Por Gabriel Roca e Victor Rezende — De São Paulo
22/05/2023 05h02 Atualizado há 5 horas
Dada a dificuldade global de cortar gastos públicos após a enxurrada de estímulos injetados durante a pandemia, recai sobre os bancos centrais a tarefa de manter a política monetária apertada para levar a inflação de volta às metas. O diagnóstico, feito pelo economista-chefe global do BNP Paribas, Marcelo Carvalho, é válido tanto para economias desenvolvidas quanto para as emergentes e, com a inflação ainda persistente, os cortes de juros em 2023 parecem pouco prováveis, ao mesmo tempo em que os Estados Unidos devem enfrentar uma recessão já neste ano.
Em sua primeira visita ao Brasil após cinco anos, Carvalho avalia, em entrevista ao Valor, que a economia doméstica não deve ter suporte de um crescimento global robusto. Para ele, o país teve sucesso em encaminhar uma regra fiscal que deve trazer maior previsibilidade para os investidores, embora não seja “perfeita”. E, diante de um cenário global de enfraquecimento do dólar e de interesse estrangeiro no Brasil, Carvalho se mostra mais otimista com o câmbio. O nível de R$ 5 do dólar, nesse sentido, parece ter “mais cara de teto do que de piso”, avalia o economista.
Inflação nos EUA
Tivemos um excesso de estímulos que, agora, está sendo parcialmente revertido. Não tenho esperança de ter um grande arrocho fiscal global nos próximos tempos. Cabe, portanto, aos bancos centrais fazer o trabalho mais difícil, que é desaquecer a economia para conter a inflação. Nos EUA, a inflação de serviços começou a estabilizar, mas esperamos que ela caia lentamente, até porque leva tempo até desaquecer o mercado de trabalho e conter os salários. Vai ser muito mais difícil o processo de desinflação a partir de agora.
Bancos centrais
Nossa percepção é de que a inflação, nos próximos anos, será estruturalmente maior e isso leva os bancos centrais à adoção de uma postura mais cautelosa, porque eles têm o mandato de levar a inflação para a meta. Pensando no Fed, especificamente, provavelmente ele chegou ao ponto máximo dos juros. O ciclo de aperto monetário do Fed está chegando ao fim. O juro já está em 5,25% e achamos que o Fed não sobe mais. É possível que ele tenha um aumento de 0,25 ponto nos juros em junho, mas o cenário mais provável na nossa projeção é de que o juro vai ficar onde está. O Banco Central Europeu (BCE) e o Banco da Inglaterra (BoE) também estão próximos do fim. O BCE tem mais trabalho a ser feito e deve subir os juros mais duas vezes de 0,25 ponto e o BoE deve ter mais um último aumento de juros de 0,25 ponto.
Queda dos juros no mundo?
Embora nós estejamos perto do fim do ciclo de aperto monetário, estamos distantes do início do ciclo de afrouxamento. Em outras palavras, não achamos que os bancos centrais irão cortar os juros antes do ano que vem. O mercado está bem ansioso e a curva de juros já precifica os cortes muito antes disso. No caso do Fed, já em setembro. Achamos que o cenário mais provável não é esse.
Desaceleração global
Não me parece que nenhum desses bancos centrais esteja com muita pressa para cortar os juros. Parece que eles querem ficar confortáveis de que a inflação está cedendo, de fato, e de que a economia está se ajustando. Nenhum banco central quer ser malvado, mas, quando se olha para os mercados de trabalho, é preciso desaquecer a economia porque a aceleração dos salários não é consistente com a meta de inflação. Nossa projeção para os EUA é de uma recessão moderada, que começa no terceiro trimestre. Não vemos nada dramático. E, na Europa, achamos que a situação bate na trave, mas que não chega a ser uma recessão. Na China, a reabertura é para valer e os números do primeiro trimestre confirmaram essa atividade muito forte. O outro lado da moeda, no entanto, é que hoje se questiona a sustentabilidade dessa recuperação. É preciso levar em conta a composição do crescimento chinês, até porque isso tem impacto sobre o resto do mundo, especialmente nos preços das commodities.
Fraqueza do dólar
Do ponto de vista global, nós achamos que o dólar está muito forte e deve se enfraquecer nos próximos trimestres – em parte por conta do contexto macro com a economia nos EUA desacelerando mais que o resto do mundo e o juro parando de subir lá. O Brasil faz parte desse resto do mundo e isso ajuda o real a se valorizar. A percepção do investidor estrangeiro em relação ao Brasil é certamente mais favorável que a do investidor local. Fatores fundamentais jogam a favor do Brasil e isso ajuda a explicar o suporte que temos visto na taxa de câmbio. Em termos relativos, o Brasil não está tão mal na foto. Nossa projeção oficial para o câmbio no fim do ano é de R$ 5 [por dólar] e de R$ 4,90 no fim de 2024. E eu diria que esses R$ 5 hoje têm muito mais cara de teto do que de piso.
Selic
A inflação vem cedendo, mas o núcleo ainda está alto demais; o Banco Central já subiu o juro bastante, mas vai ser muito cauteloso na hora de cortar. Acho que o BC aqui só vai começar a cortar os juros quando se sentir confortável e confiante de que a inflação está convergindo em direção às metas de forma sustentável. Não me parece que este é um BC que está com pressa de cortar os juros. Claro que o juro é alto e claro que o próximo movimento será uma redução, mas, na nossa opinião, isso vai ficar muito mais visível rumo ao ano que vem do que no curto prazo.
Arcabouço fiscal
A má notícia é que poderia ser melhor. A boa notícia é que poderia ser pior. É bom que tenha alguma referência e que não seja uma gastança desenfreada. Mas, para ser sincero, você não está atacando, de fato, o problema fiscal do Brasil, que é o gasto. O Brasil gasta muito e gasta mal. Em algum momento, a discussão da Previdência vai ter que ser retomada, assim como uma reforma administrativa. O arcabouço é o casamento de promessas de gastos com torcida por receitas. Não é o crescimento rápido que vai trazer mais arrecadação, mas sim uma maior carga tributária. Tenho a impressão de que, no médio e longo prazo, o arcabouço joga contra o crescimento potencial da economia.
Fonte: Valor Econômico
