Depois de um longo período de crescimento das emissões de dívida em moeda estrangeira, as companhias da América Latina passaram a voltar seus esforços para operações nos mercados de dívidas locais. A mudança reflete o aumento da volatilidade nos Estados Unidos e os altos níveis das taxas de juros globais. Esse movimento, iniciado em 2022, deve se repetir pelo menos até o fim de 2024, segundo a agência de classificação de risco Moody’s.
A expectativa é que as empresas latino-americanas encontrem um pouco mais de dificuldade no mercado americano, já que terão de pagar uma remuneração maior e emitir títulos com prazos menores. Localmente, porém, as perspectivas são mais positivas, considerando o desenvolvimento dos mercados de títulos de dívida corporativa.
“Embora as emissões fora dos mercados locais tenham diminuído consideravelmente nos últimos anos, devido a condições de financiamento menos favoráveis, os mercados domésticos têm apresentado abundante liquidez para atender à demanda por emissões de dívida de empresas e instituições financeiras da região”, afirma Valeria Azconegui, diretora de rating de crédito da Moody’s Local em entrevista ao Valor.
Para Azconegui, o crescimento desses mercados está relacionado a fatores como o aumento do número de investidores institucionais, como fundos de pensão. Considerando toda a região, o volume de recursos administrados por fundações passou de US$ 415 bilhões em 2008 para US$ 1,07 trilhão em 2022, diz.
Os mercados domésticos têm apresentado abundante liquidez para atender à demanda”
No período de 2015 a 2021, as emissões de dívidas de empresas latinas fora de seus países superaram em 17% as captações feitas localmente. Desde o início do ano passado, porém, o volume total de ofertas nos mercados locais foi seis vezes maior que fora deles, segundo dados da Moody’s.
Com exceção do Peru, todos os países da América Latina apresentaram aumento dos níveis de emissão de dívidas locais a partir de 2022, em comparação à média histórica, segundo estudo de Azconegui e de Eduardo Montes de Oca, diretor da Moody’s. Só no ano passado, as companhias da região conseguiram levantar localmente US$ 83,6 bilhões com títulos de dívida.
O Brasil foi responsável por 60% desse volume, seguido por Chile, com 22%, e México, com 12%. Considerando os primeiros oito meses deste ano até agosto, as operações na região somaram US$ 20,7 bilhões, sendo o Brasil responsável por quase metade.
O México também tem se destacado nas emissões, segundo Azconegui, devido à evolução do número de investidores institucionais por lá. “Vemos uma tendência de crescimento dos fundos de pensão mexicanos, o que deve continuar nos próximos com o aumento da contribuição obrigatória para aposentadoria no país, que deve elevar o volume de recursos investidos.”
De forma geral, o desenvolvimento dos mercados de crédito na América Latina é explicado tanto pelo aumento do número de operações quanto pelo tíquete médio das ofertas, que cresceu 28%, em média, em 2022 e 2023, segundo dados da agência de risco. Os mercados brasileiro e mexicano são os que registram os maior volumes de captação por operação, enquanto Peru e Argentina apresentam os menores.
Já nas operações de dívida em moeda estrangeira, o tamanho das operações não mudou muito nos últimos anos. “Isso sugere que a profundidade e a liquidez dos mercados locais estão melhorando de forma considerável e que os emissores estão preferindo cada vez mais emitir maiores volumes localmente do que depender dos mercados internacionais”, diz um trecho do estudo dos analistas.
Tradicionalmente, um dos motivos que levam companhias a buscar emissões em dólar é a capacidade de captar um grande volume de recursos com prazos mais largos. Essa diferença de prazos das operações nos mercados latino-americanos e em outros como o americano têm diminuído. Em 2015, o vencimento médio das operações em moeda estrangeira era de 11,5 anos, enquanto nas dívidas locais era de 4,2 anos. Agora, em 2023, o vencimento médio nos mercados locais passou a 5,6 anos, enquanto fora ficou em 8,3 anos.
Fonte: Valor Econômico

