Por Larissa Garcia — De Brasília
09/10/2023 05h02 Atualizado há 5 horas
A chegada do El Niño ampliou discussões sobre a urgência climática e colocou no radar do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central a chance de que os efeitos sejam mais intensos na inflação de alimentos que o esperado caso o fenômeno se mostre “mais extremo”. Segundo a ata da última reunião, “alguns membros” enfatizaram essa possibilidade, mas a maioria optou por incorporar na projeção do colegiado um impacto “relativamente pequeno”.
“Ressaltou-se a incerteza com relação ao El Niño no que tange à sua magnitude, ao período em que o fenômeno teria maior impacto e aos impactos individuais sobre diferentes produtos alimentícios”, detalhou. O BC aprofundou a análise depois, no Relatório Trimestral de Inflação (RTI), publicado em setembro, e mostrou que o fenômeno afeta principalmente preços de commodities agropecuárias.
“Eventos climáticos e especificamente a chegada do El Niño têm ampliado as preocupações com a oferta global de grãos, como trigo, milho, arroz, soja, café, açúcar, entre outras, sobretudo em regiões da Ásia e Austrália, mas também com riscos para áreas da África e da América”, destacou o documento.
De acordo com o questionário pré-Copom, enviado a analistas do mercado financeiro antes da reunião do colegiado, os economistas não incorporaram efeitos do El Niño na expectativa de inflação deste ano, mas avaliam que há potencial de impacto de 0,20 ponto percentual. Já para 2024, eles incluíram 0,10 ponto e enxergam potencial de 0,58 ponto.
O El Niño é um evento transitório que aquece as águas do Oceano Pacífico na altura do Equador e, por consequência, provoca secas extremas em algumas regiões enquanto aumenta o volume de chuvas em outros. Com isso, há também distorções de temperatura em várias regiões. Em meio ao aquecimento global, há preocupações de que o fenômeno fique cada vez mais intenso.
“A gente ainda não pode classificar como super El Niño em função da região de referência para classificar o fenômeno, que ainda não se observa anomalia na temperatura [em relação a outros eventos], que é o nível do Equador. Em geral essa avaliação só vai poder ser feita a posteriori, já em 2024”, ressaltou Gustavo Pinheiro, coordenador de economia de baixo carbono do Instituto Clima e Sociedade.
O coordenador dos índices de preços do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), André Braz, ressaltou que é difícil prever os efeitos do fenômeno, mas que não há prejuízos para as safras de 2023. “É um evento muito difícil de se prever os estragos, já houve vezes em que a previsão era de um El Niño muito forte e, no fim, não causou muitos problemas e houve momentos em que ocorreu o contrário.”
Braz frisou, contudo, que desta vez os efeitos têm sido “incomuns”. “Em 2023 não teremos problemas, a não ser por perdas em lavouras curtas, que não têm tanto peso na inflação. Em 2024, caso se prolongue, como o fenômeno seca uma área e encharca a outra, trazer desafios para o Sul e para Nordeste pelos extremos [no clima]”, comentou.
Para ele, foi acertada a decisão do Copom de incorporar efeitos limitados do El Niño em sua projeção. “É uma parte do IPCA na qual a política monetária não tem efeito por ser inflação de oferta. Além disso, o colegiado reavalia a cada nova reunião o cenário”, afirmou.
O economista-chefe da consultoria Análise Econômica, André Galhardo, ressaltou que os alimentos têm sido o principal vetor da desinflação em curso no Brasil. “Qualquer coisa que atrapalhe esse movimento pode fazer com que o processo seja ainda mais lento e gradual que o projetado. Acho que algumas culturas podem ser prejudicadas. O milho no Brasil e nos Estados Unidos vai bem, por exemplo, mas temos impactos no açúcar por causa dos eventos climáticos na Índia, no arroz aqui também”, resumiu.
Segundo ele, o câmbio deve ficar em patamar mais elevado que o estimado. “É um problema, mas precisamos esperar o tempo passar para estimar com mais clareza os impactos”, avaliou.
Pinheiro, do Instituto Clima e Sociedade, ponderou que há indícios de que desta vez o fenômeno seja mais intenso e prolongado. “Neste momento, todas as evidências disponíveis indicam para um fenômeno El Niño mais extremo. Os dados nos mostram que nós temos o setembro mais quente da história, ou pelo menos dos registros históricos disponíveis”, argumentou. Para ele, é possível que o impacto na inflação de alimentos seja maior do que o que está precificado pelo Copom.
Fonte: Valor Econômico

