Por Maria Cristina Fernandes, Valor — São Paulo
22/03/2023 17h05 Atualizado há 16 horas
A resistência do Brasil à “Belt&Road” (Cinturão&Rota), como ficou conhecida a iniciativa chinesa de investimentos globais em infraestrutura, pode cair na viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à China que se inicia nessa sexta-feira (24). “Não tem razão para o Brasil não entrar”, disse ao Valor o embaixador Celso Amorim, chefe da Assessoria Especial da Presidência da República.
A adesão do Brasil tem sido tentada pela China desde 2013, quando a iniciativa foi lançada, mas a diplomacia brasileira mantinha resistências por temer atrelamento. De lá para cá, porém, a “Belt&Road” avançou para toda a América do Sul. Apenas Brasil e Colômbia não aderiram ainda. O Paraguai não entra na lista porque não mantém relações diplomáticas com a China. Na União Europeia, a iniciativa já conquistou a adesão de Portugal, Grécia e Itália. Nem todos receberam os investimentos esperados.
“Não tenho preconceito e não vejo nenhum dano político”, disse Amorim. O embaixador não vê, numa eventual adesão, uma opção preferencial pela China relativamente aos Estados Unidos. A adesão, proposta pela China nos pontos preliminares do comunicado conjunto que as equipes diplomáticas dos dois países têm discutido desde a posse de Lula, ainda depende de muitos acertos, como a parceria com empresas brasileiras nos investimentos anunciados.
O avanço da proposta, porém, é visto por setores no Itamaraty como resultante do pragmatismo de uma política externa alinhavada não apenas à volta do Brasil aos fóruns mundiais da diplomacia, mas à retomada do crescimento nacional. Na visão de diplomatas envolvidos com a visita, se o enviado especial dos Estados Unidos para o Clima, John Kerry, vem ao Brasil e não consegue acenar para além de US$ 50 milhões para o Fundo Amazônia, os americanos não podem se queixar da aproximação brasileira de uma iniciativa que se anuncia como alavanca da infraestrutura nacional.
A negociação com o “Belt&Road” reforçaria ainda a posição brasileira na presidência do banco dos Brics, a ser assumida pela ex-presidente Dilma Rousseff, que integrará a comitiva brasileira. Um eventual ingresso do Brasil na iniciativa chinesa, na visão do Itamaraty, não prejudicará o acordo do Mercosul com a União Europeia, visto que quase toda a América do Sul integra o “Belt&Road”, e três países do bloco europeu também o fazem.
Desde 2009, quando a China ultrapassou os Estados Unidos como principal parceiro comercial do Brasil, o fluxo comercial entre os dois países quadruplicou. As exportações brasileiras para aquele país são superiores à soma daquelas registradas com os Estados Unidos e a União Europeia. Na área energética, em 15 anos, os investimentos saíram de zero para US$ 70 bilhões.
Carros elétricos e aviões
A visita ainda deve concretizar a vinda para o Brasil da fábrica chinesa de carros elétricos, BYD. A indústria vai se instalar nos galpões onde já funcionou, na Bahia, a fábrica da Ford. A fábrica chinesa gozará dos benefícios fiscais já concedidos à indústria americana. A expectativa, porém, é que a linha não seja 100% de carros elétricos, visto que o Brasil não tem uma rede nacional de abastecimento. A avaliação é de que uma boa parte da produção seja dedicada a carros híbridos.
E, finalmente, a visita da comitiva brasileira à China também deve concretizar a venda de 20 aviões E-190, da Embraer, para a aviação regional chinesa. A oficialização do contrato ainda depende da autorização do órgão regulador chinês.
A visita de Lula será o primeiro encontro com um chefe estrangeiro do presidente chinês, Xi Jinping, depois de sua ida a Moscou. Celso Amorim vê a visita de Xi Jinping na direção da busca pela paz apregoada pelo Brasil. “A China teria que ter um papel importante nesta negociação. Se Xi fosse aos EUA e à Ucrânia também seria muito positivo”, diz.
Na viagem de volta, Lula vai parar nos Emirados Árabes, onde se espera ainda que sejam anunciados recursos para o desenvolvimento de tecnologia baseada no hidrogênio verde, maior aposta da nova fronteira das energias renováveis.
Fonte: Valor Econômico

