Por Victor Rezende, Arthur Cagliari e Matheus Prado — De São Paulo
06/07/2022 05h02 Atualizado há 2 horas
Os temores de que uma recessão global sincronizada bata à porta ganharam ainda mais força e adicionaram tensão aos mercados financeiros ontem. A percepção de que a economia europeia pode ser ainda mais penalizada, diante da crise em torno do gás natural, pesou duramente contra o euro e levou o dólar às máximas em quase 20 anos em relação a outras moedas principais. A força renovada da divisa americana no exterior também se refletiu no mercado local, onde o dólar superou R$ 5,40 nas máximas do dia, e deu apoio à alta dos juros futuros, influenciados, ainda, pelo risco fiscal elevado.
O movimento mais intenso foi visto no mercado de câmbio. Na medida em que a dimensão da crise em torno do gás natural ganha contornos mais claros, os agentes colocam nos preços um cenário de crescimento ainda mais fraco na zona do euro, o que pesa na moeda única. No fim da tarde, o euro era negociado a US$ 1,0265 e o índice DXY, que mede o desempenho do dólar contra uma cesta de outras seis moedas principais, saltava 1,30%, para 106,537 pontos.
Com o dólar em alta firme em todo o globo, também o mercado de câmbio local foi bastante pressionado ontem. O dólar encerrou o dia negociado a R$ 5,3893, maior nível desde 28 de janeiro. Nas máximas, a moeda americana chegou a ser cotada a R$ 5,4035.
“O gás natural continua a ser a grande chance de risco para a relação euro-dólar, e a dinâmica dos termos de troca está mais uma vez impulsionando a moeda americana. A próxima parada parece ser a paridade”, afirmam os estrategistas Jamie Fahy, Adam Pickett e Yasmin Younes, do Citi. Eles notam que o avanço nos preços do gás natural tem tido implicações profundas nos termos de troca europeus e que o euro deve continuar a acompanhar esse movimento.
Para os estrategistas do Citi, os desafios do cenário parecem indicar que o euro pode continuar em rota de depreciação em relação ao dólar. “Não vemos nenhum suporte significativo [para o euro] até a paridade, que foi negociada pela última vez em 2002”, afirmam.
Os temores de uma recessão global se mostraram ainda mais fortes com uma inversão da curva de juros dos Treasuries – em alguns momentos da sessão, as taxas das T-notes de dois anos ficaram em níveis mais altos que os rendimentos dos papéis de dez anos. No passado, esse fenômeno costumou preceder recessões nos EUA. No fim do dia, o retorno da T-note de dez anos estava em 2,805%, contra uma taxa de dois anos em 2,829%.
Na visão dos estrategistas Anshul Pradhan e Samuel Earl, do Barclays, apesar das probabilidades elevadas de recessão nos EUA, o mercado precifica uma contração muito leve da economia. Além disso, eles enfatizam que uma diferença negativa entre os juros de dez anos e de três meses nos EUA é um sinal mais robusto quanto à chance de uma recessão iminente.
“Estimamos que a probabilidade de uma recessão no próximo ano, conforme implícito na curva de juros de três meses e dez anos, deve subir para cerca de 40 a 45% em alguns meses”, avaliam os estrategistas do banco britânico.
O tombo sofrido pelos juros de longo prazo no exterior devido à possibilidade crescente de uma contração na economia global teve efeito positivo nas bolsas americanas. Nos últimos meses, o ajuste de baixa visto no S&P 500 acompanhou uma forte reprecificação de alta nos juros dos Treasuries.
Com o movimento contrário no pregão de ontem, os principais índices acionários americanos abandonaram a queda firme vista no início da sessão. O S&P 500 fechou em alta de 0,16% e o Nasdaq subiu 1,75%, enquanto o Dow Jones não conseguiu acompanhar a recuperação e caiu 0,42%.
No mercado local, o movimento foi semelhante. O Ibovespa chegou a tocar os 96 mil pontos nas mínimas intradiárias, mas anotou recuperação parcial durante a tarde e encerrou a sessão em queda de 0,32%, aos 98.295 pontos. O índice foi influenciado negativamente pelas ações da Petrobras, que sofreram com o tombo de mais de 9% nos preços do petróleo. Enquanto os papéis ordinários da estatal caíram 4,27%, os preferenciais perderam 3,81%.
Para Alexandre Póvoa, sócio e estrategista da Meta Asset Management, os mercados estão pagando o preço do erro dos bancos centrais, que achavam que a inflação era transitória mesmo após dois choques de oferta – covid-19 e guerra na Ucrânia. Agora, de acordo com ele, o mercado não sabe até que ponto os bancos centrais precisarão subir os juros, o que torna os ativos globais e locais dependentes dos rumos da política monetária.
“O mercado internacional é ‘locomotiva’ e nós somos ‘vagão’. Comparando com as commodities metálicas, o petróleo não tinha caído muito por conta das pressões de oferta trazidas pela guerra. No entanto, com os indicadores econômicos perdendo força, a cotação da matéria-prima não resistiu”, nota o profissional.
Em movimento contrário em relação ao observado no exterior, os juros futuros subiram no mercado doméstico e, em alguns momentos, chegaram a saltar mais de 0,3 ponto percentual em vencimentos longos. A taxa do DI para janeiro de 2027 subiu de 12,71% para 12,76%; e a do DI para janeiro de 2029 avançou de 12,84% para 12,90%.
“Com o fiscal atrapalhando, tivemos um movimento impensável no pregão de hoje [ontem]: a curva de juros subindo, mesmo com a curva dos Treasuries caindo e em sessão de recuo das commodities”, observa Póvoa.
O economista-chefe da Western Asset no Brasil, Adauto Lima, observa que, às discussões sobre uma recessão global, se soma a “desconstrução de arcabouços fiscais”, o que ajuda a deixar os ativos brasileiros mais “premiados”. Ontem, a possibilidade de piora no impacto fiscal da “PEC das Bondades” levou o mercado a exigir prêmios de risco ainda mais elevados e, durante uma parte do dia, boa parte da curva de juros chegou a operar na casa dos 13%.
“Começamos a operar no escuro sobre como vai ser o arcabouço fiscal no longo prazo, se vai ser sustentável ou não”, diz Lima. O economista nota que a PEC carrega um aumento de despesas grande e vem na esteira da aprovação da PLP 18, cujo impacto fiscal já foi bastante elevado. “Estamos, de novo, brincando com risco fiscal.”
Na avaliação do economista, as medidas aprovadas neste momento, em um ano eleitoral, criam o risco de um ciclo político muito forte no lado das despesas. “É por isso que a curva de juros sobe fortemente no Brasil. Nós até poderíamos nos beneficiar da retração dos preços das commodities, mas o risco fiscal domina a precificação”, diz Lima, ao notar, inclusive, o aumento dos juros reais de longo prazo. A taxa da NTN-B para agosto de 2060 terminou o dia de ontem negociada a 6,156%.
Fonte: Valor Econômico

