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No dia seguinte à indicação de Gabriel Galípolo à presidência do Banco Central, os ativos locais viveram um pregão de estresse acentuado, com alta firme do dólar, dos juros futuros e queda do Ibovespa. Os dados mais fortes da economia americana e o aumento do risco fiscal no Brasil, em meio às discussões sobre o aumento do vale gás nas vésperas da entrega do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) ao Congresso, se somaram a fatores de natureza técnica, como o rebalanceamento do índice de ações brasileiras do MSCI – fato que deve gerar um fluxo relevante de saída de dólares do país. O cenário levou a autoridade monetária a anunciar, após o fechamento, um leilão extraordinário de até US$ 1,5 bilhão no mercado à vista hoje.
O dólar encerrou o pregão em alta de 1,20%, aos R$ 5,6231, após ter tocado os R$ 5,6620 na máxima do dia. A força da divisa americana foi disseminada ao redor do mundo, após o PIB americano ter superado as estimativas de consenso, com crescimento de 3% em base anualizada no segundo trimestre, contra 2,8% da leitura preliminar.
Diante dos receios menores de uma recessão nos EUA, as apostas em torno de um corte de juros de 0,5 ponto pelo Federal Reserve (Fed) na reunião de setembro diminuíram, o que deu força não só ao dólar, mas também aos índices acionários em Wall Street e aos rendimentos dos Treasuries.
Como fator adicional de pressão aos ativos brasileiros, agentes financeiros apontaram dúvidas sobre a indicação do futuro diretor de política monetária do BC. Porém, mais do que isso pesou o desconforto com as discussões sobre a ampliação do benefício do auxílio-gás dias antes do prazo limite para a entrega da PLOA 2025. Os receios fiscais, que vinham em segundo plano desde o congelamento de gastos do governo em julho, voltaram a pressionar os ativos.
“Imaginávamos um Orçamento que seria mais neutro, que não mudaria tanto as discussões, mas o debate sobre as questões fiscais nos últimos dias, com o aumento do auxílio gás, piorou um pouco o contexto e afetou a percepção de risco e, assim, a dinâmica já é conhecida: vimos o dólar indo de R$ 5,55 para R$ 5,65 em um só dia Claro, o fato de os dados americanos terem vindo mais fortes também ajudou [no movimento] em um momento de maior volatilidade, como apontado pelo [presidente do BC Roberto] Campos Neto, já que o BC não deu ‘guidance’ sobre o próximo movimento da Selic”, diz o economista Marco Antonio Caruso, do Santander.
Embora tenha notado que a autoridade monetária enfatizou recentemente que não há uma relação mecânica entre o câmbio e os ajustes na Selic, Caruso observa que, diante da ausência de uma indicação e de uma volatilidade elevada na dinâmica do real, que é uma variável relevante na construção das projeções do BC, “a correlação entre os juros e o câmbio aumenta, o que se reflete em um aumento da volatilidade nos dois mercados, ainda mais em um dia que cheira ‘risk-off’ [aumento do risco] pela questão fiscal”.
Nesse ambiente, Caruso nota que o mercado já estava discutindo mais recentemente o processo de retomada da âncora monetária e que, agora, existe a percepção de que um ajuste na Selic pode ter de ser mais célere. “Seria um ciclo mais curto no tempo”, o que ajuda a empurrar a precificação de elevação do juro básico em setembro para algo mais próximo de 0,5 ponto.
No mercado de juros, a precificação de uma alta da Selic de 0,5 ponto na reunião do Copom de setembro passou a ser de 60%, contra 40% de chance de uma alta de 0,25 ponto, considerando apenas os dois cenários. Ontem, a taxa do DI para janeiro de 2025 subiu de 10,945% para 10,985%.
Na visão de Gustavo Pi Okuyama, gestor de renda fixa da Porto Asset Management, fatores se acumularam na semana e contribuíram para a precificação atual do mercado de juros. Ele cita a comunicação errática do BC; dados fortes de emprego; e a sinalização, emitida por Campos de que a melhora observada no IPCA-15 de agosto não é suficiente para trazer conforto à autoridade.
“E, na sequência, tivemos o anúncio do vale- gás. A preocupação fiscal é constante e acabou voltando a ser tema, principalmente porque teremos a apresentação da PLOA no máximo até sábado”, aponta o gestor da Porto Asset.
Segundo Okuyama, a gestora tem operado de forma tática no mercado de juros nas últimas semanas. No entanto, os níveis atingidos pelas taxas futuras, neste momento, levaram a um aumento das posições aplicadas [que ganham com a queda das taxas] no miolo da curva. “Acreditamos em um ciclo de elevações na Selic bem controlado, de quatro altas de 0,25 ponto, levando a Selic a 11,5% na primeira reunião do ano que vem. Portanto, achamos a precificação atual um pouco exagerada”, diz.
No mercado de câmbio, o ambiente de estresse generalizado foi amplificado pelo rebalanceamento do índice de ações brasileiras do MSCI – o EWZ, que acontece hoje. Com a entrada de empresas listadas na Bolsa de Nova York, como XP, Nubank, PagSeguro, Inter e Stone, há um fluxo relevante de saída de dólares do país, que participantes do mercado calculam ser de mais de US$ 1 bilhão.
“Nossa estimativa é que o fluxo positivo desse rebalanceamento está indo para os Estados Unidos e o Brasil vai ter fluxo negativo superior a US$ 1 bilhão”, calcula o chefe da corretora de ações do Scotiabank Brasil, Michel Frankfurt.
Na iminência do movimento de saída de dólares do Brasil, participantes do mercado notam que houve uma antecipação de players comprando dólares, o que trouxe pressão adicional ao real ontem, especialmente no dia anterior à formação da Ptax de fim de mês, que naturalmente torna os movimentos do câmbio mais voláteis.
Nesse contexto, após o fechamento do mercado, o Banco Central anunciou que ofertará, em leilão extraordinário no mercado à vista, até US$ 1,5 bilhão, entre 9h30 e 9h35 de hoje, na primeira venda de dólares no mercado “spot” desde abril de 2022.
O anúncio da intervenção foi elogiado pelo profissional da tesouraria de um grande banco local. “O BC agiu muito bem. Tinha muita gente ‘atolada’ de dólar antecipando o rebalanceamento do MSCI para amanhã [hoje]. A intervenção foi no tamanho correto, bem parecido com o do rebalanceamento. Foi ótimo”, afirma essa fonte, em condição de anonimato.
Na visão de profissionais da tesouraria de um banco estrangeiro, em comentário a clientes, o tamanho da intervenção, em si, não é relevante, considerando a magnitude dos rebalanceamentos usuais de fim de mês, “mas trata-se de uma grande mudança na abordagem de câmbio do BC”.
Assim, eles esperam uma queda de 1% a 2% no dólar contra o real hoje o que deve ter efeitos também no mercado de juros com a transferência do prêmio de risco entre os ativos.
Na renda variável, o Ibovespa também sofreu, após ter batido recordes consecutivos nos últimos dias. O principal índice do mercado acionário brasileiro caiu 0,95%, aos 136.041 pontos.
Desde o início do mês, o índice ganhou mais de 10 mil pontos e acumula valorização de cerca de 6,6% em agosto. Os mercados internacionais e a injeção de capital estrangeiro na B3Cotação de B3 ajudaram esse movimento. Por isso, é natural uma realização de lucros, aponta o CEO da BGC Liquidez, Erminio Lucci. “O dia foi de realização, combinada com um conjunto de ‘risk-off’ em relação ao Brasil como um todo. A bolsa seguiu o comportamento dos juros e do real”, avalia.
Lucci lembra que as commodities têm peso importante na bolsa e há uma desaceleração grande nos preços, “o que naturalmente puxa parte da bolsa para baixo”, diz. “Isso é explicado principalmente por causa da desaceleração da China, que se mostra cada vez mais ser de médio a longo prazo, de problemas estruturais e com impacto no consumo e PIB do país”, avalia. (Colaborou Gabriel Caldeira)
Fonte: Valor Econômico

