A combinação de elementos externos e domésticos colocam em xeque o ritmo de expansão da política monetária, o que pode frustrar expectativa de maior investimento e atividade econômica, alerta o Boletim Macro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
O boletim ressalta que mudanças na meta fiscal aqui e variáveis como atividade forte e inflação resiliente nos Estados Unidos pressionam o ciclo de queda dos juros. Somam-se a isso conflitos no Oriente Médio, que podem contribuir para uma inflação mais persistente no Brasil, levantando dúvidas sobre a possibilidade de uma taxa Selic de um dígito até o fim do ano.
Por outro lado, dados recentes sobre atividade, como varejo e indústria, levaram o FGV Ibre a revisar projeções de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre de 0,5% para 0,6%, ante o quarto trimestre de 2023. A projeção de crescimento do primeiro trimestre na comparação com o mesmo período do ano passado passou de 2% para 2,1%.
Em sua edição de abril, o boletim afirma que acontecimentos internacionais e doméstico recentes têm contribuído para a piora do cenário econômico, intensificando a desvalorização cambial e pressionando a taxa de juros de mercado.
O FGV Ibre trabalhava com uma Selic de 9,5% no fim do ano até o mês passado. Hoje, a expectativa é que a taxa básica de juros fique em torno de 10% no fim de 2024.
“São vários os elementos capazes de influenciar o ritmo e a extensão do ciclo de baixa de juros no Brasil. Com a piora no ambiente internacional e as mudanças nos principais parâmetros do arcabouço fiscal, aprovado no ano passado, tudo indica que o ciclo de queda estará se encerrando em breve”, diz o texto.
Para Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro, se o cenário internacional estivesse um pouco mais amistoso, os desafios internos pesariam menos. “É difícil separar qual a magnitude de efeitos do âmbito doméstico ou do externo [sobre a economia]. Um acaba potencializando os efeitos do outro. Se houvesse um cenário internacional muito favorável, talvez houvesse espaço para maior leniência em questões domésticas”, afirma.
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‘Podiam ter esperado mais para jogar a toalha’ em relação à meta fiscal, diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro — Foto: Leo Pinheiro/Valor
Matos argumenta que nenhum agente de mercado acreditava em superávit no ano que vem. Mas a mudança da meta fiscal para os próximos anos, feita na segunda-feira com o encaminhamento do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) ao Congresso, chega em um péssimo momento.
No anúncio do PLDO 2025, a equipe econômica jogou o equilíbrio primário para 2025 e projetou superávit de 0,25% do PIB em 2026, 0,5% em 2027 e 1% de superávit em 2028, dois anos depois do previsto inicialmente.
“Podiam ter esperado mais para jogar a toalha. Antecipar essa revisão da meta neste momento é muito ruim por conta do cenário internacional. Poderia ser mais positivo se a inflação estivesse cedendo nos EUA, mas isso não se mostrou. O que vemos é mais atividade e preços resilientes”, diz.
A mudança no arcabouço fiscal menos de um ano depois de aprovado contribui para o cenário pessimista em relação à economia brasileira, afirma a economista.
“Seria muito importante terem feito todo o esforço possível e, no fim, dizerem que não conseguiram atingir a meta”, diz Matos. “Quando se muda para uma meta menos ambiciosa, também se reduz o esforço para se chegar lá.”
Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal e o Núcleo de Política Econômica, alerta na seção sobre política fiscal do boletim que a mudança arranha o arcabouço fiscal e sugere que ele pode ser rediscutido diante de dificuldades orçamentárias.
No cenário internacional, alerta o texto, o fator mais relevante no curto prazo é a perspectiva para o início de cortes de juros nos EUA.
“Os números de inflação referentes ao mês de março voltaram a superar as expectativas dos analistas pelo terceiro mês consecutivo, com destaque para a elevada inflação de serviços, indicando um processo inflacionário mais persistente do que o Fed e o mercado pareciam enxergar”, diz o texto.
“Mesmo esperando uma desaceleração da inflação à frente, como a atividade está resiliente e os salários ainda pressionados, o Fed deve esperar ainda mais para dar início do processo de flexibilização da taxa de juros.”
Além disso, o boletim avalia que a intensificação dos riscos geopolíticos no Oriente Médio tende a elevar a aversão ao risco, o que contribui para reduzir a atratividade de ativos de emergentes, assim como o grau de liberdade desses países na condução de sua política econômica.
Essa escalada pressiona o preço do petróleo e aumenta a pressão para a Petrobras reajustar os preços dos combustíveis, elemento adicional de pressão inflacionária e obstrução ao corte de juros, diz o FGV Ibre, ao constatar que a combinação desses fatores penaliza o real em relação ao dólar, que na terça-feira chegou a R$ 5,29, maior patamar desde março de 2023.
O sinal mais animador que o boletim traz são dados recentes, que mostram atividade econômica resiliente e inflação de curto prazo mais benigna.
As medidas de núcleos voltaram a desacelerar na variação mensal, devido ao resultado da inflação de bens industriais. No acumulado em 12 meses, a inflação recuou de 4,5% em fevereiro para 3,9% em março, lembra o FGV Ibre.
“Mas ainda há motivos para alguma cautela, pois a inflação de serviços subjacentes subiu para 0,45% na margem, mantendo-se em 5,7% em 12 meses”, ressalta.
Na seção sobre atividade, o Boletim Macro lembra que, em fevereiro, a economia apresentou sinais mistos, com desaceleração no setor de serviços e crescimento melhor que o esperado no varejo. A indústria extrativa manteve bons resultados, e a indústria de transformação cresceu, impulsionada pela recuperação da produção de bens de capital.
O cenário benigno levou o FGV Ibre a revisar boa parte de suas estimativas no primeiro trimestre deste ano ante o quarto de 2023. Além da projeção de crescimento do PIB, que passou de 0,5% em março para 0,6% em abril, a de consumo das famílias foi de 0,8% para 0,9%, e a de investimento, de 4,7% para 5,2%. A de exportações passou de queda de 3,7% para alta de 0,6%, e a de importações, de alta de 3,2% para alta 4% no trimestre. Foram revistas para cima ainda projeções para a indústria de transformação, de 1,2% para 1,3%, e de serviços, de 0,4% para 0,5%.
Na parte sobre inflação, o boletim lembra que em março o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 0,16%, ante fevereiro, abaixo da expectativa de 0,25%. Mas abril deve ter aumentos de preço de itens in natura e medicamentos. O ajuste de preços de combustíveis também é esperado neste mês, quando o IPCA deve subir 0,59%, na comparação com março. Para 2024, a inflação projetada é de 3,9%.
Apesar do bom resultado da inflação recentemente, há preocupação com a inflação de serviços, alimentadas pela alta dos salários reais e da massa salarial, com as expectativas de inflação que permanecem desancoradas e “a propensão gastadora do governo”, segundo FGV Ibre.
Com isso, afirma José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV/Ibre, existe a possibilidade de a Selic não chegar a um dígito até o fim do ano.
“Na ata do Copom de março, os dirigentes do BC assinalaram que boa parte da desinflação já observada, em especial no que se refere aos serviços, pode ser explicada pelo ‘transbordamento’ da desinflação de alimentos e bens industriais. No entender deles, em um segundo estágio, ‘o fortalecimento do processo desinflacionário […] estará mais relacionado ao cenário do mercado de trabalho e da demanda agregada’”, afirma Senna, ao lembrar que índice cheio de inflação de março deixa claro o elevado grau de persistência do comportamento dos preços de itens mais nucleares da inflação.
Além de serviços subjacentes acumularem alta de 5,7%, bem acima da meta de 3,0%, o fato de a economia ter crescido acima de seu potencial torna pouco provável a convergência da inflação para a meta, mesmo diante de condições financeiras apertadas, escreve.
Ele alerta que a expansão fiscal tem se constituído uma das razões para a atividade permanecer aquecida, com reflexos importantes sobre o mercado de trabalho.
“A propensão gastadora do governo continua deixando especialmente incerto o futuro das contas públicas. Juros reais, juros prefixados e inflações implícitas em alta desde o início do ano deixam claras as preocupações do mercado com o futuro da inflação e dos juros no Brasil, preocupações que só aumentaram com o CPI de março nos EUA”, afirma Senna.
“Diante de tudo isso, o mercado já sinaliza a possibilidade de, no final de 2024, a Selic não chegar a um dígito. Difícil negar o realismo dessa nova visão do mercado.”
Fonte: Valor Econômico

