Por Gabriel Roca, Victor Rezende e Alex Ribeiro, Valor — São Paulo
26/02/2023 18h48 Atualizado há 14 horas
Há argumentos técnicos e políticos para elevar as metas de inflação, segundo o ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central Tony Volpon. O profissional, que foi um dos defensores da redução gradual para o nível de 3%, crê atualmente que a decisão foi equivocada e há espaço para uma elevação das metas. Isso, no entanto, não quer dizer que alterá-las neste momento seja boa ideia.
Segundo Volpon, a economia brasileira sofre de uma volatilidade excessiva, à medida que as oscilações no câmbio são repassadas para os preços. Essa característica acaba sendo transmitida para a política monetária, provocando volatilidade também nas taxas de juros. Assim, há espaço para uma meta ligeiramente maior, com bandas também mais flexíveis.
Além disso, para ele, seria desejável que houvesse maior concordância entre os diferentes espectros políticos em torno do nível da meta de inflação, algo que, atualmente, não parece ocorrer no Brasil.
Mesmo assim, mudar as metas de inflação agora seria um erro, já que destruiria parte da credibilidade do Banco Central e do sistema de metas, transmitindo a ideia de que a alteração visa apenas evitar os esforços de desinflação na economia. “Para fazer isso de uma maneira ordenada, precisa ficar claro que estamos num processo de desinflação e que o Banco Central vai poder cortar juros de uma maneira responsável”, afirma.
Valor: Como o sr. avalia as críticas do governo ao BC?
Tony Volpon: É normal a classe política criticar o BC em períodos de aperto. Já aconteceu no Brasil e acontece em outros países com tradições mais sólidas que as nossas, como os EUA. Se você quer ser um cara popular, não vá trabalhar no BC. E seja qual for o cálculo político do Lula de fazer essas críticas, faz parte do trabalho o BC ficar quieto no seu canto.
Valor: As críticas são justas?
Volpon: Não deveria assustar tanto as pessoas e o mercado um presidente, quando a economia está desacelerando, pedir para o BC cortar juros. Algumas coisas são verdade. O Brasil tem a maior taxa de juros do mundo, a inflação também desacelerou bastante — a gente pode discutir o quanto isso é temporário — mas, do ponto de vista de alguém que não é especialista na área e não está olhando todos os detalhes, acho quase natural o presidente criticar.
Valor: O sr. acredita que as metas de inflação vão mudar?
Volpon: Eventualmente sim. É aquela história: você está infeliz com a meta? Chama uma reunião do Conselho [Monetário Nacional]. Em tese o governo tem maioria, porque são ministros e ministros obedecem ao presidente. Ou você obedece ou pede demissão. Fica aquele debate sobre se a Simone [Tebet, ministra do Planejamento] votaria a favor ou contra. Ela vota conforme o presidente manda ou pede demissão. Em tese, ele pode mudar a meta hoje. Por isso o BC colocou tanto no comunicado como na ata algo que todo mundo sabe: que a meta é definida pelo CMN. Como quem diz: não é comigo. Eu só tenho autonomia sobre o instrumento, não sobre a meta. A meta é de vocês. Está infeliz com a meta? Mude-a.
Valor: O que o sr. acha da mudança da meta?
Volpon: Acho que tem um argumento técnico para mudar a meta do Brasil. Eu sempre apoiei a queda da meta e acho que estava errado. Fiz um mea culpa.
Valor: Por quê?
Volpon: São dois argumentos. Um é técnico e o outro é político. A gente tem um nível de volatilidade nominal na economia brasileira muito alto. Você tem um câmbio muito volátil, que sofre muitas influências endógenas pela estrutura do nosso mercado e exógenas pela exposição externa brasileira, pelo fato do Brasil ter uma conta de capital muito aberta. E essa volatilidade acaba passando rapidamente para os preços. Temos uma inflação muito volátil. É difícil tentar trabalhar com inflação muito baixa e com bandas relativamente pequenas. Gera um problema.
Valor: Há um nível ideal?
Volpon: Precisa ser objeto de estudo. Ver o nível de volatilidade da inflação e tentar calcular a meta que geraria menos volatilidade na taxa de juros. Porque quando você tem uma volatilidade nominal muito grande e metas muito estreitas, você simplesmente está passando essa volatilidade para a política monetária. Os juros vão ter que subir muito e cair muito. E isso é muito ruim.
Valor: E o argumento político?
Volpon: Paul Tucker, que foi membro do BoE (banco central da Inglaterra), tem escrito bastante sobre isso. Ele tem um livro grande sobre a questão das autarquias independentes. Ele discute a tendência observada em vários países de delegar a instituições não democráticas decisões que, em tese, poderiam ser feitas dentro do processo político. Um argumento que ele traz é o seguinte: esse tipo de decisão só deveria ser feita e parametrizada se houver grande consenso entre todos os campos políticos que ela deveria ser de uma determinada maneira.
Valor: Como assim?
Volpon: Nos EUA, frequentemente alguém ataca o Powell [Jerome Powell, presidente do Federal Reserve]. Hoje, a esquerda do partido democrata está furiosa porque ele está subindo os juros. Agora, ninguém questiona a autonomia do Fed. Lá existe esse consenso que o Fed deve ser independente. A reclamação sobre o que o Fed está fazendo — ou de quem está no comando da instituição — existe, mas outros fatores não são questionados. Aqui não. A esquerda não acredita em uma meta tão baixa. Pensando na autonomia, depende do ator político. Atualmente, o presidente está se colocando contra e todo mundo meio que vai atrás da posição dele, apesar que eu acho que muita gente mais sensata acha que a independência faz sentido. Acredito que, se for para preservar a arquitetura da instituição como um todo, é melhor mexer na meta. Subir a meta de 3% para 4% não seria o fim do mundo.
Valor: A mudança não poderia gerar problemas adicionais de expectativas?
Volpon: Ter colocado a meta em 3% foi um erro, mas isso não quer dizer que é certo mudá-la agora. Eu tenho argumentado isso há algum tempo. É preciso estudar primeiro. Também foi um erro a meta ter caído sem ninguém estudar o tema com profundidade. A única justificativa dada foi que a Colômbia e o México tinham as mesmas metas. Mas são economias totalmente diferentes, com mercados financeiros totalmente diferentes.
Valor: Há um momento mais adequado para propor eventuais mudanças?
Volpon: Se é para fazer alguma coisa, que isso seja feito quando o processo de desinflação já está plenamente em curso. Para não ficar aquela ideia de que simplesmente vamos mexer na meta para não ter que fazer o trabalho de desinflacionar a economia. Isso é uma quebra de termômetro e seria ruim para o país, porque fica aquele papo de quem fez uma vez, pode fazer de novo. Neste caminho, chegamos na Argentina ou na Turquia. Então, para fazer isso de uma maneira ordenada, precisa ficar claro que estamos num processo de desinflação claro e que o BC vai poder cortar juros de uma maneira responsável. Aí eu posso discutir qual será a nova meta e minimizar os danos relacionados à discussão.
Valor: É provável uma mudança na autonomia do BC?
Volpon: Assim como uma destituição do Roberto Campos Neto, isso teria que passar pelo Congresso. Então eu acho que é muito difícil. Acho que o mercado reagiria fortemente, o que iria causar uma reação na classe política. E a gente sabe que as maiorias que o governo tem no Congresso não são robustas.
Valor: Qual é o cálculo político que Lula faz ao criticar o BC?
Volpon: Primeiro, eu acho que é difícil dizer qual modelo de política monetária ele tem na cabeça dele. Ele pode achar que dá para baixar os juros na marra e que isso não vai gerar efeitos na inflação. Então pode ter um problema de modelo, de que ele vê o mundo de uma maneira diferente da que eu vejo. E tem gente no entorno dele, especialmente os heterodoxos, que ficam cantando essas bolas. E tem também o cálculo político, de ele saber que vai ter um crescimento baixo esse ano e precisar de alguém para botar a culpa. Precisa de um saco de pancadas.
Valor: O pacote do Haddad pode ajudar o trabalho do BC?
Volpon: De uma certa maneira, também os membros do Copom já fizeram um pré-julgamento do pacote, avaliando-o como significativo [na ata]. Caso contrário, não teriam escrito aquilo. A dúvida é na entrega. A gente sabe que ninguém consegue passar 100% do que está propondo. Agora, se vai passar 20% ou 80% do proposto, faz diferença.
Valor: Há riscos adicionais para essa disputa?
Volpon: Precisamos acompanhar qual vai ser o tamanho da desaceleração da economia brasileira. Se ela desacelerar muito, mas as expectativas de inflação ainda estiverem elevadas por uma eventual demora da entrega das reformas, acho que o BC vai ter uma pressão muito maior do ponto de vista das críticas.
Fonte: Valor Econômico

