A Apple, com uma grande base de produção na China, está crescendo rapidamente no Vietnã e na Índia. A Crocs, que transferiu a produção de grande parcela de seus calçados coloridos da China para o Vietnã, recentemente intensificou o fornecimento da Indonésia e está se estabelecendo na Índia. A Universal Electronics, fabricante de sensores de segurança e dispositivos como controles remotos do Arizona, pretende fechar uma de suas duas fábricas na China, ampliar instalações no México e começar a construir nova unidade de produção não muito distante da capital do Vietnã, Hanói.
Esse movimento é explicado, em parte, pelo fato de que nenhum país sozinho pode acomodar toda produção que está saindo da China. O Vietnã é amigável aos negócios, mas não possui trabalhadores capacitados em número suficiente. A Índia tem grande força de trabalho, mas sua infraestrutura é irregular. O México fica perto do mercado americano, mas muito distante dos fornecedores de componentes da China.
A diversificação, que alguns especialistas estão chamando de “multishoring”, também reflete uma nova realidade: o mundo é hoje um lugar muito mais complicado para se fazer negócios do que era uma década atrás.
“Vivemos um momento muito louco”, diz Neale O’Connor, professor da Edith Cowan University, na Austrália, que presta consultoria a equipes corporativas de cadeias de suprimentos. “O objetivo é descentralizar o risco para que você possa lidar com os desígnios de Deus e para que você possa lidar com os atos dos políticos.”
Segundo relatório de março da firma de auditoria KPMG que analisou 132 empresas, principalmente multinacionais da lista “Fortune 500”, dois terços das revisões nas cadeias de suprimentos desde 2018 envolveram a transferência da produção para dois ou mais países. Menos de um terço foram para um país, segundo o relatório, que tem co-autoria de O’Connor.
Espalhar a produção não é algo barato. As empresas precisam explorar novos locais, investir no treinamento de trabalhadores e cultivar relações com governos locais. Os novos fornecedores precisam ser elevados a padrões de qualidade aceitáveis, e o fornecimento local de componentes pode ser um problema. Mesmo assim, as companhias estão se arriscando.
Quando elas começaram a sair da Chima, sua maior preocupação eram custos. Os salários estavam aumentando no país que era o chão de fábrica do mundo, o que levou à busca por fronteiras mais baratas. Em 2018, a guerra entre Washington e Pequim aumentou a urgência dessa missão.
Nos últimos anos, as incertezas explodiram. A pandemia devastou as cadeias de suprimentos. A competição entre os EUA e a China se tornou uma rivalidade acirrada. Pequim ficou mais imprevisível em relação às empresas estrangeiras. A guerra entre Rússia e Ucrânia foi um lembrete de que grandes conflitos ainda podem surgir.
“Tudo está bem até não estar bem”, diz Shawn Nelson, presidente-executivo da Lovesac, fabricante de móveis estofados listada na Nasdaq. “Acho que essa é a paranoia que está nos motivando.”
A empresa de Stamford, Connecticut, começou a transferir sua produção de um centro industrial no sul da China para o Vietnã, depois que Donald Trump impôs tarifas às importações chinesas em 2018. Mas a companhia não parou aí. Nelson imaginou que mais turbulências geopolíticas viriam.
Quando a pandemia levou governos a fechar suas fronteiras em 2020, a Lovesac produzia seus sofás modulares também na Malásia e na Indonésia, além de costurar alguns produtos na Índia. Nelson diz que a decisão valeu a pena: quando enfrentava interrupções em um ou dois locais, a companhia nunca ficava sem estoque.
Agora, a Lovesac trabalha para ter fábricas automatizadas no México e nos EUA. O objetivo é estabelecer presença no continente americano, dando à empresa a capacidade de aumentar a produção caso estoure uma crise na Ásia.
Para a fabricante de calçados Crocs, a necessidade de espalhar suas operações tornou-se mais clara na pandemia. Após anos transferindo a produção de calçados para fora da China, ela esperava fabricar 70% de sua produção no Vietnã em 2021. Mas naquele verão, o governo vietnamita impôs restrições severas pela covid-19.
A Crocs foi forçada a mudar os pedidos para uma unidade na Bósnia e Herzegovina e para a Indonésia, onde abriu uma segunda fábrica. Agora fabrica cerca de metade de seus produtos no Vietnã – em 2020 chegou a 75%. A companhia também está trabalhando para estabelecer uma base na Índia.
“No geral, a diversificação é benéfica, sem muitas desvantagens”, diz a diretora financeira Anne Mehlman. Ela acrescenta que, dada a imprevisibilidade dos acontecimentos globais, ter uma base de produção diversificada ajuda.
Os produtos eletrônicos da Apple são mais complexos, mas a fabricante do iPhone também está espalhando sua produção. A companhia revelou que o número de fornecedores na Índia cresceu de sete em 2018 para 14 em 2022. O JP Morgan estima que a Índia estará produzindo um quarto de todos os iPhones até 2025.
Nos últimos quatro anos, seus fornecedores no Vietnã, que produz fones de ouvido e outros dispositivos, subiram de 14 para 25. A companhia ampliou os gastos com fornecedores europeus em mais de 50% desde 2018.
Os maiores fabricantes de calçados do mundo, que anos atrás dividiam a produção entre China, Vietnã e Indonésia, estão se ramificando ainda mais. Um gerente de uma fábrica no Vietnã diz que as principais marcas ocidentais de tênis que compram deles pediram que sua empresa se estabeleça em Bangladesh e na Índia.
A fabricante de calçados Pou Chen de Taiwan, que fornece para a Nike e a Adidas, abrirá unidade de produção de US$ 280 milhões no Estado indiano de Tamil Nadu, anunciou uma agência governamental indiana em abril. No início daquele mês, a agência disse ter cedido a outra fabricante terceirizada de calçados de Taiwan terreno de 536 mil metros quadrados para a construção de uma fábrica que deverá gerar 20 mil empregos.
Analistas afirmam que os juros altos e a economia mundial morosa forçarão empresas a desacelerar a diversificação ambiciosa, à medida que os diretores financeiros ficam mais cautelosos com despesas de novas fábricas. “O espírito deseja, mas a carne pode ser fraca em muitos casos”, diz Chris Rogers, da S&P Global Market Intelligence.
Nelson, da Lovesac, reconhece as dificuldades. A expansão pela Ásia envolveu ajustes para o impacto de diferentes graus de umidade na madeira que usa. Os trabalhadores foram treinados do zero.
O maior desafio na mudança para o oeste são as matérias-primas, como têxteis e pallets de plástico, segundo Nelson. Ele gostaria que suas fábricas norte-americanas comprassem componentes da região. Mas muitos tecidos que usa raramente são feitos no continente americano e, quando o são, tendem a ser até 100% mais caros.
Nelson se pergunta se ter fábricas em vários países asiáticos será o suficiente. “Não tenho certeza, e é por isso que não vamos parar”, diz sobre o esforço de diversificação da produção de sua empresa.
Fonte: Valor Econômico