Moeda chinesa representa só 0,4%, mas medidas recentes anunciadas pelo presidente Lula podem impulsionar yuan
Por Marta Watanabe — De São Paulo
31/08/2023 05h00 Atualizado há 5 horas
Aproximadamente um décimo (9,5%) da corrente de comércio – soma das exportações e importações – brasileira é denominada em moeda diversa do dólar americano. Dentre as moedas “alternativas”, o euro foi o mais declarado em 2022, somando o equivalente a US$ 30 bilhões em vendas e compras externas. No total da exportação brasileira, as operações denominadas em outras moedas que não o dólar americano alcançaram 4,3% do valor embarcado e nas importações, 15,9%. Todos os dados se referem a 2022 e estão em levantamento pioneiro da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic), que deve passar a divulgar as informações atualizadas anualmente.
Tatiana Prazeres, secretária de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Secex/Mdic), explica que a moeda denominada – ou declarada – nas operações de comércio exterior não é necessariamente a mesma usada para o pagamento ou recebimento de divisas. Há, porém, diz, tendência para que seja a mesma moeda.
A secretária lembra ainda que hoje o exportador não é obrigado a fechar contrato de câmbio por não precisar, necessariamente, internalizar os valores recebidos. O exportador pode, por exemplo, manter dólares no exterior. As operações intracompanhia, lembra, são exemplo típico de transações que podem não ter fechamento de câmbio. Independentemente disso, diz, “a moeda denominada é importante porque é a divisa que foi negociada, que consta do contrato, da fatura e é a moeda considerada para valoração aduaneira pela Receita Federal.”
O levantamento, diz ela, mostra que crescem mais recentemente as operações denominadas em euro e real. Nas exportações a moeda americana representa 95,7% das operações, seguida por 2,5% do euro e 1,5% em reais. Na importação as moedas alternativas já detêm maior espaço, de 15,9% do valor total. As compras externas declaradas em euro somaram o equivalente a US$ 21,3 bilhões (7,8%). Para o real, foram US$ 15,6 bilhões (5,7%). Em seguida vem o iene, com US$ 1,7 bilhão. O yuan tem apresentado uso crescente. De pouco menos de US$ 250 milhões em 2018, as importações na moeda de Pequim alcançaram em 2022 a marca de US$ 1 bilhão.
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“As operações em yuan ainda são pequenas, mas apresentam crescimento expressivo”, diz Tatiana. Para ela, a tendência é que o yuan seja mais usado com a evolução dos investimentos chineses no Brasil, o aumento do comércio e com as medidas anunciadas pelo presidente Lula após sua visita à China, para uso de moeda local nas transações bilaterais. “Esse conjunto de fatores deve levar a uso maior do yuan.”
“A China é o maior fornecedor do Brasil e as operações declaradas em yuan equivalem a apenas 0,4% das importações brasileiras. Não há expectativa de que haja alguma correspondência. O dólar seguirá dominante nas operações de comércio exterior por ser moeda conversível, estável e líquida, mas ainda assim há espaço para o yuan crescer.” O uso de moeda local, explica, pode oferecer opções comerciais mais vantajosas porque pode reduzir custos aos operadores.
A maior variedade de moedas na importação se explica, diz, pela característica da balança comercial brasileira. Como a exportação é puxada pelas commodities, diz Tatiana, as contratações tendem a ser em dólares. Já a pauta de importações, mais diversificada, propicia maior oportunidade para uso de outras divisas.
Herlon Brandão, diretor de planejamento e inteligência comercial da Secex, diz que o alto uso do real na importação é explicado pelas compras governamentais de medicamentos. Nessas operações, diz Tatiana, há um preço máximo em reais pago pelo poder público. “Dessa forma, as partes estabelecem os valores em reais e o risco cambial recai sobre o fornecedor, que declara as operações de importação na moeda nacional.”
Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), a decisão sobre as divisas a serem usadas por quem exporta ou importa está relacionada à confiança que a moeda oferecem. “ Divisas que inspiram menos segurança tendem a ser declaradas apenas em operações de curto prazo, o que limita mais sua utilização”, diz Welber Barral, sócio da consultoria BMJ e ex-secretário de comércio exterior. Entre as divisas alternativas ao dólar americano, diz, moedas como o euro também podem ser atualmente mais comuns na importação brasileira por conta das operações intracompanhia de multinacionais europeias.
Tatiana explica que a proposta que tem sido mencionada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para viabilizar maiores exportações brasileiras à Argentina, não deve influenciar nas moedas declaradas no comércio bilateral. Isso porque a ideia que vem sendo discutida até agora e que envolve a divisa chinesa, explica, se restringe ao financiamento às vendas ao país vizinho. “Trata-se de um assunto em evolução, mas a arquitetura que está sendo desenhada para esse financiamento poderia envolver o yuan como garantia e não como moeda de pagamento.”
Fonte: Valor Econômico