Economistas baseados na China rebaixaram suas previsões de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024, segundo a mais recente pesquisa trimestral da Nikkei/Nikkei Quick News, o que ressalta a pressão enfrentada pelas autoridades para estimular a segunda maior economia mundial.
A projeção média de 28 economistas locais sobre a economia da China aponta para um crescimento do PIB de 4,8% este ano, abaixo dos 4,9% apontados na pesquisa anterior, de julho. Alguns economistas apresentaram ou atualizaram suas respostas depois das medidas anunciadas pelas autoridades chinesas na semana passada, como cortar as taxas de juro, impulsionar o mercado imobiliário e injetar bilhões de dólares no mercado de ações, o que fez as ações dispararem. Quanto aos que responderam antes do lançamento do pacote de estímulo, a Nikkei lhes perguntou se desejavam ajustar suas previsões.
Entre os 25 economistas que participaram da pesquisa trimestral anterior, 16 reduziram suas expectativas e 9 mantiveram as suas inalteradas. Mas a faixa de variação dos prognósticos de crescimento como um todo baixou de 4,8%-5,3% para 4,5%-5,0%.
A estimativa média para o trimestre julho-setembro foi de 4,6% ao ano, abaixo da expansão de 4,7% registrada no segundo trimestre e do crescimento de 4,9% do terceiro trimestre de 2023. A previsão para o crescimento no terceiro trimestre em relação ao segundo, que reflete melhor o momento da economia, é de uma expansão de 1,1% em uma base ajustada sazonalmente, o que é um pouco superior ao crescimento de 0,7% no segundo trimestre.
Analistas alertaram para fatores negativos significativos.
Ken Chen, da KGI Asia, reduziu sua previsão de crescimento anual de 5,3% para 4,9%, ao levar em conta dados econômicos recentes mais fracos do que o que se esperava, que vão da produção industrial e dos investimentos ao varejo e às vendas de imóveis. “A tendência de crescimento econômico atual ainda é de baixa, principalmente porque o ciclo imobiliário chegando ao fundo do poço e por causa da pressão descendente da demanda externa”, disse. Para ele, o estímulo pode não ser suficiente para atingir a meta do governo de um PIB anual “em torno de 5%”.
A fraqueza do setor imobiliário continua a ser um grande entrave, apesar das iniciativas de política para reduzir as taxas de concessão de crédito imobiliário e os custos de compra. Quando se pediu aos economistas que identificassem os três maiores riscos (entre nove opções), o “mercado de imóveis residenciais estagnado” ficou no topo da lista, citado por 17 dos 20 dos entrevistados. Os itens seguintes foram “fraca confiança do consumidor” e “falta ou insuficiência de medidas políticas”.
Hui Shan, economista-chefe para a China no Goldman Sachs, cortou sua previsão de 4,9% para 4,7%, por considerar que a rodada anterior de medidas para impulsionar o mercado imobiliário “pode não ter sido tão eficaz assim”.
A demanda por moradia é algo difícil de aumentar estruturalmente, dado o declínio da população jovem da China, que em parte é um legado de sua antiga política de um único filho. Tetsuji Sano, economista-chefe para a Ásia na Sumitomo Mitsui DS Asset Management, observou que, “como a população continua a envelhecer e o sistema de aposentadorias é pouco desenvolvido, é provável que a demanda do consumidor diminua por toda a sociedade”.
O mercado imobiliário responde por cerca de 70% dos ativos das famílias chinesas. Isso significa que a queda nos preços dos imóveis tem um efeito negativo direto sobre a riqueza que esfria a confiança do consumidor e alimenta preocupações sobre uma deflação.
“Existem riscos claros de que as pressões deflacionárias se tornem arraigadas”, afirmou Alex Muscatelli, diretor de economia da Fitch Ratings. Ele destacou que o deflator do PIB, que reflete as mudanças de preços na economia como um todo, tem caído por cinco trimestres consecutivos em termos anuais, enquanto os preços de bens e serviços essenciais continuam os mesmos.
A China tem hoje uma grande dependência da manufatura e das exportações, uma vez que enfrenta dificuldades para melhorar o sentimento desde a pandemia de covid-19, mas o ímpeto nesses setores também começa a diminuir. O crescimento da produção industrial desacelerou de 5,1% ao ano em julho para 4,5% em agosto.
Isso ocorre em um contexto de aumento do protecionismo no comércio, em que EUA, União Europeia (UE) e Canadá caminham para impor tarifas adicionais sobre os baratos veículos elétricos chineses, já que esses países acreditam que eles recebem um apoio desleal de subsídios estatais. De forma similar, a Indonésia também voltou a impor tarifas sobre alguns bens, como tecidos importados, em especial da China, que entraram em vigor em agosto.
Arjen van Dijkhuizen, economista sênior do ABN Amro Bank, declarou que a reorientação do comércio ajudou a aliviar o impacto das tarifas até certo ponto, e as exportações continuam a ser um motor chave do crescimento da China. “Mas a estratégia focada na oferta da China contribui para uma ampliação das disputas comerciais, em que EUA, UE e outros países protegem setores estratégicos contra o [excesso de oferta] chinês”, avaliou ele.
As incertezas externas e internas em curso parecem estar por trás da onda de medidas de estímulo que envolvem várias entidades do governo central, inclusive o Banco do Povo da China (o banco central chinês).
“A ação do Banco do Povo da China de anunciar cortes [na porcentagem de reserva compulsória] e nas taxas ao mesmo tempo é rara e indica a urgência para oferecer respaldo com que os responsáveis pela política se defrontam”, disse Jing Liu, economista-chefe para a Grande China no HSBC.
Jian Chang, economista-chefe para a China do Barclays, foi na mesma linha. “Os últimos acontecimentos indicam que a liderança da China começou a adotar uma abordagem mais proativa para lidar com seus problemas estruturais mais prementes.” Anda assim, os dois economistas mantiveram suas previsões anuais inalteradas, em 4,9% e 4,8%, respectivamente.
Muitos no mercado esperam mais estímulos, na forma de uma emissão de 2 trilhões de yuans (US$ 285 bilhões) em títulos soberanos especiais. No fim do mês passado, a Reuters noticiou, com base em duas fontes, que uma ofensiva fiscal expressiva desse tipo estava para chegar, mas nenhuma ação foi adotada até o momento. Se isso se materializar, pode ser que os economistas precisem rever suas perspectivas.
Na frente cambial, a expectativa é de que o yuan — também conhecido como renminbi — chegue a uma cotação de 6,9 e 7,3 por dólar no fim do ano, com uma previsão média de 7,12. Na pesquisa anterior, de julho, a cotação prevista era de 7,23 yuans por dólar.
O corte na taxa maior do que o esperado feito no mês passado pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), de 50 pontos-base, estreitou o diferencial de juros e deu um impulso à moeda chinesa. Nesta quinta-feira (03) sua cotação no exterior estava em torno de 7,04 yuans por dólar. Como os economistas esperam que os cortes do Fed continuem, a previsão é de que a cotação chegue a 7,05 yuans por dólar no fim de 2025.
O ciclo de relaxamento monetário do banco central dos EUA desfaz “uma restrição externa” para o Banco do Povo da China começar o relaxamento, na avaliação de Zhennan Li, economista sênior para a Ásia na Pictet, cuja expectativa é de que mais iniciativas políticas venham de Pequim no devido tempo.
A pesquisa também abordou o impacto da eleição presidencial dos EUA, em novembro, sobre a economia da China. Muitos entrevistados manifestaram preocupação com a possível reeleição do candidato republicano, o ex-presidente Donald Trump.
“Achamos que Pequim continuará a se orientar para a estabilidade da moeda, por conta de preocupações com fugas de capital e de sua meta de internacionalização do yuan”, afirmou Homin Lee, estrategista da Lombard Odier. Mas ele também advertiu que se as tarifas de 60% propostas por Trump “se tornarem realidade”, o yuan pode enfraquecer em relação ao dólar, para uma cotação de 7,7 yuans por dólar ou mais.
Francoise Huang, economista para Ásia-Pacífico na Allianz Trade, prevê que Trump “cumpriria algumas, mas não todas as suas promessas de política comercial da campanha”, que incluem elevar a tarifa média dos EUA dos atuais 2,5% para cerca de 4,5%, a mais alta desde os anos 1970.
Nesse cenário, a taxa efetiva de tarifa sobre as importações chinesas aumentaria dos atuais 13% para cerca de 20%. Embora certos itens cruciais possam não ser alvo de tarifas, ela estima que esse aumento pode cortar suas exportações totais em 1% e empurrar seu PIB para baixo em cerca de 0,3% nos primeiros dois anos.
Lynn Song, economista-chefe para a grande China no ING Economics, acredita que o resultado da eleição dos EUA “certamente terá um impacto na China”. Para ele, uma continuação de uma Casa Branca Democrata, com a hoje vice-presidente Kamala Harris, pode ser mais previsível e menos arriscada para a economia chinesa, considerando que Kamala já fez críticas às tarifas em ocasiões passadas.
Quanto à previsão para além deste ano, os economistas projetam uma desaceleração gradual para 4,5% em 2025 e 4,2% em 2026, que seria um reflexo de uma desaceleração estrutural de longo prazo.
“A crise no setor dos imóveis residenciais, a perda vinculada de riqueza e a necessidade de as famílias repararem seus balanços, assim como a incerteza sobre a renda e as perspectivas de emprego em um ambiente econômico incerto, restringem o consumo doméstico”, disse Sophie Altermatt, economista da Julius Baer. “Ao mesmo tempo, estruturalmente, a falta de uma rede de segurança social suficiente leva as famílias a economizarem mais.”
Wei Yao, economista chefe para Ásia e China no Societe Generale, afirmou que “a situação atual da economia exige medidas mais radicais” e enfatizou a necessidade de “reestruturação da dívida imobiliária e dos governos locais, mais do que simplesmente novos cortes de taxas para acabar com a espiral de deflação”.
Harry Murphy Cruise, economista da Moody’s Analytics, destacou o risco de a confiança do consumidor continuar fraca. “Entre a maior insegurança no emprego, os respaldos sociais inadequados e a desigualdade persistente, as famílias têm todos os incentivos para aumentar suas economias preventivas — um comportamento que acontece à custa dos gastos de hoje.”
Fonte: Valor Econômico

