Por Sérgio Tauhata, Valor — São Paulo
07/11/2023 11h20 Atualizado há 21 horas
O processo de desinflação global enfrenta vários desafios que não são, necessariamente, tão óbvios, avaliou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, durante o Fórum de Investimento 2024, promovido pela Bradesco Asset e pelo Bradesco Global Private. “A desinflação global tem sido atribuída a vários fatores, mas começamos a ver que existem desafios para essas forças que estavam empurrando essa desinflação global”, disse.
Conforme o dirigente, o resultado é que “provavelmente as taxas de juros internacionais podem ficar altas por mais tempo”. Nesse contexto, Campos Neto desenhou um cenário possível de um “estrangulamento na liquidez global”, nos próximos trimestres.
Na visão do presidente do BC, o custo de financiamento mais elevado e a demanda fiscal em alta tende a retirar liquidez do sistema financeiro. “Isso significa [um futuro] estrangulamento de liquidez para o crédito privado e o mundo emergente”, avaliou.
“Os riscos de processos desinflacionários às vezes não parecem tão óbvios como são contados”, disse. “Uma tese fala que ter taxa de juros alta por muito tempo vai gerar um enxugamento via crédito. Uma segunda tese é que, com juros altos, como o patrimônio das famílias está muito ligado aos ativos imobiliários, isso impactaria o balanço das pessoas, que passariam a consumir menos. Outra tese fala da queda de preços de commodities mais rápida com desaceleração da China.”
Campos Neto, porém, citou haver forças contrárias ao processo de desinflação. “O processo de transição verde está adicionando custo de produção para as empresas. E o ‘nearshoring’ também está adicionando custo às companhias. No caso do petróleo, vemos os conflitos internacionais, que podem aumentar a volatilidade dos preços de energia.”
Segundo o presidente do BC, o comportamento do mercado de trabalho globalmente mostra também que “dali não vai vir um processo de desinflação”. Conforme o dirigente, “com raras exceções, estamos vendo níveis de emprego mais forte do que antes da pandemia em quase todos os países”.
Campos Neto citou ainda uma tese na qual, durante a pandemia, houve transferência de renda para as pessoas, devido aos programas de auxílio dos governos, e, com isso, a poupança acumulada no período gerou um aumento de consumo. No entanto, esses recursos teriam acabado, o que tenderia a gerar contração de consumo. “Mas o que a gente vê é que, em grande parte do mundo, a poupança está caindo, mas ainda está bem acima do nível de antes da pandemia. Também não parece que vai vir daí uma tendência de desinflação.”
O chefe do BC também mencionou a tese defendida por alguns especialistas sobre o fato de no período de taxas baixas os mais velhos terem acumulado riqueza e agora estarem transferindo patrimônio intergerações. “No entanto, grande parte do consumo, na verdade, está sendo gerada pelos mais velhos, que acumularam riqueza e estão agora numa fase de consumo. Os estudos mostram que o aumento da participação no consumo da população acima dos 70 anos tem acelerado. isso mostra que o envelhecimento da população global traz um desafio [para a desinflação].”
Campos Neto afirmou ver nos efeitos das mudanças climáticas outro elemento que dificulta o processo de queda de preços global. “O aumento de frequência e impacto de desastres naturais adiciona volatilidade no preço de alimentos, isso gera incerteza adicional”, disse.
O presidente do BC lembrou ainda haver argumentos de que a desaceleração do crescimento da China poderia levar a uma queda de preços de commodities. “O crescimento chinês está bastante abaixo do período pré-pandemia. O setor imobiliário está trazendo a China para baixo. A riqueza das famílias lá está 72% concentrada em imóveis. Mas podemos ver que, mesmo com a crise no setor e um nível de crédito destinado à construção civil ter quase zerado, há ainda uma queda pequena dos preços de imóveis. Isso significa que a pressão contra o crescimento para a China ainda permanece. Apesar disso, não temos visto uma pressão tão grande os preços de commodities. Vamos saber nos próximos meses como isso vai impactar o Brasil. Talvez não afete tanto os alimentos.”
Impacto nos emergentes
O mundo emergente tem de se preparar para uma forte redução de liquidez global no próximo ano e meio, afirmou o presidente do BC. “No próximo ano e meio, vai ter um estrangulamento da liquidez para os emergentes”, disse.
Segundo Campos Neto, esse aperto das condições financeiras tende a ser desencadeado pelo crescimento das dívidas e do custo de rolagem dessas obrigações nos países desenvolvidos, principalmente no caso dos EUA. “Quando olhamos a decomposição da taxa de dez anos nos EUA, conseguimos ver que o prêmio de risco subiu muito”, avaliou. “Tem um debate que está nascendo sobre o quanto é um prêmio de risco pelo fiscal [americano]”, acrescentou.
Conforme o chefe do BC, “o mundo desenvolvido gastou 20% do PIB na pandemia, quase o dobro da média dos emergentes, que desembolsaram 10% e bem acima dos países ‘low income’, que gastaram 4%”. Houve, segundo Campos Neto, aumento de 20 pontos percentuais no endividamento nas economias avançadas.
O problema é que a demanda fiscal tende a se manter elevada ou até acelerar. “Vemos o balanço de demandas de recursos [nos EUA] enviesado. Há demanda crescente por recursos. Vemos curva [ascendente] de gastos por adaptação climática, com transição energética, há subsídios e incentivos para políticas industriais. Os EUA representam a soma de quase todo o resto do mundo [em demandas fiscais], com vários programas, sem limites de gastos. Ou seja, existe um fiscal americano bem frouxo, mesmo depois de uma gasto grande na pandemia.”
Campos Neto explicou ainda que a rolagem da dívida pública americana vai custar quase nove vezes mais mensalmente [comparado ao período antes do ciclo de alta das taxas], devido ao crescimento do endividamento e a alta de juros.
“Quando a gente faz a análise de onde vem o dinheiro [nos mercados globais] e onde é gasto, vemos que um terço da liquidez mundial será usada para rolar dividas de países desenvolvidos. Isso acelera em 2024 e significa que vai falta liquidez.”
Na avaliação de Campos Neto, “primeiro aparecem as rachaduras no crédito privado, depois o aperto começa a ser sentido pelos emergentes”. Para o chefe do BC, “começamos a ver que tem um desafio grande pela frente”.
Fonte: Valor Econômico

