Por Courtney Weaver e Andrew Edgecliffe-Johnson — Financial Times, em Washington e Nova York
06/04/2022 05h01 Atualizado 06/04/2022
Quando Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia dispararam suas sanções contra o sistema bancário russo, Egor Bondarov viu-se diante de um dilema. Dono de uma pequena empresa de impressão 3D, ele havia se mudado da Rússia aos EUA há dez anos, mas ainda empregava um projetista morando na Rússia. Sem poder pagar ao funcionário das maneiras usuais, por meio de uma conta bancária russa ou da Western Union, Bondarov recorreu às criptomoedas, transferindo moedas digitais a uma bolsa chinesa de criptoativos, que, então, eram transferidas à conta bancária dele na Rússia para pagar ao projetista. “Até agora, é a única maneira […] Não quero abandoná-lo. Ele tem um filho, uma família”, disse Bondarov, destacando que todos os outros empregadores estrangeiros do projetista haviam cancelado os contratos com ele.
Passados 30 dias das sanções sem precedentes aplicadas contra Moscou, tanto multinacionais quanto pequenas empresas ainda correm para se adaptar, inventando soluções criativas para manter o dinheiro fluindo para dentro e fora do país e lidando com escolhas difíceis de se fazer, como decidir por uma saída total da Rússia ou apenas pela suspensão dos negócios até as tensões geopolíticas esfriarem. As sanções em resposta à invasão da Ucrânia por Vladimir Putin extirparam a Rússia do sistema financeiro mundial, congelaram ativos russos no valor de centenas de bilhões de dólares e atingiram alguns dos maiores bancos do país, tornando muito complicado para as empresas ocidentais fazerem negócios no país e pagarem a seus funcionários.
Diante da crescente pressão em seus países natais, muitas multinacionais ocidentais, voluntariamente, suspenderam, restringiram ou fecharam suas operações na Rússia.
Visa e Mastercard deixaram de processar compras internacionais feitas por russos; Apple e Google suspenderam os pagamentos feitos a partir de aparelhos sem fio na Rússia; e McDonald’s e Starbucks fecharam seus pontos de venda no país.
A Yale School of Management, que vem acompanhando os números do êxodo, estima que mais de 450 empresas restringiram as atividades ou saíram do país. Elas vão desde a Accenture, que demitiu 2,3 mil funcionários na Rússia, à Johnson & Johnson, que anunciou a suspensão das vendas de produtos de cuidados pessoais, embora tenha mantido as de medicamentos. Por sua vez, a lista da Yale de empresas “entrincheirando-se” soma mais de 40 nomes, da Koch Industries à Korn Ferry. Elas têm atraído muitos holofotes, inclusive de autoridades ucranianas, que acusam algumas na lista de estarem ganhando “lucros sangrentos”.
Assessores dizem que a decisão de como responder tem sido mais dolorosa para algumas empresas do que outras. Empresas de ramos como os de hotelaria e de alimentos “sentem que têm uma responsabilidade por seus funcionários e clientes na Rússia”, disse Constantine Alexandrakis, executivo-chefe da Russell Reynolds. Uma pesquisa com lideranças empresariais feita pela firma caça-talentos concluiu mais de 65% das empresas com operações na Rússia não as fecharam.
“Uma coisa é se você está vendendo bolsas da Gucci”, disse outro assessor que trabalhou com multinacionais. “Eles já podem sentir os cartões de crédito sendo cancelados, de forma que as compras de alto padrão, de qualquer maneira, não iriam ocorrer”, acrescentou.
As empresas com grandes operações industriais na Rússia estão em posição bem mais difícil, depois da ameaça de Putin quanto a uma possível nacionalização das operações e dos ativos deixados para trás por empresas ocidentais.
Dale Buckner, executivo-chefe da firma de segurança Global Guardian, que evacuou mais de 2 mil funcionários de seus clientes para fora da Rússia, disse também estar realizando “missões de recuperação”, para resgatar equipamentos que os clientes temem ver caindo nas mãos do governo. Ele conta que trabalha com oito empresas da lista da Yale, muitas das quais também receiam pela segurança de seus ativos digitais, como dados de computadores servidores na Rússia, que poderiam deixá-las vulneráveis a ciberataques.
Algumas firmas ocidentais de serviços encontraram compradores para seus negócios na Rússia, como a de consultoria imobiliária Cushman & Wakefield, que anunciou um acordo do tipo na semana passada. Outras, contudo, deparam-se com obstáculos quando tentam arquitetar a venda para os próprios funcionários locais, porque muitos dos bancos russos que poderiam financiar esses negócios estão sob sanções ocidentais, enquanto muitas bancas de advocacia dos EUA e do Reino Unido não se sentem mais confortáveis em estruturar tais transações.
Embora a maioria das empresas tenha encontrado maneiras de continuar pagando aos funcionários russos mesmo diante das restrições ao envio de dinheiro a alguns dos maiores bancos da Rússia, muitas encontram dificuldade para tirar dinheiro e outros ativos do país.
Isso tudo deve deixar mais empresas diante de dilemas semelhantes aos de Bondarov e forçar algumas a abandonar completamente seus negócios na Rússia.
Demitir funcionários locais as exporá a novos riscos de reputação, segundo Steven Fox, fundador da firma de consultoria de risco político Veracity Worldwide. Ele acrescenta, no entanto, que “o público entende que há consequências e a causa maior é pela saída”.
Fonte: FT / Valor Econômico

