Horas depois de o Federal Reserve (Fed, o BC americano) divulgar uma decisão de política monetária surpreendentemente “dovish” (favorável ao afrouxamento monetário), o Comitê de Política Monetária (Copom) apresentou comunicado que acabou ficando “datado”, segundo participantes do mercado ouvidos pelo Valor.
“Foi um comunicado enxuto, sem grandes mudanças em relação ao último e totalmente coadjuvante em relação à comunicação do Fed”, diz Marcos de Marchi, economista-chefe da Oriz Partners. “Acredito que, caso o BC americano corte mais que o esperado, o BC terá espaço para ampliar o ciclo de afrouxamento em 2024, mesmo que não acelere o ritmo.” A Oriz projeta a Selic no fim do ciclo a 9%, algo que o executivo diz ter viés de baixa caso o cenário acima se materialize. “A barreira para o Copom acelerar é a desancoragem das expectativas.”
Nessa linha, Fabio Akira, sócio e economista-chefe da BlueLine, afirma que a descrição do cenário internacional pelo BC ficou datada. “Não sei se é porque o comunicado se baseou nas discussões que ocorreram ao longo dos dois dias ou se a decisão do Fed veio em cima da hora. Mas não dá para deixar de considerar que a postura do BC americano vai mudar os parâmetros de política monetária do mundo”, diz Akira. “Foi relevantíssimo o que aconteceu nos Estados Unidos. Todos os ativos financeiros do mundo responderam à mudança de direção do Fed. Claro que o BC brasileiro não precisa reagir a isso, mas imagino que a discussão venha a ser atualizada.”
O executivo destaca, ainda, a visão da autarquia sobre a inflação corrente. “Tivemos uma sequência de indicadores, de três ou quatro meses, que mostraram um arrefecimento na alta de preços, e isso foi tratado de maneira quase neutra no comunicado”, afirma. “As próprias projeções do BC foram surpreendidas para baixo, então a surpresa foi não ter ocorrido uma mudança de tom em relação a isso.”
Diante desse cenário externo e da inflação local mais promissora, Akira também entende que é possível que a taxa de juros final fique mais baixa, ainda que a BlueLine mantenha, por ora, sua leitura de Selic a 9,5% no fim do ciclo.
A barreira para o Copom acelerar é a desancoragem das expectativas”
Na avaliação do economista-chefe da Occam, Paulo Val, a melhora externa é reconhecida no comunicado, mas ele avalia que o BC quer ver uma consolidação do ambiente mais benigno. Ele diz que a autoridade quer mais informação para poder incorporar esse cenário em seu discurso e na sua atuação.
A cautela da autarquia também é percebida quando há menção à evolução dos preços, segundo o economista. “O BC altera sua projeção para 2024 e indica que o núcleo da inflação se aproximou da meta, mas não alterou seu voo, mantendo o ritmo de cortes em 0,50 [ponto percentual] nas próximas duas reuniões pelo menos.”
Val aponta que o cuidado do BC com a trajetória dos preços fica também evidente na projeção para a inflação em 2025, que continua acima da meta, e também pelo trecho em que diz que as expectativas estão parcialmente ancoradas. O economista afirma, ainda, que não alterou sua projeção de Selic a 9,25% no fim do ciclo.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, corrobora a impressão dos pares de que a decisão do Fed ofuscou o Copom, mas vê um cenário menos claro para que a Selic siga caindo à frente. “Eu até manteria a impressão da última decisão de que era uma comunicação dura por parte do BC, agora parece até velha”, diz. “Não obstante, as condições para que os juros sigam em patamar restritivo se mantiveram e o texto constrói cenário reticente sobre cortes maiores.”
Com essa leitura, a Ativa mantém projeção de Selic em 10,5% no fim do ciclo. “A comunicação foi ‘dovish’ em termos de inflação, mas os fatores prospectivos são mais duros. As expectativas seguem sem reagir e as projeções de inflação do BC não mudaram, mesmo que a inflação corrente esteja cedendo”, diz.
O executivo afirma ainda que os efeitos líquidos das decisões do Fed no Brasil são difusos, contemporizando o impacto da decisão do BC americano por aqui. “O Fed foi mais ‘dovish’, mas o câmbio precisa reagir para influenciar a inflação, o efeito dos juros precisa ser sentido. Por enquanto, os fatores internos seguem pesando.”
Fonte: Valor Econômico

