“Droga recreativa” também escrita como cetamina ou quetamina vem sendo recomendada por meio de programas de saúde das companhias à medida que se populariza a terapia assistida por psicodélicos
PorEmma Jacobs
, Em Financial Times
Liz Kost nunca havia experimentado a ketamina (também escrita como cetamina ou quetamina), um analgésico com a reputação de ser uma droga usada em festas. Mas ela decidiu tentar quando seu empregador lhe ofereceu. “Foi incrível”, diz ela.
A experiência não foi por diversão, e sim por razões terapêuticas. A Dr Bronner’s, empresa de produtos de higiene pessoal orgânicos da Califórnia, onde Kost é gerente de operações de marketing, oferece terapia com ketamina totalmente paga como parte de seu pacote de benefícios aos funcionários.
A oferta coincide com um “aumento dramático no interesse pela psicoterapia assistida por ketamina nos últimos anos”, afirma Jeffrey Zabinski, professor assistente de psiquiatria do Centro Médico da Universidade Columbia.
A ketamina foi aprovada pela Food and Drug Administration dos EUA (FDA) para uso como analgésico desde a década de 70. Mas mais recentemente, clínicas especializadas começaram a considerá-la um tratamento de saúde mental. Embora não aprovado amplamente pela FDA, é legal que médicos, psiquiatras ou, em alguns estados, enfermeiros, prescrevam o medicamento “off label” [uso não indicado na bula] para essas novas finalidades.
O benefício chegou em um “momento desesperador” para Kost. “Passei por momentos muito traumáticos quando criança. Eu reprimi minhas emoções, mas quando veio a covid… essa incerteza desenterrou meus traumas”. Ela tinha ataques de ansiedade e não conseguia dormir. “Fiquei presa em um ciclo de traumas.”
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Inicialmente Kost procurou a psicoterapia mais tradicional, mas depois de assistir o fundador de sua companhia, Mike Bronner, falar sobre o novo benefício, ela decidiu tentar. “Ele foi aberto sobre a depressão que teve no passado e falou sobre como a ketamina ajudou.”
Geralmente os pacientes fazem de três a seis sessões em uma clínica especializada, às vezes após encaminhamento de outro profissional médico. Kost fez seis em duas semanas, com uma sessão de reforço posteriormente. Após uma consulta com a Flow Integrative, que fornece terapia com ketamina, o serviço foi supervisionado pela Enthea, uma administradora de seguro saúde que oferece aos empregadores tratamento psicodélico para funcionários.
Isso vem acontecendo à medida que mais empresas buscam ajudar seus funcionários com saúde mental, oferecendo acesso a terapias ou aplicativos. Sally Maitlis, professora da Saïd Business School, diz que o interesse dos empregadores pela ketamina é, na melhor das hipóteses, motivado pela “preocupação real” com funcionários com depressão. Mas ela alerta que isso também pode fazer parte de uma “abordagem de dispersão”, que evita enfrentar as causas profundas e complexas dos problemas de saúde mental.
Kost tomou pela primeira vez a ketamina em forma de comprimido em casa, supervisionada por um adulto de confiança e um terapeuta conectado virtualmente. “Fiquei apavorada. Nunca tinha feito nada como aquilo. A ketamina imobiliza você. Quando você vem com um trauma, não fica animado em ser imobilizado”, diz Kost. O ambiente doméstico não ajudou. “Tudo que eu conseguia pensar era na roupa suja.”
Em seguida, ela o fez por via intravenosa, em uma clínica. “Você se senta em uma poltrona confortável, eles lhe dão um cobertor pesado, injetam o soro e tocam música. Você passa uma hora pensando na vida e nas pessoas que ama.” Os profissionais foram “gentis e atenciosos… Se fosse um ambiente mais clínico e frio, talvez eu não tivesse feito.”
A ketamina, diz, a ajudou a superar a tendência de ficar remoendo as coisas. “Eu a chamo de massagem para a alma. Ajuda você a sair de seus traumas”, diz ela. “Pensei, nossa, o universo é um lugar maior do que eu imaginava. Ela deixa você com um humor e mentalidade positivos.” Ter acesso à terapia, para processar os pensamentos e sentimentos, foi essencial, acredita ela.
Allan Young, diretor do Centro de Transtornos Afetivos do King’s College London, diz que há boas evidências de que a ketamina ajuda na depressão resistente a tratamentos. Entre seus pacientes que sofrem com isso, até metade melhorou depois de usar um spray nasal derivado da ketamina, que é aprovado para uso em muitos países.
Sherry Rais, presidente-executiva da Enthea, diz que os novos usos da ketamina são “amplamente considerados normais, seguros e eficientes” – um exemplo de prescrição “off label” já comum em casos como o do medicamento propranolol, aprovado para problemas cardíacos, mas frequentemente receitado para combater a ansiedade.
No entanto, a ketamina apresenta riscos. O FDA alerta para “sedação, dissociação, eventos psiquiátricos ou agravamento de distúrbios psiquiátricos”. O abuso tem sido associado a problemas de bexiga e coração. No ano passado, o ator Matthew Perry, que já havia recebido terapia assistida com ketamina, morreu acidentalmente devido aos “efeitos agudos da ketamina”, segundo um médico-legista de Los Angeles. Isso, diz Young, significa que a ketamina precisa “ser parte de um pacote de cuidados bem formulado” após uma “avaliação minuciosa” por profissionais.
Porém, embora muito sobre os efeitos de longo prazo ainda seja desconhecido, Zbinski diz que as clínicas comerciais que oferecem o medicamento para uma série de condições estão surgindo mais rapidamente do que as novas pesquisas. “Alguns lugares parecem ter requisitos mínimos de triagem – como se estivessem dispostos a tratar praticamente todas as pessoas dispostas a pagar.”
Parece improvável que a ketamina se torne popular como benefício a trabalhadores. Kost suspeita que a maior parte das empresas é cautelosa demais para que isso se torne “uma grande tendência de negócios”. Mas ela defende seu uso. “Definitivamente vale a pena. Não quero que as pessoas pensem que ficamos sentados usando um monte de drogas recreativas.” (Tradução Mario Zamarian)
Fonte: Valor Econômico