Em uma das maiores secas para estreias de empresas na bolsa brasileira, bancos de investimento aproveitam a maré baixa para fazer a ponte entre companhias não listadas e investidores, locais e estrangeiros. O intuito é deixar a casa arrumada – assim como o discurso – para quando o mercado permitir uma oferta inicial de ações (IPO, pela sigla em inglês). O movimento ocorre ainda que não se saiba exatamente em que momento a janela reabrirá para as operações.
Mesmo sem ter visibilidade de quando chegarão à bolsa, muitas companhias optam por começar esse processo com antecedência para colher os frutos à frente. O processo da retomada de ofertas após uma longa entressafra costuma ser lento e trabalhoso, o oposto do que se vê nos momentos de otimismo, como o de 2021. Naquele momento, veio a mercado uma enxurrada de operações, inclusive de casos que foram questionados posteriormente.
Em uma primeira conferência realizada pelo Itaú BBA para empresas não listadas, as 22 companhias que marcaram presença dão uma pista dos nomes que poderão chegar ao cardápio dos investidores nos próximos anos. Algumas delas já são conhecidas. São empresas que chegaram a iniciar os trâmites junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mas tiveram seus planos frustrados pelo aumento da volatilidade, como Votorantim Cimentos, BRK, Kalunga, Nadir e São Salvador Alimentos. Outras que estiveram no evento, frente a frente com potenciais investidores, são Aramis (roupas), Cimed (farmacêutica), Fortbras (venda de autopeças) e Granja Faria (produtora de ovos).
“Algumas dessas empresas já são abertas, só não têm ações negociadas em bolsa, já publicam balanço, o que demonstra um comprometimento grande. Estão com a governança pronta, só esperando o melhor momento”, afirma o responsável global do banco de investimento do Itaú BBA, Roderick Greenlees.
Parte das companhias, destaca, não tem planos de IPO já em 2024, trabalha com a perspectiva de listar ações em bolsa mais adiante. Ao todo estavam presentes 85 potenciais investidores.
Segundo Greenlees, para as empresas que já tentaram um IPO, mas tiveram que colocar os planos da gaveta com o fechamento da janela, estar novamente com investidores é uma oportunidade de atualizá-los sobre os planos de negócios e falar sobre as metas que já foram cumpridas. “Quanto mais tempo se tem com o investidor potencial, o sucesso aumenta. O que o investidor menos gosta é de conhecer a empresa no ‘roadshow’ [reuniões que antecedem a realização de uma oferta]”, afirma. A depender da reação dos investidores, há mais chances de a empresa ser mais assertiva na busca de investidores no processo de IPO.
No Morgan Stanley, também em outubro, a decisão foi levar 12 empresas latino-americanas para uma conferência de três dias com investidores em Nova York. “Foram mais de 200 interações com investidores estrangeiros de diversos perfis, com participação equilibrada entre fundos ‘long only’ [fundos de ações direcionais] e ‘hedge funds’”, diz o responsável pelo banco de investimento da instituição americana no Brasil, Fabio Medeiros. De acordo com o executivo, esse tipo de encontro reforça o comprometimento da empresa com o processo do IPO.
Para Medeiros, a qualidade e a quantidade dos investidores foram diferenciais da conferência deste ano. Segundo ele, a dinâmica das conversas foi de “relativa tranquilidade quanto ao cenário macro brasileiro”, com a atenção voltada para os juros nos Estados Unidos – ponto determinante para a retomada dos IPOs no Brasil.
“A conferência também confirmou a expectativa dos investidores de que as primeiras empresas a acessar o mercado devem ser aquelas mais preparadas e capazes de trazer ao mercado ofertas de tamanhos maiores quando comparadas as ofertas da janela de 2020 e 2021.”
O Citi levou 30 nomes, de diversos setores, para um encontro entre companhias não listadas e investidores, segundo o responsável pela área de renda variável banco, Marcelo Millen. “O ‘feedback’ [retorno] dos investidores tem sido bom. É um incentivo para as empresas falarem com investidores e ajuda a criar um ‘track record’ [histórico]”, diz.
Com esse preparo mais longo, algo possível com o mercado travado para estreias na bolsa, pode se ajustar o discurso das companhias, segundo Millen. Quando a companhia chegar de fato à decisão de um IPO, isso pode ajudar na dinâmica de acerto de preço, que costuma ser uma queda de braço entre emissor e investidores.
Fonte: Valor Econômico

