Na dúvida, “todo mundo está preparando ata, convocando assembleia”, diz Maito.
Uma variável adicional que, segundo Candido, gera “um pouco de insegurança” é a possibilidade de Lula vetar o prazo até 2028 para pagamento dos “lucros do passado”. Em caso de veto, seriam duas as leituras possíveis: numa delas, os valores auferidos até 2025 poderiam ser pagos quando as companhias quiserem. Outra interpretação é a de que o desembolso de dividendos teria de ser feito necessariamente este ano.
“É melhor sancionar do jeito que [o projeto de lei] está. Já tivemos muitas discussões. Se [o presidente] vetar, vai gerar uma correria [para pagar dividendos], começa a gerar desconforto no mercado”, avalia o advogado tributarista. (Colaborou Ana Luiza de Carvalho)
Fonte: Valor Econômico

