A saída forte de dólares da conta financeira neste ano é resultado de uma mudança estrutural nos fluxos de capitais do país. Se antes a vazão de dinheiro do Brasil estava mais relacionada ao investidor estrangeiro que retirava seus aportes daqui, agora a dinâmica é distinta, marcada pelo brasileiro que começa a buscar alternativas de investimentos no exterior. Essa é a avaliação do economista-chefe da Neo Investimentos, Luciano Sobral.
“No passado, geralmente eram os estrangeiros os que lideravam as saídas. Nos períodos em que havia estresse nos mercados, eles vendiam ações e títulos da dívida e iam embora. Agora, é diferente”, diz Sobral. “Nos últimos 12 meses até julho, os estrangeiros estão com saldo positivo aqui. Não é grande coisa, mas, no agregado, está positivo, conforme mostram os dados do balanço de pagamento sobre investimento em carteira”, explica. “Já a saída [de capital] pelos brasileiros cresceu. Antes o brasileiro, por desconhecimento ou falta de instrumento deixava o dinheiro aqui. Agora, ele está acelerando essa diversificação no exterior”, nota.
Sobral lembra que, nos últimos anos, se tornou mais fácil para o brasileiro pessoa física retirar dinheiro do país, o que tem facilitado a saída de recursos. “Antes era preciso fazer um malabarismo grande para conseguir investir no exterior. Agora, os próprios bancos que operam no Brasil oferecem essas aberturas para o cliente. E, mais do que oferecer para o cliente, eles têm recomendado ativamente a abertura de contas no exterior”, afirma.
“Temos uma mudança de cenário em que o brasileiro não tinha quase nada investido no exterior para outro ambiente em que ele passa a ter um percentual do seu patrimônio lá fora, que ainda não sabemos qual é. Precisamos esperar a acomodação deste movimento”, avalia Sobral.
As saídas por conta de criptoativos e pelas apostas on-line (as bets) também são consideradas por Sobral como parte dessa mudança estrutural que tem ocorrido no fluxo financeiro do país. “No caso dos criptoativos, são volumes bem significativos, que o próprio BC mostra ficar acima de US$ 16 bilhões em 12 meses, enquanto é mais difícil computar os números das bets porque muitas dessas empresas de bets não são brasileiras, e um percentual do dinheiro acaba vazando para o exterior.”
Mesmo com a perspectiva de aumento do diferencial de juros, Sobral diz não acreditar em um forte alívio no fluxo financeiro devido ao aumento de investimentos em carteira, em especial nos títulos públicos. “Ajuda em certa medida, mas não é o fluxo estrutural. É mais o que chamamos de ‘hot money’, do investidor que vai comprar uma NDF de real [contratos a termo de moeda] de um a três meses e que vai tentar ganhar o carregamento do diferencial de juros”, afirma.
“O dinheiro de longo prazo, de renda fixa e de bolsa, creio que seja menos ligado a diferencial de juros, até porque o juro longo está em patamar alto há bastante tempo. São investimentos mais ligados ao fundamento e ao humor do investidor global para os mercados emergentes”, diz Sobral.
O economista da Neo afirma ainda que essa perspectiva não é exclusiva do mercado brasileiro. “Estamos vendo os estrangeiros reduzindo a exposição a dívidas em outros países emergentes há bastante tempo. Isso vale para México, Colômbia, Chile e África do Sul”, afirma. Na avaliação de Sobral, no momento os ativos de emergentes não têm muita atratividade para o investidor global. “Não é um período bom para os emergentes, mas pode se tornar, à medida que os juros vão caindo [nos EUA], com possibilidades também de melhora no crescimento da China, embora eu não veja algo parecido com o que vimos no passado, de entradas mais estruturais”, avalia.
Ao se referir ao ingresso estrutural de dólares no passado, Sobral se refere aos anos 2000, quando não só havia um forte fluxo comercial, mas também uma entrada robusta via conta financeira. “Para ter de volta essa conjuntura, sabendo que o fluxo financeiro é negativo, seria necessário ou ter um fluxo comercial muito mais forte do que estamos tendo agora ou uma virada no fluxo financeiro. Neste ano não vimos esses saldos trabalhando juntos, mas um anulando o outro”, nota o economista.
Fonte: Valor Econômico
