O aumento da judicialização de questões de cibersegurança e inteligência artificial é o que mais preocupa os departamentos jurídicos de multinacionais do Brasil este ano. Também há expectativa de litigância sobre temas trabalhistas, de propriedade intelectual, comerciais e tributários. Os dados são do “Global Disputes Forecast”, um estudo feito pelo escritório Baker McKenzie.
Para o levantamento, foram ouvidos 600 líderes de departamentos jurídicos globais, incluindo 100 brasileiros, com apoio do escritório Trench Rossi Watanabe. A pesquisa focou em multinacionais com faturamento entre US$ 500 milhões e US$ 50 bilhões, segundo o escritório condutor do estudo. O Valor teve acesso aos dados referentes ao Brasil com exclusividade.
Segundo o levantamento, 42% dos líderes de grandes empresas no Brasil acreditam que os gastos com litígios vão seguir no mesmo patamar este ano, contra 37% que esperam um aumento nos gastos, e 21% que têm expectativa de redução.
De acordo com o relatório, a principal preocupação para 2025, no Brasil e no mundo, é com o aumento de litígios sobre questões de cibersegurança e privacidade de dados. O aumento no volume de ataques cibernéticos e a sofisticação dos golpes estão no centro da preocupação de 46% dos entrevistados no país, e de 45% no mundo.
Segundo Flávia Rebello, sócia da área de tecnologia do Trench Rossi Watanabe, a evolução tecnológica tem propiciado um aumento cada vez mais rápido desse tipo de ameaça. “São incidentes que, em muitos casos, podem implicar danos financeiros, operacionais e reputacionais relevantes, e geram obrigações de notificação a autoridades e titulares de dados pessoais em diversas jurisdições” aponta.
“A preocupação cresce ainda mais com o aumento da fiscalização da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, que tem sido mais ativa e rigorosa na aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD”, acrescenta.
A possibilidade de judicialização de questões ligadas à inteligência artificial foi apontada por 41% dos entrevistados brasileiros, pouco abaixo da média de 44% executivos no levantamento global. “No Brasil, a regulamentação da IA, atualmente em debate na Câmara dos Deputados e com perspectiva de aprovação no primeiro semestre, traz novas camadas de complexidade e responsabilidade para as empresas que utilizam a tecnologia. A depender do texto final, a tendência é de aumento de disputas envolvendo IA”, afirma Flávia.
Entre os responsáveis pelos departamentos jurídicos que estão preocupados com a litigância relacionada à IA, 73% apontaram que estão usando os processos de automação para a tomada de decisão em suas funções; outros 68%, que usam a IA para análise; 54% para pesquisa; e 49% usam a inteligência artificial para criar modelos de previsão, seja de custos ou probabilidade de vitória.
As principais preocupações de quem usa IA nos processos internos são com questões regulatórias e com a possibilidade de ameaças de cibersegurança. Mas seu uso também pode acarretar problemas de confidencialidade das informações diante de pedidos judiciais e riscos à reputação da empresa, segundo os entrevistados.
Em terceiro lugar no estudo, apareceram as questões trabalhistas, que estão no radar de 32% dos diretores de departamentos jurídicos das grandes empresas. Leticia Ribeiro, sócia trabalhista do Trench Rossi Watanabe, destaca que as transformações no mercado de trabalho promovidas pelo aumento do home office estão no cerne dessa preocupação. Além disso, ela aposta que “o uso de ferramentas de IA generativa no trabalho trará impactos relevantes e novos desafios, inclusive pela automatização de tarefas rotineiras”.
Questões relacionadas à propriedade intelectual e o registro de marca foram citadas por 27% dos entrevistados no estudo. Disputas a respeito de contratos e acordos comerciais foram citadas por 24%.
Por fim, aparece no estudo também o contencioso tributário, questão que sempre está entre as maiores preocupações dos executivos, segundo aponta Simone Dias Musa, managing partner e sócia coordenadora da área tributária do Trench Rossi Watanabe.
“O Brasil tem uma cultura de litígios robusta, que certamente se reflete nas corporações. As disputas legais são frequentemente vistas como um caminho necessário para resolver conflitos complexos, cenário que colabora para esse aumento observado entre os líderes jurídicos brasileiros”, avalia a especialista.
Fonte: Valor Econômico