As empresas que captam recursos com debêntures incentivadas devem começar a emitir papéis com prazos mais curtos que o de costume. Com a alta dos juros e o cenário econômico mais instável, muitas companhias estão buscando formas de não “travar” a taxa das dívidas em um nível alto por um longo prazo.
O plano das companhias é emitir títulos com vencimento entre seis e quatro anos, que é o prazo mínimo previsto na lei que criou os papéis. O prazo médio de uma debênture desse tipo ficou em 12,9 anos em 2024, chegando a 20 anos em alguns casos, conforme a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
As debêntures incentivadas são títulos isentos de Imposto de Renda (IR) para a pessoa física. A isenção serve para incentivar o financiamento de setores considerados estratégicos para o desenvolvimento do país, como saneamento, infraestrutura e energia.
Esse perfil de empresa geralmente capta os recursos para projetos e, por isso, buscam vencimentos longos e volumes elevados, diz Felipe Thut, diretor de renda fixa do Bradesco BBI. “Considerando o cenário atual, no entanto, faz sentido que elas busquem prazos curtos, como se fosse um empréstimo-ponte incentivado”, avalia.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem mantido conversas com empresas que procuram alternativas para emissões neste ano, segundo Rafael Feler, responsável pela área de mercado de capitais do banco. “Estamos avançando nos desenhos e um deles busca que o emissor não precise fixar o custo da dívida de longo prazo agora, podendo fazer isso mais adiante”, disse.
O cenário é mais desafiador, com algumas operações saindo, ainda que em um volume mensal menor”
Uma das opções discutidas consiste na captação com debêntures incentivadas, com remuneração no modelo IPCA mais spread, e a contratação de swap, para as emissoras ficarem expostas ao DI. “Dessa forma, se a taxa de juros cair mais na frente, o custo da dívida com swap cai também”, explica Feler.
Além de empresas e bancos, também participam das conversas gestoras de ativos focadas em crédito incentivado. Para as assets, investir em títulos mais curtos pode ser positivo devido ao impacto no “duration”, uma métrica que mede a sensibilidade do valor dos ativos às variações da taxa de juros.
O “duration” mostra em quanto tempo o investidor deve recuperar o valor investido mais juros, levando em consideração os fluxos de pagamentos, como juros e amortizações. Em ciclos de alta dos juros, as gestoras podem se interessar por papéis mais curtos, considerando a redução da volatilidade na marcação a mercado dos papéis.
“Não sei se as empresas conseguirão, de fato, emitir com prazo mais curto, mas a chance de encontrar demanda é grande. Se o papel é curto e ocorre uma variação de spread de crédito, a gestora sofre menos no preço. Se o prazo é mais longo, ela sofre mais”, afirma Rafael Zlot, diretor de investimentos em renda fixa da Genial.
Caio Palma, analista de infraestrutura da gestora Sparta, tem a mesma avaliação. “Passamos a reduzir o duration dos fundos nos últimos tempos, mas os prazos que aparecem são só os longos”, diz ele, que já recebeu sondagens de companhias do setor de rodovias sobre possíveis operações mais curtas.
Para banqueiros de investimento ouvidos pelo Valor, uma captação com debêntures de prazo reduzido pode ser menos custosa para as emissoras neste ano do que um empréstimo-ponte tradicional, levando em conta a perspectiva de continuidade de aumento dos juros. Economistas acreditam que a Selic, taxa básica atualmente em 13,25%, deve encerrar 2025 em 15%.
O que ainda falta saber é se daqui alguns anos essas empresas terão lastros para emitir uma nova dívida incentivada e pagar a antiga. Para Palma, as emissões com prazo menor devem ficar concentradas nas empresas de maior porte, que tenham “pipelines” grandes e, por isso, menos receio de perder o lastro. “Para as menores, que tocam poucos projetos, acho mais difícil”, afirma.
Outra preocupação é com o risco de rolagem. “O risco de fazer uma debênture curta é que quando ela vencer a companhia terá que se realavancar. E aí não dá para saber se nesse momento os juros estarão mais altos ou mais baixos”, explica Feler.
Nesse sentido, as emissoras que têm acionistas mais robustos, como distribuidoras de energia que fazem parte de grandes grupos, conseguirão conviver melhor com o risco – considerando a eventual necessidade de aporte – do que as empresas que não têm acionistas bem capitalizados.
O advogado Ricardo Prado, do escritório Lefosse, relata a demanda de companhias por um controle maior do custo de dívida neste início de ano, o que passa por essa mudança nos prazos dos títulos. O lado positivo, diz ele, é que o desenvolvimento do mercado de crédito visto nos últimos anos torna esses ajustes possíveis.
“No exato momento, o cenário é mais desafiador, com algumas operações saindo, ainda que em um volume mensal menor comparado aos do ano passado”, aponta Prado. “Há, no entanto, uma expectativa de que o mercado volte a andar mais forte nos próximos meses.”
Em 2024, o volume de debêntures incentivadas atingiu recorde de R$ 135 milhões, ante R$ 67,8 bilhões no ano anterior, segundo a Anbima. O volume correspondeu a quase 30% de toda a captação com debêntures no ano.
Fonte: Valor Econômico

