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Economistas estimam um alívio menor nas contas públicas do que o apresentado pelo governo ao detalhar o pacote de ajuste fiscal. Enquanto ministros e técnicos falam em uma economia em torno de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos, analistas de mercado calculam algo entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões – e isso se não houver desidratação no Congresso, o que aumenta a incerteza sobre o potencial concreto da proposta.
No geral, economistas dizem que as medidas apresentadas vão na direção correta – exceto o “timing” simultâneo do anúncio do aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda -, mas são insuficientes para garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal mesmo até 2026 e, muito menos, para produzir resultados primários necessários à estabilização da dívida.
Pontos considerados importantes pelos especialistas, como mudanças no seguro-desemprego e redução da rigidez dos pisos de saúde e educação ficaram de foram. “É decepcionante, muito difuso, de rendimento incerto e excessivamente carregado”, afirma, em relatório, Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs. “O que era para ser um ‘turning point’ que fizesse com que o dólar, que estava batendo em R$ 5,80, voltasse a R$ 5,50, teve o efeito contrário”, diz Fabio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre).
Governo comprou tempo, mas estamos saindo pior desse pacote”
Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, faltou ambição e ousadia. “A situação fiscal não está fácil e não será resolvida apenas com as medidas anunciadas, em que pese elas serem corretas”, afirma.
Algumas medidas do pacote, como a do reajuste do salário mínimo, mudam questões estruturais, embora não tenham vindo na intensidade necessária e possam ainda perder força na tramitação no Congresso. Na mesma linha, a mudança no abono salarial foi mais tímida do que o esperado e só entrará em vigor em 2027. Alguns economistas têm a avaliação de que, se o governo se propôs a enfrentar a questão politicamente, poderia ter aproveitado para promover mudanças mais significativas e de maior retorno.
“Fica a impressão de que as áreas técnicas da Fazenda e do Planejamento propuseram um conjunto mais completo de medidas e a área política do governo limitou e alterou, desidratando o ajuste”, diz Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Pine. Roberto Secemski e Andrea Kiguel, do Barclays, notam, por exemplo, que não houve menções a “cortes”, “freios” ou “reduções” no discurso do ministro Fernando Haddad na quarta-feira na TV, evidenciando “as limitações impostas pelo presidente Lula a qualquer correção de curso impopular nos gastos”, afirmam em relatório.
Nos cálculos do governo, o pacote garante economia de R$ 71,9 bilhões nos próximos dois anos (R$ 30,6 bilhões em 2025 e R$ 41,3 bilhões em 2026). Ítalo Franca, economista do Santander, estima R$ 40,3 bilhões (R$ 17,3 bilhões em 2025 e R$ 23 bilhões em 2026).
Franca não inclui na conta medidas que abrem espaço para gasto primário, mas não significam corte de fato, como a Desvinculação das Receitas da União (DRU). A medida é a segunda de maior impacto (R$ 7,5 bilhões) entre as listadas pelo governo que devem ser apresentadas por Proposta de Emenda à Constituição (PEC), mas vários economistas consideram um equívoco a sua inclusão.
“É um mecanismo de gestão de recursos para tentar desvincular as receitas que a Fazenda precisa trabalhar ao longo do ano, não tem impacto de economia de recursos”, afirma Renan Martins, economista da MCM Consultores.
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Franca também não contabilizou as economias estimadas pelo governo com alterações nos controles do Bolsa Família e no Benefício de Prestação Continuada (BPC), porque considera que esses montantes já constam nos R$ 26 bilhões almejados com o pente-fino em benefícios sociais anunciado pelo governo no início do ano.
Esse ponto gera dúvida entre economistas. O BTG Pactual estima impacto total de R$ 46 bilhões do pacote em dois anos e de R$ 242 bilhões até 2030, ante R$ 327 bilhões estimados pelo governo. Pelas simulações do banco, isso sustentaria o arcabouço até 2026, porém, com alta dependência do sucesso das medidas de pente-fino, tanto as anunciadas em agosto, como as de agora, que o BTG entende serem novas. “Sem considerar essa economia, enxergamos um cenário bastante desafiador para o cumprimento do limite de gastos já em 2025”, dizem, em relatório, o economista-chefe Mansueto Almeida e o economista Fábio Serrano.
De qualquer forma, Secemski e Kiguel, do Barclays, notam que as economias esperadas com programas antifraudes semelhantes no sistema previdenciário foram reduzidas duas vezes até agora, caindo de estimativa original de R$ 10 bilhões para R$ 6,8 bilhões em setembro e para R$ 5,5 bilhões na semana passada, totalizando uma redução de 45%. Isso ilustra “o quão incertas essas estimativas podem ser”, afirmam.
As mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), restringindo o abatimento de renda de outros membros familiares, limitando doenças contempladas e impondo maior rigor no cadastro são importantes e necessárias, diz Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper. “Deve diminuir o ritmo insustentável de crescimento dos beneficiários, hoje em 16% ao ano”, afirma. Um caminho necessário, segundo ele, mas que foi evitado, porém, seria a elevação da idade mínima para o benefício.
Para Arnaldo Lima, economista da Polo Capital, a projeção do governo de economia com as mudanças no BPC pode estar até subestimada. “A judicialização do BPC, hoje, gira em 20%. Se você vai deixar na lei alguns aspectos da regra de elegibilidade claros, isso é positivo. Aí, vai depender das especificações que vão entrar no projeto”, afirma. Medidas assim, segundo ele, podem não apenas reduzir o fluxo de novas concessões, como também levar a revisão para baixo no estoque de benefícios pagos.
Alterações no indexador do Fundo Constitucional do Distrito Federal e no limite de repasses na Lei Aldir Blanc, por exemplo, também são medidas anunciadas meritórias, segundo Mendes. Por outro lado, ele considera pouco eficaz contar com grandes economias a partir, por exemplo, de projeto de lei para barrar os supersalários do funcionalismo e restrições a concursos e contratações.
Franca, do Santander, vê potencial de economia menor que o governo em linhas como a atualização de regras no reajuste do salário mínimo (R$ 9 bilhões, contra R$ 11,9 bilhões do governo) e no Fundeb (R$ 9 bilhões, contra R$ 10,3 bilhões).
“O pacote visou sustentar o novo arcabouço fiscal até 2026 por meio da redução de despesas obrigatórias e cumprimento do teto de gastos. No entanto, esse alívio será usado para outras despesas discricionárias [não obrigatórias]. Ou seja, essas medidas não alteram metas ou expectativas para o resultado fiscal”, afirma Franca.
Assim, apesar do pacote, seu cenário-base continua sendo de uma dívida pública que sairá de 72% para 87% do PIB ao longo do governo Lula 3. Mesmo pressupondo que o arcabouço não seja alterado nos próximos anos, e que seja respeitado o limite de 2,5% de crescimento real da despesa, a projeção do BTG para a dívida bruta só estabilizaria na metade da próxima década, em patamar próximo a 95% do PIB.
O Itaú Unibanco tem estimativa um pouco superior para a economia do pacote, de R$ 53 bilhões (R$ 23 bilhões em 2025 e R$ 31 bilhões em 2026). A avaliação do economista Pedro Schneider, porém, também é que foi um anúncio aquém do esperado e com poucas mudanças estruturais.
A mudança na regra do salário mínimo, que agora tem aumento real limitado a 2,5%, por exemplo, deve trazer ganho de R$ 80 bilhões em dez anos (de 2025 a 2034), segundo Schneider. É menos do que os R$ 300 bilhões estimados caso o reajuste tivesse uma regra mais parecida com a do arcabouço geral, em que as despesas avançam 70% das receitas – nesse caso, o mínimo poderia avançar 70% do PIB de dois anos. Nos cálculos, o Itaú considera PIB médio de 2% à frente.
Na questão do salário mínimo, há um “gesto político” do governo ao mudar uma regra que ele mesmo aprovou há um ano e “isso não pode ser ignorado”, diz Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre). “Mas a proposta continua com problemas. Ainda podemos ter falta de sincronia com a regra do arcabouço”, diz.
Com outra avaliação, a equipe do BTG diz que a regra para o reajuste do mínimo é mais forte do que esperavam, ainda que seu impacto seja insuficiente para compensar as frustrações do banco com outras medidas. “Quando o PIB crescer abaixo da variação do limite [2,5%], usa-se o PIB. Caso contrário, utiliza-se a variação do arcabouço. Nossas simulações anteriores consideravam apenas um limite de 2,5% em relação a regra atual, o que impactaria o salário mínimo apenas em 2025 e 2026”, dizem Mansueto e Serrano.
As principais diferenças da estimativa do Itaú em relação ao governo estão na menor expectativa de ganhos com o reforço de medidas antifraude como biometria obrigatória, cruzamento de dados e prazo de recadastramento menor (R$ 14 bilhões, segundo o governo; R$ 8 bilhões, estima o Itaú) e do fato de que o Itaú não espera nenhum ganho com a prorrogação da DRU.
A inclusão dos programas Pé-de-Meia e Vale-Gás no orçamento, nas regras e estatísticas fiscais, conforme também anunciado pelo governo, ajudaria a diminuir parte das preocupações com “criatividades contábeis”, mas também não implica economia concreta, segundo Schneider.
João Leme, economista da Tendências Consultoria, também vê como “louvável” a proibição de ampliação, criação ou prorrogação de benefícios tributários, em caso de déficit. “Trata-se de um enfrentamento direto a setores e lobbies historicamente formados no Brasil”, afirma. “O governo, ao menos, tem o mérito de ter tentado apresentar questões nesse sentido.”
Apesar disso, na avaliação do Itaú, o pacote pode ser insuficiente mesmo para o cumprimento do limite de despesas do arcabouço até 2026. A economia prevista pelo banco com as medidas em 2026 é de R$ 31 bilhões, frente a uma necessidade estimada de R$ 35 bilhões. “Além disso, o pacote traz mais medidas de ganho de flexibilidade orçamentária (R$ 17 bilhões) do que de redução efetiva de gastos (R$ 14 bilhões), sendo uma incerteza adicional quanto à capacidade de transformar o ganho de flexibilidade em cortes efetivos”, diz Schneider.
Para Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX, o governo “comprou tempo” para o arcabouço, mantendo-o “conceitualmente” de pé em 2025, mas ainda com necessidade de cortar despesas não obrigatórias. “Em 2026, a necessidade de cortes é muito maior e, em ano eleitoral, a disposição para alterar as regras do jogo ou então ultrapassar o limite de 2,5% de crescimento das despesas cresce“, afirma. “Estamos saindo piora desse pacote, a necessidade de reestruturar o fiscal vai ser maior lá na frente. E, como a recepção foi ruim, fica mais difícil para governo passar sinal fiscal forte da próxima vez.”
Como boa parte das medidas depende de PEC, o que torna o processo mais moroso, e mesmo as mudanças em leis só devem ser definidas no segundo trimestre do ano que vem, a economia prevista já para 2025 deve ser menor que a anunciada e fará com que o arcabouço fiscal volte a ser debatido no início do próximo ano, na discussão sobre o nível de contingenciamento, apontam Pires a Bráulio Borges, também pesquisador do FGV Ibre. “Vai ter que começar com um contingenciamento para valer”, afirma Borges.
O governo projetou o impacto das medidas até 2030, mas, para Carlos Kawall, sócio fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro nacional, “o que está ali a partir de 2027 é pura ficção.”
Na avaliação de alguns economistas, o pacote poderia ter sido relativamente bem aceito pelo mercado, caso não tivesse sido acompanhado do anúncio da medida em relação à isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais.
Solução política encontrada para aliviar o custo do anúncio de cortes de gastos, o aumento da faixa de isenção do IR adiciona incerteza ao cenário fiscal e econômico, dizem analistas.
Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, o anúncio da isenção do IR foi um “balde de água fria”. “Apoio a ideia de elevar a progressividade da tributação no Brasil. Mas acredito que isso precisaria ser discutido de forma mais ampla, dentro de uma reforma que enfrente outras distorções, como está sendo a da tributação do consumo”, afirma.
A PEC que os deputados Pedro Paulo (PSD-RJ), Júlio Lopes (PP-RJ) e Kim Kataguiri (União-SP) tentam emplacar em meio à apresentação do pacote do governo, é considerada melhor, segundo analistas, em termos de economia, já que prevê economizar R$ 1,1 trilhão até 2031, mas tem baixa viabilidade política para aprovação, reconhecem.
Fonte: Valor Econômico

