![João Scandiuzzi: “Uma aceleração para 1 ponto [na alta da Selic] seria mais eficaz para conter as expectativas” — Foto: Gabriel Reis/Valor](https://s2-valor.glbimg.com/n3GCRjaXS9eh09P5PmWsTluMoaQ=/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/V/v/0RireCTOy2vSdnuiDrAA/foto29fin-101-mercado-c1.jpg)
A expectativa de que os ativos locais teriam uma reação negativa às medidas fiscais anunciadas pelo governo se materializou por completo na sessão de ontem. Com a percepção por parte do mercado de que os riscos fiscais aumentaram – em vez de diminuírem – após a divulgação do pacote, o dólar superou a marca de R$ 6 pela primeira vez na história, os juros futuros dispararam e o Ibovespa despencou, perdendo o patamar de 125 mil pontos. Assim, diante da leitura de que os preços não devem encontrar alívio, instituições financeiras passaram a aumentar suas projeções de Selic e já há discussão sobre uma alta de 1 ponto percentual nos juros em dezembro.
A demora no anúncio das medidas de contenção de gastos já vinha cobrando o seu preço nos ativos financeiros há semanas e a informação divulgada na véspera, de que o governo planejava isentar o Imposto de Renda (IR) para salários de até R$ 5 mil reais, já contratava mais um pregão de forte aversão a risco. Assim, o detalhamento das medidas e a entrevista coletiva dos ministros que compõem a Junta de Execução Orçamentária (JEO) durante a manhã não foi capaz de amenizar as preocupações dos participantes do mercado, que seguem vendo as medidas como insuficientes.
O resultado foi uma nova rodada de deterioração no real, na bolsa e nos juros futuros. O dólar fechou o dia em alta de 1,30%, negociado a R$ 5,9891. Nas máximas do dia, a moeda superou os R$ 6 pela primeira vez na história. Se ajustado pela inflação, a máxima histórica do dólar ocorreu em 2002, quando teria batido o equivalente a R$ 8,75. O euro comercial, por sua vez, subiu 1,25%, a R$ 6,3224. O Ibovespa derreteu e encerrou em queda de 2,40%, aos 124.610 pontos.
O anúncio das medidas era tido por boa parte dos agentes como um fator chave que poderia trazer uma melhora nos preços dos ativos e, assim, permitir uma abordagem menos dura do Banco Central em seu ciclo de aperto monetário. A frustração, assim, fez importantes bancos estrangeiros revisarem suas projeções para a trajetória da Selic.
O J.P. Morgan passou a projetar uma alta da Selic de 1 ponto percentual na reunião de dezembro e uma taxa que alcança os 14,25% no meio do ano que vem. Na visão da equipe de economia do J.P. Morgan para o Brasil, liderada por Cassiana Fernandez, as projeções de desaceleração nos gastos feita pelo governo parecem muito otimistas. Além disso, ainda que o governo alegue que a proposta de isenção do IR seja neutra do ponto de vista fiscal, ela deve aumentar ainda mais o impulso fiscal da economia.
“Mesmo sob a premissa otimista de que essa reforma é neutra em termos de impostos, ela não é neutra em termos de demanda, pois aumenta a renda disponível de indivíduos com alta propensão ao consumo. Consequentemente, ela também não é neutra em relação à inflação”, afirmam. O resultado desse cenário é um aprofundamento do conflito entre a política fiscal e monetária, apontam.
O Barclays também passou a esperar uma Selic de 13,5% em 2025 e uma aceleração do ritmo para 0,75 ponto em dezembro.
A reprecificação do risco fiscal fez com que os agentes passassem a esperar um ajuste mais firme da política monetária e, agora, a curva a termo precifica uma taxa Selic de quase 15% no fim do ciclo de aperto do Copom em 2025. Os juros reais também são negociados acima dos 7% em prazos de até dez anos e a inflação implícita extraída das NTN-Bs encontra-se acima da marca de 6% até o ano de 2060.
Para o sócio e estrategista-chefe do BTG Pactual, João Scandiuzzi, a frustração dos agentes com as medidas fiscais do governo deve colocar mais pressão e ônus na política monetária, que precisará ser mais dura. Diante da piora nas variáveis observadas pelo Copom, continuar com aumento de juros no ritmo de 0,50 ponto percentual não é condizente com um ciclo que precisará ser mais extenso, afirma.
“Se continuasse nesse ritmo, demoraria muito [para ancorar as expectativas]. Como medida para controlar essas expectativas, vemos espaço para aceleração de alta nas taxas no ritmo de 0,75 ou 1 ponto percentual. Uma aceleração para 1 ponto seria mais eficaz para conter as expectativas, assim como um discurso duro de compromisso inarredável”, aponta.
Ainda segundo a avaliação do estrategista, é importante que a política monetária dê esse sinal mais conservador tanto para ancorar os juros de longo prazo quanto para conter a depreciação do câmbio, ainda que fatores externos possam continuar pressionando a moeda brasileira.
Há riscos, no entanto, de a alta de juros local e consequente aumento do diferencial de juros com os EUA não ser suficiente para sustentar a moeda. “Diferencial de juros é uma variável importante para o câmbio, mas, de maneira geral, quando a ampliação nesse diferencial responde basicamente à piora no prêmio de risco, o efeito desses juros mais elevados é menor do que em outras condições, como quando há aperto na política monetária por conta da inflação mais alta.”
Segundo o economista-chefe do UBS BB, Alexandre de Ázara, o anúncio conjunto das medidas fiscais com o IR aumentou a desconfiança dos agentes quanto à disposição em sanar as fragilidades das contas públicas. “Pareceu um esforço envergonhado. Deveria ter sido algo que abraçasse o ajuste fiscal”, diz Ázara, que acrescenta que o anúncio em conjunto da isenção do IR a rendas de até R$ 5 mil foi uma “tática ruim que revelou a preferência” do governo em não regular as contas públicas da forma que os economistas e o mercado entendiam ser necessário.
“O combo foi ruim, de quem parece que não quer fazer um ajuste muito grande, com medidas piores do que se imaginava e um anúncio combinado de uma isenção tributária que, na melhor das hipóteses, ainda é expansionista no primeiro ano”, diz o economista-chefe do UBS BB.
O sócio e economista do Opportunity Total, Gustavo Vieira, aponta que, se houver uma atuação mais proativa do BC, o real pode voltar a se beneficiar, principalmente contra moedas emergentes e de países vizinhos. “Se tivermos um ‘choque de política monetária’, acredito que o real consiga melhorar sua performance contra mercados pares.” Em seu modelo, o executivo diz que, para levar a inflação à meta, é preciso que a Selic alcance o patamar de 14% a 14,5% no fim do ciclo. “Já em relação a cortes [na Selic] acho mais difícil tão cedo. Os juros vão chegar nesse nível e ficar ali um bom tempo.”
“Desse pacote de R$ 70 bilhões, tem R$ 25 bilhões que são palpáveis. O resto não é palpável ou é flexibilização”, avalia o CEO da AZ Quest, Walter Maciel. Para o executivo, mudanças no salário mínimo e no abono salarial estariam entre as medidas mais “palpáveis”, enquanto outras, como o fim da sobreposição entre o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Bolsa Família, geram dúvidas.
“O que está por trás do anúncio é esse sentimento: as eleições municipais foram cruéis e a popularidade está muito baixa. Se eu for para a classe média baixa e fizer um carinho, quem sabe a popularidade aumenta”, completa Maciel.
O gestor de renda variável da Western Asset no Brasil, Guto Leite, vai na mesma linha e avalia que o governo “perdeu uma boa oportunidade” de dar uma demonstração real de comprometimento com a sustentabilidade da dívida pública – talvez a única antes do ciclo eleitoral de 2026.
“O que gerou mais dificuldade de entender foi a decisão política de trazer a questão do imposto de renda para discussão nesse momento, já que há quatro meses estava fazendo a gestação do pacote fiscal”, diz Leite. Ele pontua, ainda, que não se sabe se a proposta de taxação mínima para quem ganha acima de R$ 600 mil por ano pode ser aprovada pelo Congresso.
Fonte: Valor Econômico

