Por Victor Rezende e Marcelo Osakabe — De São Paulo
03/08/2022 05h01 Atualizado há 6 horas
O momento de fragilidade ainda mais intensa do arcabouço fiscal e de dúvidas acerca do futuro da política econômica tem acentuado – a dois meses das eleições – as incertezas sobre a economia brasileira em 2023, aponta o grupo consultivo macroeconômico da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
A mediana das estimativas de 24 economistas-chefes de instituições que formam o colegiado da entidade mostra um avanço tímido, de 0,3%, para o PIB do ano que vem. Um dos fatores que demandam atenção é a dispersão das projeções, já que a mais pessimista aponta para uma retração de 0,6% no PIB de 2023, enquanto a mais otimista indica crescimento de 1,69%.
“O grau de incerteza é maior do que o habitual nas projeções sobre o que esperar para 2023 e essa dispersão do PIB deriva nas projeções de inflação e de juros. Uma parte dessa dispersão tem a ver com algumas dúvidas, como, por exemplo, o que vai ser feito com o reajuste de servidores, com salário mínimo, com imposto de renda”, observa o presidente do grupo macro da Anbima e economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa.
Na discussão do grupo, que se reúne a cada 45 dias, nas sextas-feiras que antecedem as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, a preocupação sobre a direção da política econômica foi um dos destaques. Honorato revela que há uma divisão entre os economistas do grupo sobre o quão negativa seria uma flexibilização do teto de gastos, caso ela ocorra. Ele, porém, ressalta que a maior parte dos integrantes do grupo acredita que haverá alguma mudança nas regras fiscais no próximo ano.
“A intensidade dessa mudança e qual será a regra importam para o cenário. As regras vão ser alteradas em alguma direção. No grupo, notamos economistas que defendem de forma mais aguerrida o desenho do teto e economistas um pouco mais flexíveis, que falam que é preciso ter uma regra fiscal consistente, que pare em pé”, afirma Honorato. O ponto-médio das projeções dos economistas do grupo macro da Anbima indica uma dívida bruta de 79,5% do PIB neste ano, que aumenta para 82,7% do PIB em 2023. “E sob incerteza de qual será a política fiscal vigente”, enfatiza.
“Uma opinião que concordo é que ficou mais custoso fazer ajuste fiscal no Brasil. Se aprendemos que o que temos de mais rigoroso, que é a Constituição, pode ser modificada facilmente, as promessas do próximo presidente são um pouco menos críveis”, afirma Honorato. “Talvez o ajuste tenha que ser mais ‘frontloaded’ [imediato]. Não basta apenas prometer um futuro. O presidente [Michel] Temer usou a estratégia de prometer um ajuste futuro, mas com uma equipe comprometida, que sabíamos que não iria mexer na regra. Dá para replicar essa estratégia novamente? Por que o mercado iria acreditar nela?”, questiona o economista.
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Ele aponta que o aumento na incerteza sobre o rumo das contas públicas pode ser notado na dinâmica dos mercados de juros, que operaram sob forte estresse neste ano. Honorato destaca, em particular, o desempenho do juro real de longo prazo, extraído das NTN-Bs (títulos públicos atrelados ao IPCA) para prazos longos, como 2055 e 2060, que está acima de 6% há algumas semanas, em níveis que não eram vistos desde 2015.
Integrante do grupo e economista-chefe do Santander, Ana Paula Vescovi afirma que a consistência da regra fiscal se dá pela capacidade do mercado de projetar resultados e ver se a proposta de regra leva a uma consolidação fiscal e em quanto tempo. “Dado o nível de dívida mais alto e todas as volatilidades e fragilidades globais, começamos a perceber uma maior vulnerabilidade nesse processo de consolidação. A angústia que temos é a de ver o quão crível é esse processo.”
Vescovi observa que há uma discussão sobre a dificuldade em se extinguir um benefício adicional de R$ 200 no valor do Auxílio Brasil, ao notar que a inflação gerou um aumento da desigualdade e da pobreza. Ela, porém, dá ênfase à necessidade de um ajuste fiscal à frente. “Como compatibilizar isso? Há a possibilidade de aumento da carga tributária. A grande dúvida é se o Congresso que for eleito vai ter uma vertente reformista ou resistência a um aumento de carga tributária”, diz a economista.
A incerteza em torno da política econômica a ser adotada a partir de 2023 se dá, em especial, pela proximidade da eleição presidencial, o que tem pesado no preço dos ativos. Além dos juros reais de longo prazo acima de 6%, Honorato dá atenção à inflação precificada pelos ativos financeiros, a chamada “inflação implícita”, que está acima de 6% mesmo em prazos mais longos, enquanto a meta de inflação de longo prazo no Brasil é de 3%. “O mercado já se preparou para o tamanho da incerteza de política econômica, mas é claro que essa incerteza pode se agravar ou atenuar.”
Nesse sentido, é possível observar dispersões grandes também ao observar as projeções de inflação do comitê macroeconômico da Anbima. Em relação ao IPCA deste ano, a mediana das projeções do grupo caiu de 9,10% para 7,25%, resultado das desonerações promovidas pelo governo e pelo Congresso. Há, no entanto, quem espere a inflação em 6,9% e quem projete o IPCA em 8% no fim deste ano. Quanto ao IPCA de 2023, enquanto o ponto-médio das estimativas do grupo subiu de 4,5% para 5,4%, há quem espere um IPCA de 4% no ano que vem, enquanto há agentes com projeção de 6,5%.
Para David Beker, membro do grupo macro da Anbima e chefe de economia para Brasil e de estratégia para América Latina do Bank of America, a dispersão grande é reflexo do ambiente de incerteza, que complica o comprometimento do Banco Central com passos futuros na condução da política monetária.
Ele observa que a visão média do comitê é a de que o BC deve entregar hoje um aumento de 0,5 ponto percentual na Selic, que subirá a 13,75%, mas que não deve fechar a porta para elevações adicionais na taxa básica de juros. “O BC para em 13,75%, mas a maioria [do grupo] não acredita que ele irá dizer explicitamente que não fará novas altas”, afirma Beker.
Nas estimativas do comitê macro da Anbima, a mediana das projeções para a Selic no fim deste ano está em 13,75%. Já em relação a 2023, o ponto-médio das projeções indica que o juro básico deve fechar o ano em 10,5%. Na reunião anterior do grupo, a expectativa era de que a Selic chegasse ao fim de 2023 em 9,75%. “É uma inflação mais alta por mais tempo e com um juro mais persistente também”, diz Vescovi, do Santander.
Honorato revela, ainda, que houve uma discussão no comitê sobre a possibilidade de o BC encerrar o ciclo de aperto monetário e se ver obrigado a voltar a elevar os juros novamente. “O debate apareceu no comitê, mas não é o cenário-base de ninguém. E isso vai depender do desenho. Eventualmente, pode acontecer caso haja uma desorganização fiscal maior. São variáveis nominais: a inflação vai subindo e o BC é autônomo e tem um mandato para cumprir”, afirma o economista.
De acordo com Honorato, a autoridade monetária pode começar a reduzir a taxa básica de juros quando o ano-calendário de 2024 se tornar o principal no horizonte relevante da política monetária e se a política fiscal estiver mais organizada, o que poderia fazer o câmbio se acalmar e exibir alguma apreciação.
Em relação à taxa de câmbio, a mediana das projeções do grupo macro da Anbima aponta para o dólar em R$ 5,20 no fim deste ano contra uma estimativa mediana de R$ 5,00 na reunião de junho do comitê. Quanto às previsões para o dólar no fim de 2023, a mediana passou de R$ 5,10 em junho para R$ 5,25.
Fonte: Valor Econômico

