Em entrevista ao Prática ESG, Alexandra Palt, referência em direitos humanos e vice-presidente executiva da L’Oréal, conta como a empresa se estruturou para aumentar a diversidade nas equipes e lançar produtos mais sustentáveis e inclusivos
Por Vivian Oswald — Para o Prática ESG, de Londres
15/02/2023 05h01 Atualizado há 3 horas
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Globalmente reconhecida, Alexandra Palt foi a responsável pelo lançamento do programa de sustentabilidade da multinacional francesa, em 2012 — Foto: Philippe Calandre
Vice-presidente executiva da L’Oréal, onde também comanda a área de responsabilidade corporativa, e vice-presidente da Fundação L’Oréal, Alexandra Palt é referência internacional em sustentabilidade. Responsável pelo primeiro programa da gigante dos cosméticos nesta seara, a advogada, com especialização em direitos humanos, passou pela Anistia Internacional, na Alemanha, e outras organizações dedicadas à diversidade, gestão de mudança e sustentabilidade.
A executiva não tem papas na língua ao defender suas posições. Enquanto pilotava por telefone os deslocamentos da família em um dia de greve de transportes em Paris, falou ao Prática ESG, que jamais trabalharia num lugar em que tivesse que brigar diariamente por direitos básicos. O empoderamento da mulher e a diversidade, diz, é simples bom senso e uma estratégia de sucesso para todos e não apenas para elas.
Palt, que lançou, em 2017, o novo programa de sustentabilidade da companhia, o “L’Oréal para o Futuro”, com metas ambiciosas para 2030, falou da importância da transição verde na empresa, hoje a marca mais valiosa do segmento de cosméticos e beleza do mundo e com receitas anuais de mais de 30 bilhões de euros (2021). Fundada em 1909, a L’Oréal investe há anos em boas práticas e inovação, e acumula prêmios internacionais, entre eles a recente confirmação de ser uma das duas únicas empresas do globo a receber nota ‘AAA’ em mudança do clima, segurança hídrica e florestas, atribuído pela organização sem fins lucrativos Carbon Disclosure Project (CDP). Os critérios ESG (sigla em inglês para questões ambientais, sociais e de governança corporativa), diz, vão “determinar se estaremos aqui nos próximos anos, ou não”.
A seguir, os principais trechos da entrevista com Alexandra Palt:
Prática ESG: Qual o peso da sua formação para a posição que ocupa?
Alexandra Palt: O Direito, e a minha especialização em direitos humanos, estruturam minha maneira de trabalhar, pensar. O Direito organiza o raciocínio analítico, você tende a fazer as coisas de maneira mais precisa. Tenho um casamento multicultural, sou austríaca e me mudei para a França. Acho que sempre me senti deslocada nos lugares em que trabalhei. Ao contrário das minhas expectativas, o setor privado te permite mudar muitas vezes, ter muito impacto positivo, se houver visão e vontade política do CEO e das lideranças.
Prática ESG: Como é ser mulher em um mundo tão masculino?
Palt: Tratar de um tema novo [sustentabilidade e direitos humanos] e ser mulher torna tudo um pouco mais difícil, porque você tem menos voz pelo fato de ser mulher, e menos voz por estar tratando de um assunto no qual ninguém está interessado. Acho que a L’Oréal foi o lugar certo, porque nosso presidente e CEO à época, Jean-Paul Agon, tinha grande interesse precoce por sustentabilidade. Por isso, rapidamente eu ganhei voz.
Prática ESG: A senhora foi a responsável pelo primeiro programa de sustentabilidade da L’Oréal. Como ele está estruturado?
Palt: Há duas coisas diferentes. A transformação interna, a chamada transição verde. Todos usamos recursos naturais demais. Todos poderão ter só a sua fatia do bolo e nada além. Caso contrário, o futuro não parece brilhante. Isso se reflete no nosso trabalho, de como transformamos nossos produtos, embalagens, transporte, marketing. Essa é a transição verde, é como pretendemos nos tornar a empresa que queremos neste século. A segunda parte é nosso impacto na sociedade. Já percebemos que governos não podem enfrentar os desafios sozinhos. O setor privado tem a responsabilidade e oportunidade de contribuir.
Prática ESG: Quais os resultados do projeto para incentivar a presença das mulheres na ciência?
Palt: Temos vários programas. Um deles é para estimular a formação de cientistas mulheres. O tema é importante por muitas razões, sendo uma delas, evidentemente, a questão da igualdade de gênero. Mas não é só isso: é o que a ciência produz quando há apenas homens envolvidos. O que as pessoas não querem ver é que existe o chamado lugar de fala. Falamos a partir de nossa experiência, história, gênero, classe social. Desde 1998, a Fondation L’Oréal, em parceria com a Unesco, promove a visibilidade das mulheres na ciência. A cada ano, cinco pesquisadoras são homenageadas. Desde sua criação, o programa “Por mulheres na ciência” premiou 122 profissionais e apoiou mais de 3,9 mil cientistas, estudantes de PhD e pós-doutorandas em 110 países.
Prática ESG: Por que esse programa em especial?
Palt: Quando há apenas homens nas pesquisas, os aspectos relacionados a mulheres não são levados em conta, ou são pouco considerados. No início, o sistema de reconhecimento de voz não reconhecia vozes femininas. Muitos medicamentos tiveram de ser retirados do mercado americano porque não foram testados em mulheres e tiveram efeitos negativos nelas. Se temos robôs que são programamos e criados apenas por homens, eles não funcionam da mesma maneira se fossem produzidos por equipes diversas. Há muitos obstáculos para empoderar cientistas, que vão desde tendências discriminatórias conscientes ou não, a assédio sexual.
Prática ESG: Como é sua participação neste trabalho?
Palt: Nós trabalhamos com a valorização das mulheres na ciência e procuramos influenciar o sistema para tentar criar um ambiente inclusivo. Diversidade é uma estratégia de sucesso para todos e não apenas para mulheres.
Prática ESG: Valorizar a beleza empodera a mulher?
Palt: Prática ESG: ESG é um tema que tem sido politizado. Qual a importância de se trabalhar com valores que nem todo mundo acredita?
Palt: Vai determinar [o ESG] se ainda estaremos aqui nos próximos anos, ou não, se estaremos condenados. Para nós, não há qualquer dúvida sobre a necessidade de se liderar a transição para ter uma espaço seguro para a humanidade. Também temos certeza da importância da diversidade e inclusão: são elementos essenciais de dignidade humana e de uma companhia orientada por valores.
Prática ESG: Como as empresas podem atrair mais mulheres?
Palt: Em primeiro lugar, é preciso querer contratá-las. Na L’Oréal, metade das nossas equipes de líderes das marcas é de mulheres e metade da nossa diretoria é composta por mulheres. Mas não se trata apenas de trazer você para cá, é mais permitir que você construa a casa conosco, o que significa ter respostas para suas necessidades, seus desejos e suas aspirações. Eu não quero trabalhar para uma empresa em que tenha de brigar por respeito básico todos os dias. Me sinto muito mais confortável em uma companhia onde sei que não há conversas sexistas e assédio, em que todos estão contentes quando uma funcionária está grávida e tem um filho. E que isso não tem impacto na sua carreira.
Prática ESG: A diversidade tem sido cada vez mais cobrada pelos acionistas, não?
Palt: Há centenas de estudos que provam que com mais diversidade na diretoria e entre os líderes, a companhia trabalha melhor. Há muitos estudos que indicam que em economias com maior participação de mulheres e sociedades onde os direitos das mulheres são respeitados funcionam melhor. Me parece hoje se tratar de bom senso, apenas.
Prática ESG: Como prevenir problemas de reputação em uma indústria tão sensível?
Palt: Para mim, o problema de reputação vem de não se fazer o trabalho direito. Na L’Oréal, a segurança de nossos consumidores e equipes sempre foi uma preocupação. Realizamos uma média de cerca de 100 testes de qualidade em um mesmo produto durante o processo de produção. Todas as nossas fábricas têm certificações ISO para desenvolvimento de cosméticos. Temos auditorias internas que controlam os processos de maneira contínua. Tudo isso é boa governança e, claro, também se aplica a temas de sustentabilidade.
Prática ESG: O consumidor nunca teve tanto poder como hoje. O segredo é a transparência?
Palt: Claro. E isso é uma grande oportunidade também. Em sustentabilidade, desenvolvemos uma ferramenta que descreve o perfil ambiental de todos os produtos. Tentamos fazer o possível para colocar mais produtos sustentáveis no mercado, mas também precisamos que o consumidor se engaje nesse processo, que queira comprar recarga e refil, que escolha um xampu e condicionador que venham juntos em um único produto, que mude para produtos sólidos…
Prática ESG: Sustentabilidade pode significar preços mais altos, e o consumidor quer pagar menos…
Palt: Sustentabilidade é uma questão de longo prazo. Os consumidores não estão preparados para pagar mais. Mas esperamos que eles reconheçam que a sustentabilidade é suficientemente relevante para que se faça a escolha correta de consumo. Tentamos oferecer o mesmo desempenho com um perfil mais sustentável pelo mesmo preço. Esse é o objetivo.
Prática ESG: Como inovação e tecnologia influenciam seus programas de sustentabilidade?
Palt: A L’Oréal fez uma parceria com a startup suíça Gjosa para a fabricação de uma ducha que economiza até 69% de água em comparação com outros chuveiros em salões, com uma tecnologia que diminui o tamanho das gotas e acelera a velocidade. Co-fundamos um consórcio para reciclagem de resíduos plásticos a partir da tecnologia enzimática de reciclagem da bioquímica francesa Carbios que nos permite reciclar plásticos infinitamente (e não só quatro vezes). Em 2019, criamos uma parceria com a francesa de embalagens Albéa para lançar os primeiros tubos de papel para a indústria de cosméticos. E nos juntamos à dinamarquesa Paboco, para criar garrafas de papelão para as marcas La Roche-Posay e Kiehl’s.
Fonte: Valor Econômico