Por Augusto Decker, Arthur Cagliari e Victor Rezende — De São Paulo
11/03/2024 05h00 Atualizado há 2 horas
A calmaria que predominou nos mercados domésticos nos últimos meses deu lugar a uma piora na percepção de risco.
A ausência de dividendos extraordinários da Petrobras, o pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para que os bancos públicos concedam mais crédito e o desejo manifestado por ele de discutir um aumento no limite de despesas pesaram sobre os ativos brasileiros na semana passada. A soma desses fatores elevou a desconfiança dos investidores quanto à condução futura da política econômica pelo governo.
Já havia alguma insegurança no ar antes mesmo da divulgação do balanço da Petrobras, na quinta-feira. Porém, isso se notava de forma contida, num desempenho mais fraco dos ativos brasileiros que dos pares. No entanto, na sexta-feira, a piora na sensação de risco falou mais alto. O baque sofrido pelas ações da Petrobras, com queda de cerca de 10%, arrastou junto o Ibovespa, que caiu 0,99% no dia e 1,36% na semana, para 127.071 pontos. O dólar avançou 0,97% na sessão, para R$ 4,9816, com um fluxo de saída de capital.
“O mercado já está acostumado com esse tipo de discurso por parte do governo, mas, desta vez, veio a atitude”, observa o gestor de renda variável Cesar Mikail, da Western Asset, ao se referir à falta de proventos extraordinários da Petrobras. “E, depois do evento, você sempre põe algo no preço para a companhia. Agora, o mercado pode aumentar a taxa de desconto do ativo, e isso se reflete nos papéis.”
As preocupações, contudo, vão além do “efeito Petrobras”, na medida em que os agentes observam o contexto macro. Declarações de Lula sinalizando um aumento de gastos e uma piora na avaliação do presidente, segundo pesquisa Ipec, alimentaram o clima de insegurança no mercado. A percepção de aumento do risco fiscal fez os juros de longo prazo subirem na quinta e na sexta-feira, em um descolamento do exterior. A taxa dos contratos de DI com vencimento em janeiro de 2027 subiram de 9,905% para 9,97%, e a de janeiro de 2029 foi de 10,34% para 10,435% no fim dos negócios.
“Havia dúvidas sobre se o governo respeitaria as leis de mercado ou se seria mais gastador; se iria interferir em estatais ou não. Até aqui, vinha se mostrando menos pior do que se esperava”, diz Daniel Delabio, sócio e gestor da Exploritas, ao citar o respeito à autonomia do Banco Central e a manutenção da meta de inflação em 3%. “Agora que o governo parece se aproximar da meta [fiscal], Lula adota a posição de que quer mudá-la para poder gastar mais. Quando se veem isso e a decisão da Petrobras, cria-se um ambiente de ‘risk off’ [aversão a risco].”
É o que também diz a economista Yara Cordeiro, da Novus Capital. Ela destaca o impacto fiscal da decisão da Petrobras, já que parte relevante dos dividendos da estatal iria para o caixa do governo. “Não temos no Orçamento previsão de dividendos extraordinários, mas, ainda assim, todo mundo contava que fosse uma coisa que poderia ajudar. Para além disso, fica uma dúvida com os recursos que eram esperados via Carf”, disse a economista em podcast, ao se referir ao projeto do voto de qualidade nas decisões do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf).
“Tínhamos expectativa, pelo menos do lado do governo, de que não haveria resistência da Petrobras para fechar um acordo com o Carf. E o montante para entrar no caixa do governo era bastante relevante, podendo chegar a R$ 30 bilhões Com esse revés sofrido pelos minoritários na decisão sobre os dividendos, o acordo agora parece mais distante e pode ter mais resistência dentro do conselho”, disse. “Sem falar que foi percebido como uma tentativa de interferência do governo na empresa…”
O chefe de pesquisa da Guide Investimentos, Fernando Siqueira, lembra que, desde o período eleitoral, em 2022, esse tema foi debatido. “Mas o [ministro da Fazenda, Fernando] Haddad conseguiu contornar. Agora, vemos sinais de um caminho mais negativo e isso deve entrar no radar de investidores, principalmente os locais, que observam a questão política com uma lupa maior e começam a ter receio do que pode acontecer.”
Para o diretor-executivo da Finacap, Luiz Fernando Araujo, acontecimentos recentes demonstram que o risco de investir em estatais aumentou. “Aumentou até para algumas companhias privatizadas. Vimos a tentativa do governo de influenciar a escolha do presidente da Vale, por exemplo.”
Fonte: Valor Econômico

