Por André Mizutani e Daniel Gateno, Valor — São Paulo
07/08/2022 16h57 Atualizado há 37 minutos
Os dados do PIB dos Estados Unidos do segundo trimestre reacenderam as discussões sobre a saúde da economia americana, já que mostraram mais um período de três meses com contração da atividade. Na opinião de Marzo Bernardi, chefe global de serviços a clientes da Western Asset, porém, o nível do mercado de trabalho nos EUA indica que o país ainda não entrou em recessão.
Em entrevista ao Valor, o economista diz acreditar que o Federal Reserve (Fed) deve desacelerar o ritmo de alta dos juros já na próxima reunião, provavelmente elevando a taxa referencial em 0,5 ponto percentual em setembro. Bernardi afirma achar que existe a possibilidade de o banco central americano ter êxito em conduzir um “soft landing” — um “pouso suave” da economia —, sem deixar que o país entre em recessão.
Em relação ao Brasil, Bernardi diz que o fato de o BC ter “feito o dever de casa”, estando bem adiantado no seu ciclo de aperto monetário, ajuda bastante os mercados financeiros locais. “Você aceita desaforo à beça com juros a quase 14%.”
Segundo ele, a Western Asset está ligeiramente “overweight” (alocando uma porcentagem acima da média do mercado) em ativos brasileiros, apesar das incertezas geradas pelas eleições presidenciais deste ano. Leia abaixo os principais pontos da entrevista.
Valor O sr. acredita que os Estados Unidos já estão em recessão? O PIB já teve dois trimestres de contração, mas o Federal Reserve está falando que não estão ainda…
Marzo Bernardi: Na nossa visão, não está. Existe a medida de dois trimestres de crescimento negativo, tecnicamente se está em recessão, mas existe o efeito dos estoques, que é relevante porque houve uma geração de estoques muito grande no passado… Então, há uma redução da produção porque os estoques já estão elevados. Na nossa opinião, isso não representa uma recessão necessariamente. O que estamos vendo é que a economia americana reduzirá o seu ritmo de crescimento. Isso sempre foi a nossa visão, desde o ano passado, e demorou um pouco para o mercado chegar à mesma conclusão. Eu acho que o que o mercado está mostrando nos últimos meses, ou semanas, é que as coisas estão caminhando nessa direção. Obviamente que vai haver redução do crescimento, mas não necessariamente uma recessão. A discussão hoje é se vai haver uma recessão ou não, e o quanto isso vai afetar a política monetária. Existe um grupo que ainda acredita em recessão e que usa o argumento dos dois trimestres para dizer que já estamos nela. Mas estamos com um nível de desemprego historicamente muito baixo. Então é difícil imaginar uma recessão severa com um nível de desemprego tão baixo.
Valor: O sr. acredita que o Fed conseguirá o “soft landing”?
Bernardi: Acreditamos que sim. Entendendo que o ‘soft landing’ é difícil de conseguir executar. É como pousar um avião no Rio Hudson. Acontece de vez em quando, mas não é o resultado mais esperado. Acreditamos que o Fed vai conseguir segurar um pouco a economia e calibrar a política monetária para que não gere uma grande recessão nos EUA. Se olharmos os últimos dados, já mostram uma desaceleração da economia. Vemos inclusive uma mudança no discurso do Jerome Powell [presidente do Fed]. Na reunião anterior, era tudo inflação. Já na última, o discurso foi um pouco diferente. ‘Olha, veja bem, fizemos um movimento anormal, uma alta anormal de juros, e em algum momento teremos que trazer essa alta de juros para um nível mais normal’, dando uma indicação de que pode ser uma alta de 0,50 na próxima reunião e não necessariamente de 0,75 ponto. Então, ele já colocou esse discurso na reunião passada, reconheceu que tem sinais de desaceleração da economia, sinais de desaceleração no mercado de trabalho. Já tem aquela conversa do mandato duplo do Fed, de inflação e emprego. Porque, quando o Fed fala de crescimento, ele está preocupado com o emprego.
Valor: O sr. vê o Fed desacelerando já a partir da próxima reunião?
Bernardi: Nós, na Western, acreditamos que há uma chance maior hoje — dado os indicadores que saíram e os que vão sair nas próximas semanas — de que o Fed reduza o ritmo de alta para 0,50 ponto percentual.
Valor: E a taxa de juro terminal, estão colocando em que nível?
Bernardi: Acho que o mercado está precificando algo em torno de 3,4%, e penso que no máximo é isso. Pode ser um pouco menos, talvez o Fed não precise dar tudo isso.
Valor: No caso do BCE, a alta de juros se deu bem depois do Fed. O BCE deve terminar o ciclo de aperto em que nível? Vai ter espaço suficiente para fazer o que precisa?
Bernardi: Eles começaram um pouco depois com a mesma redução do ‘quantitative easing’ [mecanismo de estímulos] do Fed, antes de elevar os juros. A gente acha que eles vão fazer o dever de casa também. É difícil deixar a inflação tão alta, nos níveis que a gente vê na Europa e no Reino Unido, que estão em níveis equivalentes aos dos EUA. Estamos falando de inflação no topo da faixa de um dígito. Isso não é uma coisa sustentável, e o BCE vai ter que continuar fazendo o ajuste. Qual vai ser o nível final do juro? Acho que vai ter que ficar muito perto do nível neutro, algo na casa dos 2%.
Valor: A janela para que eles consigam o soft landing que o Fed está tentando alcançar também é menor, já que estão atrasados?
Bernardi: Isso torna o trabalho ligeiramente mais difícil, porque uma largada um pouquinho atrasada significa que vai ter que ou acelerar ou seguir com o movimento por mais tempo, e há também algumas complexidades maiores na Europa do que nos EUA. Mas penso que o Banco Central Europeu vai fazer o dever de casa e ajustar a taxa de juros a um nível que traga a inflação de volta à meta.
Valor: Pensando nesse diferencial de política monetária do Fed em relação a outros BCs, isso vai continuar impulsionando o dólar?
Bernardi: O dólar se valorizou bastante em relação a outras moedas. Agora, com os outros BCs seguindo o Fed, o dólar deveria enfraquecer um pouco, porque o diferencial de juros vai diminuindo.
Valor: A paridade dólar-euro é algo excessivo?
Bernardi: Esse exercício de futurologia em câmbio é difícil. O euro chegou à paridade com o dólar por alguns dias, mas esse foi o pico da valorização do dólar. Acho que daí deveria começar a caminhar para uma variação um pouco mais normal, historicamente.
Valor: O que o sr. espera para as commodities? E, especificamente, para o petróleo?
Bernardi: Se imaginar que as economias vão desacelerar, em geral deveria ter um movimento de descompressão dos preços de commodities. Eu diria que isso deveria acontecer em condições normais de temperatura e pressão. Só que temos um problema geopolítico na Ucrânia. Temos as sanções contra a Rússia. E essa demanda por commodities vai depender muito do crescimento chinês, e de como a China vai reagir e continuar interagindo com a Rússia. Então é difícil dizer, mas parece, pelo que a gente viu no passado recente, que é difícil chegar de novo àqueles níveis de US$ 130, a não ser que tenha uma piora muito grande das tensões geopolíticas. Eu diria que há chances maiores de que os preços fiquem no nível de US$ 100, que é o que temos visto.
Valor: Como isso afeta o Brasil e os outros países emergentes?
Bernardi: O Brasil é um grande exportador de commodities. Então, em geral, isso deveria ajudar. Para o Brasil, em específico, isso melhora a balança de pagamentos e a balança comercial. Outros países que são mais dependentes de importação de petróleo, aí não é tão claro o benefício, porque o país pode se beneficiar da alta dos preços de um lado, mas acaba se prejudicando do outro.
Valor: Como isso se traduz para os mercados financeiros no Brasil?
Bernardi: Tem uma coisa que a gente ainda não falou, que é que [ter] quase 14% de juros ajuda. Você aceita desaforo à beça com juros a quase 14%. Claro que esse é um ano de eleições, então há alguma incerteza na mesa. Mas, hoje, entre os dois candidatos que estão liderando as pesquisas, não temos uma clareza muito grande do que eles querem implementar. Não é absolutamente claro quais são as plataformas, então isso gera um pouco de incerteza, apesar de serem duas figuras conhecidas. Ninguém está sendo claro sobre o que vai fazer ou deixar de fazer. Acho que a única coisa que está relativamente clara é o desejo de ter mais flexibilidade em política fiscal. Gastar um pouco mais. O que nunca soa bem para os mercados. Essa incerteza faz com que o Brasil tenha fluxos menores do que poderia ter se tivéssemos uma visão clara do que cada um está tentando implementar. Fica esse jogo de tentar ler nas entrelinhas… Isso reduz um pouco os fluxos, mas nós estamos ligeiramente ‘overweight’ em Brasil. Montamos os portfólios a partir do preço e da convicção. Se o preço estiver barato e a convicção, alta, a gente monta uma posição maior. Se o preço estiver barato, mas a convicção não é tão alta, você reduz a posição. Quase 14% de juros, não é em qualquer lugar do mundo que se acha algo semelhante. E isso se soma a um dólar que não deve necessariamente se valorizar contra uma cesta de moedas. E a gente tem que levar em consideração que o Banco Central brasileiro começou a subir os juros antes, ou seja, fez o dever de casa lá atrás. Então, os efeitos cumulativos de política monetária devem ficar mais claros daqui para a frente.
Valor: Qual é a visão dos estrangeiros sobre a eleição no Brasil?
Bernardi: O investidor estrangeiro não necessariamente prefere um candidato a outro. Acho que a visão está mais relacionada aos projetos de governo. O que cada um vai tentar executar, e o investidor que está emprestando dinheiro quer ver um projeto que aumente as chances de que ele receba o dinheiro dele de volta. Então, eu acho que a gente já teve casos de sucesso. O [ex-presidente] Lula, no primeiro mandato, foi um caso de sucesso. Ele foi capaz de deixar claro para o investidor qual era o projeto, montou uma equipe econômica que entendia o anseio do investidor para financiar. Se olhar, mesmo o Bolsonaro, quando foi candidato, colocou o Paulo Guedes e, claro, sinalizou um modelo em que está tentando fazer com que o país cresça e melhore as contas o que, em geral, aumentou as chances do investidor receber seu dinheiro de volta. Se está emprestando, comprando dívida, é isso que você quer saber: vai gerar fluxo de caixa, vai me pagar de volta ou vai virar a Argentina? Qual é o projeto, o que vem pela frente? Porque você pode mudar um pouco o projeto, mas não pode rasgar o projeto. Pode ter dificuldades na implementação do projeto, precisa passar pelo Congresso. Mas, quando um candidato define o seu projeto, coloca ele no papel e oferece para a sociedade, em uma democracia é difícil rasgá-lo depois.
Fonte: Valor Econômico

