Por Fernanda Guimarães e Rita Azevedo — De São Paulo
18/10/2023 05h04 Atualizado há 4 horas
Depois de atravessar um grande colapso, o mercado de dívida local retomou os níveis pré- Americanas, com as emissões registrando alta demanda por investidores. A leitura é a de que após os eventos corporativos que marcaram 2023 – considerando também a recuperação judicial da Light, que deixou uma ferida nesse mercado -, as emissões de debêntures voltaram à normalidade, provocando uma corrida das companhias por ofertas.
Um reflexo mais recente dessa melhora foi a volta das emissões institucionais, ou seja, as não incentivadas, que estavam até aqui em ritmo mais lento. Essas ofertas são dedicadas aos fundos de investimento, que passaram a demandar novos papéis para recompor as carteiras.
Uma das transações apontadas como emblemática é a da administradora da bolsa brasileira, a B3, que acaba de emitir R$ 2,5 bilhões de debêntures a CDI + 1,05%. Na última oferta feita pela companhia, em agosto de 2022, a taxa foi superior, equivalente a CDI + 1,3%. Outro exemplo foi a oferta da Eletrobras, que teve uma tranche não incentivada a uma taxa de CDI + 1,55%. A demanda, nesse caso, superou em duas vezes o volume ofertado.
Esse cenário mais positivo reverte uma situação de descompasso vivida nos primeiros meses do ano. Após a descoberta do “rombo contábil” da Americanas, em janeiro, a janela de captação das empresas com títulos de dívida travou.
Em meados de maio, o humor dos investidores passou a melhorar e começaram a aparecer operações envolvendo títulos incentivados, principalmente debêntures de infraestrutura. Esses títulos são isentos de imposto de renda à pessoa física e, ao se dividir esse ganho, as taxas podem ficar mais atrativas também aos emissores. Dentre as operações realizadas nos últimos meses, e que funcionaram como um ímã a um grande número de investidores, estão as das empresas de saneamento Aegea e Iguá.
Agora, parece ser a vez das debêntures institucionais. “Vemos o mercado institucional mais forte, mais recorrente e estável”, afirma Felipe Wilberg, diretor de renda fixa do Itaú BBA.
A melhora na dinâmica do mercado tem se refletido nos spreads das emissões, ou seja, em quanto as empresas estão pagando a mais, além do CDI, para colocarem suas transações na rua. É essa “gordura” que pode tirar o investidor dos títulos vistos como os mais seguros, caso do Tesouro Direto, que é a dívida do governo federal.
Passado o temor após o evento de Americanas, esse diferencial retomou, pela primeira vez após meses de maior aversão ao risco, aos patamares do início do ano. “Da distorção vista após Americanas e Light, mais da metade já voltou”, afirma Ulisses Nehmi, presidente da gestora Sparta.
Os números mostram uma curva descendente. Levantamento feito pelo UBS BB mostra uma queda gradual dos spreads mês a mês. Em outubro, esse diferencial chegou, na média, a 1,60%, retomando o patamar pré-Americanas (estava em 1,51% no dia 9 de janeiro, o dia da divulgação do fato relevante que eclodiu a crise da varejista). No fim de julho, a taxa estava em 1,93%. No pico do ano, em março, o spread médio foi a 2,26%. A queda do spread reflete uma combinação de melhora do humor com uma menor percepção de risco, segundo o responsável pela área de renda fixa do UBS BB, Samy Podlubny.
Apesar da melhora, a velocidade com que os spreads das debêntures passaram a cair tem sido diferente para as empresas com altas notas de crédito, as chamadas “high grade” – grandes empresas que têm amplo acesso ao crédito – e as demais.
“O comportamento dos spreads de empresas com notas de crédito maiores foi mais homogêneo”, diz Nehmi, da Sparta. “Já entre as companhias com rating ‘A’, a história é mais complexa.” Segundo ele, ainda há casos em que os prêmios continuam aumentando, refletindo a deterioração do crédito da empresa.
Hoje, se o investidor preferir um título de uma companhia como Petrobras ou Taesa, terá que se contentar com um prêmio menor, afirma Odilon Costa, responsável pela mesa de renda fixa da empresa de investimentos SWM. “Ou ele fica feliz com um nível de prêmio menor em ativos ‘triple A’ ou terá que buscar novas alternativas de investimento”, diz. “Uma saída para quem procura prêmios mais interessantes pode ser buscar setores menos tradicionais, como saneamento, ou descer a régua de crédito.”
Podlubny, do UBS BB, lembra que o mercado para as emissões locais melhorou em maio, com as debêntures incentivadas trazendo uma longa fila de operações e alta demanda pelos investidores. Em julho, os fluxos de capital começaram a fluir também para os fundos de renda fixa, revertendo um cenário de sangria que durou meses a fio, o que tem ajudado, com isso, as emissões não isentas. “Hoje o mercado voltou, todos os cilindros estão funcionando normalmente”, diz o executivo. Sua projeção é a de que o volume total de emissões neste ano alcance R$ 250 bilhões.
Depois do susto no início do ano, a retomada tem sido notada nos volumes dos fundos. Os veículos de renda fixa captaram em julho e agosto R$ 37 bilhões, após quatro meses de saídas, segundo a Anbima, associação que reúne os dados da indústria. No entanto, em setembro, os fundos voltaram a registrar resgates, mas em um volume muito menor do que no ápice da crise.
Também em setembro, as emissões de debêntures atingiram o pico do ano, com R$ 31,8 bilhões em volume emitido. Desse total, R$ 12,3 bilhões corresponderam às debêntures incentivadas. O grande volume de transações incentivadas começou a gerar uma consequência, com algumas operações enfrentando mais dificuldade para sair, segundo apurou o Valor. A expectativa, segundo fontes de mercado, é que os bancos tenham que atuar na compra de sobras dessas emissões, já que dificilmente o mercado conseguirá absorver as ofertas que já estão na rua.
Do lado dos bancos, uma das visões é que esse cenário leve a um ajuste pontual nos spreads das incentivadas. Uma das preocupações, por outro lado, é que instituições financeiras não segurem por um período os papéis encarteirados, o que pode acarretar a um desequilíbrio momentâneo desse mercado.
Ainda não é possível dizer que há um desajuste entre oferta e demanda, mas a precificação das ofertas está mais agressiva, segundo um gestor. Isso porque muitas companhias estão correndo para conseguir aproveitar o bom momento do mercado e reforçar os balanços antes do encerramento do ano.
A projeção de Wilberg, do Itaú BBA, é que o volume de debêntures distribuídas no ano – ou seja, que foram de fato para as mãos de investidores – fique entre R$ 140 bilhões a R$ 150 bilhões. “No segundo semestre, o ritmo tem ficado bem parecido com o ano passado, o que é bastante coisa. Este ano teve uma virada muito boa, o mercado se ajustou muito bem.” De janeiro a setembro, as ofertas de debêntures somaram R$ 141,9 bilhões.
Fonte: Valor Econômico
