Na avaliação do professor da FGV-EESP, Marcelo Kfoury Muinhos, uma decisão unânime por um corte de 0,5 ponto percentual na Selic teria sido mais bem recebida pelo mercado que uma decisão dividida pelo 0,25 ponto Ao Valor, Kfoury, que chefiou o Departamento de Pesquisa Econômica do BC por 13 anos, avalia que o tom do comunicado foi bastante “duro” e que não foi possível identificar pelo texto os motivo que levaram quatro diretores a optar por um corte maior na Selic. Para ele, a divisão no Copom vai “gerar um pouco de ruído” e os agentes vão esperar um BC mais “dovish” (pró-cortes) a partir de 2025.
Valor: Qual a sua avaliação do comunicado?
Marcelo Kfoury Muinhos: O comunicado foi bem ‘hawkish’ [duro]. E não dá para extrair, pelo texto, quais foram os motivos que levaram parte dos diretores a votar pelo corte de 0,5 ponto.
Valor: O que chamou a atenção?
Kfoury: Todos os pontos foram para o lado mais conservador. No cenário internacional, ele tirou a palavra “volátil” e descreveu como “adverso”. Na parte de atividade, retirou a parte da desaceleração e reconheceu que ela vem acima do esperado, com maior dinamismo do mercado de trabalho. Subiram as projeções de inflação para 2024 e 2025. A parte do fiscal também foi “hawkish” – diz que é preciso um fiscal crível para a ancoragem da inflação e para redução do prêmio de risco dos ativos. E trocou a frase que descrevia “uma flexibilização adicional” e passou a mencionar “ajustes futuros nas taxas”.
Valor: Mas o placar não traduziu perfeitamente esse cenário…
Kfoury: A única coisa ‘dovish’ foi o placar. Algo que era óbvio, mas ficou completamente escancarado agora, é que os quatro indicados pelo Lula votaram pelo corte de 0,5 ponto e os diretores que já estavam lá votaram por 0,25 ponto. Isso vai gerar um pouco de ruído. Com isso, os agentes já vão esperar um comando do BC mais ‘dovish’ a partir da reunião de janeiro.
Acredito que haverá mais um corte de 0,25 ponto na reunião de junho”
— Marcelo Kfoury
Valor: O Copom deve entregar novos cortes de juros?
Kfoury: Acredito que, na próxima reunião, um corte de 0,25 ponto esteja bem endereçado. Mas é mais provável que [a Selic] fique em 10% do que abaixo dos 10%. E aí, acredito que o Roberto Campos Neto deixa o comando para o [atual diretor de política monetária do BC Gabriel] Galípolo seguir cortando um pouco mais no ano que vem. Mas, aparentemente, não há muito espaço. A meta [de inflação] para 2025 é de 3% e a projeção do BC já está em 3,3%. Acho que o consenso do mercado para a Selic também vai ser ajustado para cima. Já vem subindo a mediana para projeção de Selic no fim do ano. No Focus já foi a 9,63% e deve subir para 9,75% na semana que vem. Mas, em resumo, acredito que haverá mais um corte de 0,25 ponto na reunião de junho, e as próximas serão mais difíceis de prever.
Valor: Qual a sua avaliação sobre a comunicação do BC?
Kfoury: Precisamos esperar pela ata para ver qual a justificativa dos membros indicados pelo Lula para optar pelo corte de 0,5 ponto. É preciso ressaltar que quem escreve o comunicado é o diretor de política econômica [Diogo Guillen] e ele não deve ter conseguido um consenso com os outros diretores para o texto. Seria ainda mais confuso se fosse o contrário: se o diretor de política econômica tivesse perdido a votação. Aí a comunicação seria mais truncada. No fim das contas, ficou meio esquisito. Todos acharam que o cenário piorou, mas, mesmo assim, quatro optaram por 0,5 ponto. O comunicado é pequeno para caber as duas versões. Na ata, claramente, vai ter espaço para o campo minoritário expressar o porquê de votar pelo corte maior.
Valor: Acha que a divisão pode gerar desconfiança adicional?
Kfoury: Era melhor a votação ter sido por um corte unânime de 0,5 ponto do que um 0,25 ponto dividido. É unânime a visão de que o cenário piorou, o suficiente para o Campos Neto ter avisado, no FMI, que o ‘forward guidance’ não estava valendo mais. Para os analistas de Copom, fica parecendo que há influências externas e que o comitê deixa de ser técnico e passa a ser mais político. A divisão gera uma espécie de nervosismo com relação ao que vai ser a gestão do [Gabriel] Galípolo. Está bastante claro que ele foi colocado lá para treinar para ser presidente do BC. Acho que foi a primeira bola fora que ele deu, no sentido de não ter uma explicação clara para o procedimento dele. Reconhecer que o cenário piorou e querer manter o corte de 0,5 ponto.
Valor: Como será a trajetória da Selic daqui em diante?
Kfoury: Rodei um modelo de regra de Taylor para o juro de um ano. É um bom substituto para a taxa Selic. Ele estava apontando uma Selic terminal por volta dos 10,25%. Acredito que até uns 10% é possível do BC ir: seriam mais dois cortes de 0,25 ponto. Talvez o Campos Neto deixe a Selic em uns 10% e o Galípolo siga baixando um pouco a taxa. Vai ser mais fácil para ele começar uma mandato cortando juros do que subindo. Quando tem que subir juro é que o problema político é enorme.
Valor: Como acredita que será a reação dos mercados?
Kfoury: Acredito que a curva longa [prazos mais longos] e o dólar vão subir, mesmo com a redução do ritmo para 0,25 ponto.
fonte: valor econômico


