Os mercados começam a entender que, apesar de toda sorte de ruídos com a política de taxação de bens importados do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a economia americana segue em boa forma, segundo Benjamin Souza, diretor da BlackRock e estrategista para América Latina. O executivo refuta a tese de enfraquecimento do dólar globalmente, bem como uma potencial bolha no setor de tecnologia.
“Podemos passar agora da especulação sobre os impactos das tarifas para o impacto real”, afirmou durante apresentação à imprensa na sede da BlackRock em Nova York. “Percebemos que todas as previsões de economistas e analistas no início do ano eram realmente pessimistas e eles têm tido que correr atrás dos números reais da economia.”
Ele mencionou que o PIB dos EUA cresce acima dos 2% e que as tarifas até agora não comprometeram de maneira significativa os dados de inflação por causa dos ganhos de produtividade da economia. “A inflação de bens está aparecendo, marginalmente, em 30 pontos-base a mais com relação ao ano anterior. Se não tivéssemos as tarifas, provavelmente estaríamos em 2,7%, e estamos em 3%. Esse é o impacto. É ruim, mas não é o fim do mundo.”
O Federal Reserve (o banco central americano), que não vinha cortando as taxas de juros por causa das incertezas dos impactos da guerra tarifária de Trump sobre os índices de custo de vida, agora deslocou o seu foco para os dados de emprego e começou a relaxar a política monetária. Souza citou que a economia americana, historicamente, gerava 125 mil empregos por mês, número que caiu para a casa dos 20 mil. “As empresas não estão contratando e Powell [Jerome, o presidente do Fed] está claramente se concentrando nisso. É por isso que quer cortar taxas e continuará, num futuro previsível.”
Souza acrescentou que, em geral, as companhias deixam de contratar mão de obra quando a economia está enfraquecida, mas não tem sido o caso no cenário atual. O comportamento tem relação com controle de despesas e ganhos de eficiência. Novas tecnologias, como a adoção de inteligência artificial, têm incentivado esse processo. “Ao tomarem conhecimento das políticas deste governo, as companhias buscaram proteger seus mercados. Quando há incerteza, é preciso cortar custos. Elas estão fazendo isso ao também não realizarem grandes investimentos. Mas, provavelmente, vamos fechar este ano com o S&P500 mais lucrativo da história.”
As margens de lucro têm aumentado em quase 80 pontos-base, continuou. As empresas também têm se beneficiado da automação de tarefas, com o advento da inteligência artificial. “Esse é o dilema do Fed: a economia está indo bem, mas não está gerando empregos”, afirmou Souza. “Há uma inflação preocupante porque está acima da meta, mas me preocupo com as implicações sociais de essa economia não gerar empregos.”
O estrategista vê com bons olhos, contudo, a diversificação da economia de um eixo que era baseado apenas em consumo para investimentos em infraestrutura. Souza acha que é um crescimento sustentável se os investimentos prosseguirem.
“Há muitas coisas além de chips, mais que Nvidia. Há servidores, transmissão, produção de eletricidade. Para cada megawatt de energia que [essas indústrias] precisam, gastam US$ 38 milhões”, afirmou. “Quando toda a saúde da economia depende de um único fator, se esse não estiver funcionando, há um problema, fica vulnerável à disponibilidade de crédito. O que está ocorrendo, na verdade, é diversificação e redução da dependência do consumo, porque metade do crescimento vem da construção civil. Isso vai gerar diferentes tipos de emprego, que não existiam antes. Há um efeito multiplicador para cada dólar gasto. O que se vê agora é que o que era uma promessa — você sabia que poderia criar agentes [de IA] capazes de realizar certas tarefas — agora está sendo monetizado.”
Para Souza, esse é apenas o começo da mudança na estrutura econômica dos EUA, que estão na vanguarda desse movimento e são responsáveis por 85% dos investimentos feitos no setor. Tal contexto tem possibilitado que a economia cresça acima do seu potencial. “Agora precisamos descobrir se estamos contratando menos ou criando novos empregos.”
A três cortes de o Fed chegar a taxas de 3% ao ano, Souza disse que tem sido um bom momento para a renda fixa, que vem pagando mais do que o dinheiro em espécie. Os spreads de crédito se estreitaram, uma situação difícil de se repetir a partir do fim do ciclo de cortes. Ele advertiu que sempre há o risco de “quando se precifica [os ativos] à perfeição, ficar vulnerável à possibilidade de o Fed reconsiderar e não cortar em dezembro ou na primeira reunião de 2026”. E se a autoridade monetária seguir o script, os investidores podem rumar para outros mercados, com saídas de capital dessa classe. “Só tem dois cenários: você cumpre o prometido ou não. E ambos me parecem negativos.” Bitcoin e ouro têm sido alguns dos destinos. Mercados emergentes também.
Apesar do enfraquecimento do dólar em relação a outras divisas, o executivo da BlackRock disse haver um motivo para comprar dólar em vez do euro, porque nos EUA o investidor ainda recebe um retorno de 4%, ante 2% da moeda única europeia. E os EUA são um mercado mais produtivo do que outras economias. “A menos que a Europa aumente as taxas de juros, não devemos esperar que o dólar continue se desvalorizando.” O quadro fiscal, ao seu ver, é uma questão complexa em diversos países, não é uma situação específica dos EUA. “Em 25 anos trabalhando com isso, nunca vi um episódio na história em que o dólar se desvalorizasse em relação a todas as moedas do mundo.”
No curto prazo, foram os fluxos de capital que mexeram com os preços do dólar. “Mas agora será que as pessoas ainda querem sair dos EUA quando a situação está mudando e estão olhando para essa opção como mais lucrativa?”, questionou, referindo-se à queda inicial de 15% do S&P 500, na ocasião do anúncio das tarifas, para subir mais 15% depois do estresse com o tema. “Foi um erro terrível sair dos EUA e ir para qualquer outro lugar. Acho que vamos parar de discutir essa ideia de deterioração do dólar.”
No setor de tecnologia, a diferença da bolha dos anos 2000 para o ciclo atual é que as empresas têm entregado crescimento de resultados. Novatas como o Google na nascente internet no passado ainda não eram lucrativas. Se na década dos anos 2000 a margem acumulada era de 6% a 7%, este ano vai fechar na casa dos 14%. “Você não cria bolhas se tiver lucros como esse”, disse Souza. Pode haver preços inflados em casos que não têm bom desempenho operacional, mas para o conjunto e para a economia como um todo, o executivo não vê esse risco.
*A repórter viajou a convite da Avenue Securities
Fonte: Valor Econômico

