Companhias aproveitam debêntures baratas para quitar compromissos mais caros
PorRita Azevedo
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Em meio à queda das taxas de remuneração das debêntures, as companhias brasileiras têm planejado ofertas visando o pagamento de dívidas e a recompra de emissões anteriores. Cerca de 40% das emissões de debêntures registradas em março tiveram como objetivo a gestão do passivo, conforme levantamento feito pelo Valor a partir de informações enviadas à Comissão de Valores Mobiliários.
O cenário atual é propício para esse tipo de operação, segundo Getúlio Lobo, chefe de distribuição de renda fixa do banco de investimento da XP. Com as taxas mais baixas e o aumento do interesse dos investidores, as empresas estão olhando mais para o passivo, “procurando o que dá para melhorar, para alongar ou trocar por outra dívida”, diz.
A expectativa, segundo Lobo, é que daqui para frente apareçam ofertas de títulos com prazos mais longos para a recompra de dívidas mais curtas, além de operações “casadas”, nas quais são negociadas com investidores, por exemplo, a entrega de uma debênture nova em troca de um papel mais antigo.
Essa possibilidade de troca de dívidas, porém, não é para todas as empresas. Companhias com risco de crédito mais alto dificilmente poderão fazer isso porque os investidores não vão querer sair de um papel caro para um barato apenas para alongar a dívida da empresa, diz Matheus Licarião, responsável pela área de mercado de capitais do Santander.
“No entanto, para empresas com boa qualidade de crédito, as gestoras vão ter que colocar recursos nos papéis, mesmo sendo o mesmo ativo a um preço mais baixo”, afirma. “As principais assets estão em um momento de grande liquidez e, por isso, olhando o mercado para fazer novas alocações.”
O aumento do prazo das emissões visto nos últimos meses contribui para que mais companhias busquem ofertas para a gestão do passivo. “Começamos a ver operações de dez anos, de sete anos, até mesmo em títulos que não são incentivados. Com essa possibilidade de financiamento por um tempo mais longo para empresas que são mais previsíveis, é esperado que as companhias topem pagar um pouco mais para alongar o prazo da dívida”, diz Felipe Wilberg, diretor de renda fixa e produtos estruturados do Itaú BBA.
De 72 ofertas registradas no último mês, 28 tinham como destino dos recursos o refinanciamento ou a quitação de dívidas. São exemplos as operações da Tecban, conhecida pela rede de caixas eletrônicos Banco24Horas, e da construtora MRV.
Desse total, 11 ofertas tiveram como objetivo específico o pagamento antecipado de outras emissões de debêntures. Entre elas, estão as ofertas da distribuidora de energia Equatorial Goiás, da fabricante de peças automotivas Iochpe Maxion e da farmacêutica Eurofarma.
O atual interesse das empresas por emissões visando a recompra de debêntures antigas também está relacionado à crise vivida pelo mercado de crédito privado no início de 2023, após a fraude contábil da Americanas vir à tona.
Com a piora da percepção do risco, as taxas dos títulos de dívida subiram principalmente durante o primeiro semestre do ano passado. A necessidade de crédito das companhias, no entanto, não mudou e muitas delas tiveram que captar recursos – no mercado de capitais ou diretamente com bancos – pagando mais caro por isso.
“Vemos sempre um fluxo de refinanciamento de dívidas, mas neste ano há um movimento mais forte. Isso porque muitas companhias ficaram preocupadas em 2023 com a liquidez e fizeram captações com custo acima do habitual e prazos mais curtos. Elas buscaram recompor o caixa, já que não sabiam quanto tempo a situação ia durar. Agora, com o mercado superaquecido, elas estão aproveitando pra fazer o ‘liability management’ [gestão de passivos]”, diz Enrico Castro, responsável pela atividade de mercado de capitais local no BNP Paribas Brasil.
O mercado de debêntures vive um rali em meio à perspectiva de queda da Selic e após uma série de eventos que impulsionaram a demanda. O primeiro foi a mudança na tributação dos fundos exclusivos ou restritos a poucos investidores, que elevou a procura por títulos de dívida corporativa.
Depois disso, em fevereiro, foram anunciadas novas regras para ofertas de títulos como certificados de recebíveis imobiliários e do agronegócio (CRI e CRA), que são isentos de imposto de renda para investidores pessoa física. Essas mudanças impulsionaram principalmente o mercado de debêntures incentivadas, títulos emitidos por empresas ligadas à infraestrutura e que também são isentas.
A queda dos níveis das taxas de remuneração dos títulos não deve durar indefinidamente. Enquanto isso não muda, a lista de futuras ofertas continua crescendo, principalmente dos títulos incentivados. “Vemos um pipeline robusto de emissões de debêntures incentivadas, considerando os spreads atuais que estão no nível mais competitivo em pelo menos cinco anos”, afirma Castro. Mais recente Próxima Oferta global de ações encolhe no maior ritmo em duas décadas
Fonte: Valor Econômico