Por Lucinda Pinto e Victor Rezende — De São Paulo
02/09/2022 05h03 Atualizado há 4 horas
Embora ainda sustente um desempenho amplamente positivo neste ano, o real começa a entrar em um cenário que não se mostra mais tão favorável. A moeda brasileira ainda é um dos destaques do ano e exibe ganhos ante o dólar. No entanto, vetores que proporcionaram um desempenho positivo da moeda perderam espaço, observa Emerson Codogno, sócio-fundador e gestor da Genoa Capital. A casa, inclusive, não tem mais posições que apostavam em um desempenho superior do real à frente.
“O efeito do diferencial de juros se esgotou”, afirma o gestor, ao lembrar que outros bancos centrais têm elevado os juros tanto em mercados desenvolvidos quanto nos emergentes. Além disso, Codogno avalia que houve uma piora nos termos de troca e diz esperar uma redução no fluxo cambial.
Em entrevista ao Valor, Codogno aponta, ainda, que a dinâmica do câmbio, mais recentemente, tem refletido de forma muito mais clara os fatores externos, e não os locais, como a incerteza política e os riscos fiscais. Tanto é que o real ainda segue entre as moedas de melhor desempenho do ano, observa o gestor. Ele, porém, acredita que a volatilidade da moeda brasileira tende a voltar a aumentar após o resultado da eleição, quando o próximo governo irá definir o novo arcabouço fiscal e a equipe econômica.
Valor: Qual a sua expectativa para a política monetária nos EUA?
Emerson Codogno: O mercado ainda está dividido entre uma alta de 0,5 ponto e 0,75 ponto na próxima reunião. No fim, o [Jerome] Powell quis deixar em aberto, indicando que tem o desejo de reduzir o ‘pace’ em algum momento, mas que não sabe se poderá fazer isso já na próxima reunião. E ele fez algum comentário a respeito de manter a taxa no nível restritivo por mais tempo. Só que isso, se for olhar na prática, não provocou um grande movimento no mercado de juros americano. Vemos os juros entre 3,5% e 4% nos EUA.
Valor: Esse nível de juros é suficiente para controlar a inflação ou os EUA vão conviver com índices de preços mais altos por mais tempo?
Codogno: Dado que o mercado de trabalho parece muito aquecido, com duas vagas de emprego para cada trabalhador disponível, e a poupança das famílias e a desalavancagem das empresas estão em um nível muito confortável, nós acreditamos que pode ser necessário juros mais altos para conseguir trazer a inflação para perto da meta de 2%. Nós já tivemos posições mais relevantes em relação a isso, tomadas em juros americanos [aposta na alta da taxa], quando a taxa lá era mais baixa. Agora o risco-retorno não é tão bom quanto foi no passado.
Valor: O nível atual da taxa de câmbio no Brasil já contempla os juros americanos em 4% ou o mercado ainda terá que fazer ajustes?
Codogno: O Brasil saiu muito na frente na questão dos juros, e o real foi o destaque durante bastante tempo. A moeda brasileira tem valorização de quase 10% no ano, sendo que vários emergentes estão desvalorizados contra o dólar. Na comparação com uma cesta de moedas emergentes e de exportadores de commodities, ponderadas pela volatilidade, o real ganha 15%. Mas agora essa diferença está diminuindo. Basicamente, outros países estão se aproximando do nosso nível de juros – óbvio que, por sermos um país emergente e por termos uma volatilidade mais alta, sempre vamos ter um juro maior. Então, essa vantagem toda que o real teve, esse prêmio que ele teve em relação à taxa de juros, agora está desaparecendo. Essa foi uma das principais posições que tivemos ao longo do ano passado e do primeiro semestre: real contra dólar e real contra emergentes. Mas, hoje, não temos mais, porque eu acho que esse efeito do diferencial de juros se esgotou.
“O Brasil saiu muito na frente na questão dos juros, e o real foi o destaque durante bastante tempo”
Valor: O que mais influencia essa aposta no câmbio?
Codogno: Os termos de troca estão no pior nível dos últimos dois anos. Tivemos a desvalorização das commodities, alguma pressão nos preços de importação e isso acaba gerando uma revisão da projeção de balança comercial e da conta corrente. Só para ter uma ideia, a gente chegou a ter uma expectativa de 1% de déficit de conta corrente neste ano, e hoje projetamos 2%. E vemos o fluxo cambial, que está positivo em R$ 20 bilhões, ficando no zero a zero até o fim do ano. A gordura no diferencial de juros diminuiu; a expectativa de fluxo piorou por causa dos termos de troca; e a moeda já se valorizou bastante. Por isso, ficamos mais neutros e deixamos de apostar na valorização do real daqui para a frente, mas ainda não entramos em um terreno preocupante. Só acho que não é uma aposta fácil de fazer, que é ficar vendido em dólar.
Valor: O fluxo cambial, que está muito positivo neste ano, tem sido apoiado, principalmente, pelo lado comercial. Por quê?
Codogno: O fluxo comercial forte é derivado de uma situação que aconteceu no passado e que chamou a atenção de muita gente, que era o fato de que nós tivemos uma melhora nos termos de troca muito grande, que não tinha sido acompanhada por uma valorização da moeda. Essa situação à frente gera bons fluxos de balança comercial e foi isso que nós colhemos ao longo deste ano: a moeda estava desvalorizada e os preços das commodities estavam mais altos. Isso gera um fluxo de balança comercial. Mas, agora, o cenário mudou. Os termos de troca caíram e a moeda se valorizou. Esse prêmio que a gente via para apostar no real diminuiu muito. É a razão de nós estarmos mais neutros agora.
Valor: Em compensação, o fluxo financeiro tem mostrado saída relevante neste ano…
Codogno: Eu realmente acredito que o cenário externo mais volátil não ajudou na parte de fluxo de portfólio, mesmo com o juro alto, porque, no fim, nós tivemos esse movimento de juros subindo muito rapidamente lá fora. Isso gera um questionamento sobre se é o momento de se tomar risco em mercados emergentes. Algumas das histórias que nós tivemos ao longo do ano foram preocupantes. Não sabemos que nível de juros vai ser preciso para levar a inflação para baixo nos EUA; tivemos uma desaceleração muito forte na China… Isso também não gera um ambiente muito favorável a risco. Acho que o fator externo é o principal para explicar esse fluxo financeiro não tão forte.
Valor: As questões internas também têm influência nessa história?
Codogno: Acho que bem menos. Elas têm sido menos relevantes, tanto é que o real é um dos destaques entre as moedas. Não dá a impressão, do meu ponto de vista, que as nossas questões tenham sido um fator relevante tanto para os locais quanto para os investidores estrangeiros.
Valor: Estamos mais próximos da eleição. Alguma volatilidade é esperada e vocês estão montando alguma posição para se proteger?
Codogno: Nós acompanhamos bastante as pesquisas e os programas de governo dos candidatos, mas eu não tenho visto o mercado oscilar muito em função disso. Acredito que nós poderemos ter um pouco mais de volatilidade depois da eleição – principalmente se houver mudança de governo -, quando tivermos divulgação da equipe e mais detalhes sobre o que vai ficar no lugar do teto de gastos, já que é consenso de que o teto não vai estar aí nos próximos anos. Até porque, se for mantido o Auxílio Brasil na faixa de R$ 600, que é o que a maioria dos candidatos está dizendo, ele já não cabe no teto. Vai precisar existir uma nova âncora fiscal olhando para frente, mas a maioria dos candidatos não quer dar detalhes a respeito disso agora.
Valor: O que está no preço do mercado hoje?
Codogno: O mercado já tem como base algo pior que o teto de gastos. Provavelmente, um ‘waiver’ [licença] para o próximo ano e com uma correção das despesas do teto um pouco acima da inflação. Acho que isso já está – ou deveria estar – no preço do mercado. Se tem um momento em que poderíamos ver alguma notícia diferente, acho que vai ser mais à frente.
Valor: O cenário-base da Genoa contempla um ‘soft landing’ ou uma recessão nos EUA?
Codogno: Pode acontecer o ‘hard landing’, mas para isso será preciso ter uma taxa de juros mais alta. Nossa impressão é a de que, talvez, isso não seja para agora. Uma das razões de termos reduzido a posição “tomada” em juros era justamente por ter havido um aperto das condições financeiras muito forte. Sabíamos que isso iria impactar alguns dados da economia americana. Nesse ambiente de dúvida em relação ao crescimento, talvez não seja tão bom ficar ‘tomado’ em juros.
Valor: E na Europa?
Codogno: Nos últimos dias, os juros na Europa têm aberto [subido] de maneira relevante. Tinha aquela discussão sobre se o BCE deveria reagir menos porque a inflação por lá é de oferta, mas os diretores do BCE têm se posicionado no sentido de que precisam reagir porque a inflação está em um nível muito alto. Houve uma reprecificação grande, uma alta de mais de 100 pontos-base no mês. Um movimento parecido com o que aconteceu com os juros nos EUA meses atrás.
Valor: Isso dá apoio ao euro?
Codogno: Não somos muito otimistas com o euro. Apesar de ter havido esse ‘catch up’ em termos de taxa de juros, pelo lado do crescimento a Europa vai deixar a desejar. Essa divergência de crescimento entre EUA e Europa, e até mesmo China, vai continuar. A economia americana tem se mostrado resiliente. Em função disso, eu não sou muito otimista com o euro, apesar da recuperação em termos de diferencial de juros. Além disso, a taxa de juros no fim do ciclo vai continuar abaixo da americana. Vemos os juros europeus entre 2% e 2,5%. Mas, inclusive, nós achamos que essa abertura dos juros europeus foi o que impulsionou a taxa dos Treasuries.
Valor: E como esse movimento dos juros europeus tem impacto no mercado doméstico?
Codogno: No caso do real, não afetou na margem, mas acho que faz parte desse movimento de os países desenvolvidos terem juros mais altos. Nessa questão do nível em que os juros dos emergentes vão se equilibrar e até no diferencial de juros impactando as moedas, pode haver um movimento de aversão a risco. Os juros de países desenvolvidos subindo de maneira relevante podem gerar esse aperto das condições financeiras.
Fonte: Valor Econômico

