O teste positivo para o interesse dos investidores por emissões de dívida externa de longo prazo de empresas brasileiras selou as expectativas de que o ano será de retomada no mercado de “bonds”. Com um volume captado de US$ 8,8 bilhões do início de janeiro até agora, as estimativas mais conservadoras dos bancos são de que os volumes devem somar, ao menos, US$ 20 bilhões em 2024, o que já representaria um aumento de cerca de 30% em relação ao ano passado.
Na emissão mais recente, da Raízen Energia, o maior otimismo veio de alguns marcos observados na operação. O primeiro foi a emissão de uma tranche com um prazo de 30 anos, o que não ocorria há dois anos, muito por conta do cenário de alta de juros nos Estados Unidos. Para essa fatia da emissão, a demanda chegou a 7,7 vezes o valor ofertado, alta procura que também chamou atenção do mercado.
Outro marco positivo foi o fato de um número grande de investidores desembolsarem valores mais altos pelo papel. O Valor apurou que 15 compradores colocaram ordens de US$ 100 milhões para cima. No total. a companhia captou US$ 1,5 bilhão com duas séries. A taxa ficou em 2,2% para o prazo de 10 anos e de 2,65% na de 30 anos.
“Foi um teste para o prazo de 30 anos. É um apetite para risco e uma aposta de longo prazo”, afirma o responsável pelo banco de investimento do Bradesco BBI, Felipe Thut.
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No ano até aqui, além da Raízen, foram feitas outras sete emissões de bônus brasileiros. A maior delas foi do Tesouro, de US$ 4,5 bilhões. Na lista também aparecem companhias acostumadas a emitir lá fora, como Cosan, Azul, CSN e FS, e novatas como Ambipar e 3R Petroleum. Três das oito operações envolveram títulos rotulados como “verdes”.
A próxima “janela” para emissões no mercado externo deve ficar mais forte a partir de meados de março, segundo bancos que acompanham as operações. Pelo menos três companhias se preparam para emitir papéis após a temporada de divulgação dos resultados do último trimestre de 2023. As próximas captações devem vir de emissores frequentes de bonds, ou seja, já conhecidos dos investidores. Com isso, há uma expectativa de que a confirmação das transações ajude a engordar o volume de operações neste ano.
O que pode, talvez, fazer alguma companhia adiar os planos é a situação do mercado interno de dívida, segundo Samy Podlubny, chefe da área de dívida do UBS BB. O mercado local teve uma redução de taxas muito expressivo neste ano, “talvez além da lógica em alguns casos”, diz ele, e isso entra na conta dos emissores. “Para quem a decisão é só uma questão de cálculo de qual mercado vai ser mais barato, o local pode ser mais competitivo. Mas há casos em que o mercado doméstico não consegue, por exemplo, atender o volume que a empresa precisa.”
O mercado lá fora, afirma o executivo, permanece aberto para empresas brasileiras. “Houve um ajuste nas expectativas em relação ao comportamento do Fed [Federal Reserve, o banco central americano] quanto ao corte de juros [nos EUA], mas não houve nenhuma mudança material a ponto de tirar o interesse dos emissores na próxima janela”, diz Podlubny.
O mercado de dívida externa vem em ritmo positivo desde o início do ano, revertendo um cenário fraco visto em 2023. “Estou bastante otimista. O investidor está mais confortável com a perspectiva de juros, principalmente nos Estados Unidos. E as emissões que estão saindo estão performando bem, o que vem ajudando os investidores a tomarem mais risco para fazer a próxima emissão” afirma o responsável pela área de renda fixa do Morgan Stanley no Brasil, Gustavo Siqueira.
A leitura do executivo é que o mercado está aberto para captações e sugere que emissores aproveitem a atual janela, visto que existe pouca visibilidade para o segundo semestre do ano, quando a volatilidade pode aumentar com a proximidade das eleições presidenciais americanas.
Foi um teste para o prazo de 30 anos. É um apetite para risco, e uma aposta de longo prazo”
O executivo do Morgan diz ainda que tem recebido consultas sobre títulos com prazo de 30 anos, embora essa ainda seja uma possibilidade ainda restrita a poucos emissores brasileiros. De qualquer forma, ressalta, é uma alternativa que se abriu para as companhias.
Do lado da demanda, Podlubny, do UBS BB, acredita que há apetite lá fora por papéis com esse perfil. “São investidores que querem travar um cupom alto por um período mais longo”, diz.
Existe um ponto de cautela para as emissões mais longas, destaca o executivo do Morgan Stanley. Muitas empresas olham com interesse, mas questionam se vale a pena lançar um papel de 30 anos num momento em que os juros estão altos. Ele lembra, contudo, que há mecanismos de mercado que ajudam a mitigar esse problema e que podem ser utilizados pelas empresas.
Outro ponto que tem sido monitorado pelos bancos é o fato de a entrada de recursos em fundos que investem em ativos de emergentes ter diminuído nas últimas semanas. O estoque segue sendo positivo, diz o executivo de um banco, mas ingressos volumosos de dinheiro novo não têm sido vistas. “Isso preocupa, claro, mas não acho que no cenário atual os emissores dependam de inflows (entrada de recursos) importantes para a operação dar certo”, afirma.
Fonte: Valor Econômico

