Por Victor Rezende — De São Paulo
21/09/2023 05h01 Atualizado há 4 horas
O uso do plural ao apontar para a manutenção do ritmo de corte de juros pelo Banco Central e a sinalização de que há uma deterioração no cenário externo são alguns fatores destacados pela economista-chefe do Santander, Ana Paula Vescovi, ao analisar a comunicação empregada pelo Comitê de Política Monetária (Copom). Em entrevista ao Valor, ela mantém a visão de que, ao menos neste ano, o colegiado não deve acelerar o ritmo de flexibilização da política monetária e dá ênfase ao diferencial de juros como um dos componentes que tende a balizar a extensão do ciclo de cortes.
Valor: Qual a avaliação sobre a decisão do Copom?
Ana Paula Vescovi: A decisão veio bem em linha com o que o mercado esperava, mas alguns pontos no comunicado chamaram a nossa atenção. O primeiro foi o fato de que o Copom voltou a alertar sobre o tema fiscal, ao falar da importância do cumprimento das metas para que a política monetária tenha espaço para continuar o ciclo de distensão monetária. Além disso, as projeções de inflação no cenário de referência vieram um pouco abaixo do que esperávamos. Ao replicarmos os modelos do BC, nossas estimativas apontavam a possibilidade de uma alta de 0,3 ponto percentual nas projeções de inflação, mas vimos uma alta de apenas 0,1 ponto.
Valor: E a indicação de manutenção do ritmo permaneceu
Vescovi: Nosso cenário já indicava que o BC iria manter esse passo de redução de juros de 0,5 ponto por algum tempo e o comunicado veio nessa direção. Além disso, o Copom continuou usando o plural ao falar em reduções na mesma velocidade, ou seja, já incluiu pelo menos as reuniões de novembro e de dezembro. Disso se deduz que, neste ano, não haverá uma aceleração do passo na redução dos juros.
Valor: Essa possibilidade ainda está sobre a mesa?
Vescovi: Temos percebido uma dinâmica positiva na inflação de serviços e, consequentemente, nos núcleos. A se persistir esse ambiente, um risco a ser considerado é o de possibilidade de aceleração à frente. No nosso cenário, já prevemos alguma desaceleração da atividade, o que é compatível com a dinâmica de melhora dos núcleos de inflação e com o processo de desinflação. Isso já está contemplado nas nossas projeções, mas se tivermos surpresas no lado inflacionário e alguma viabilidade de melhora do lado fiscal, tudo isso pode aliviar mais o ambiente e gerar mais espaço para uma aceleração. Por enquanto, o passo de 0,5 ponto deve se manter por algum tempo.
Valor: E em relação ao nível final dos juros? O Santander trabalha hoje com a Selic a 9,5% em 2024…
Vescovi: O Copom trouxe algumas questões que vão balizar o nível final dos juros, ou seja, até onde o ciclo pode ir. Ele coloca, obviamente, a dinâmica inflacionária; as expectativas longas de inflação, que estão em 3,5%; as questões do hiato do produto, com uma observação de que a atividade vai desacelerar; e o balanço de riscos. Eu incluiria a questão do diferencial de juros não só em relação aos pares, mas especialmente em relação aos Estados Unidos. Vimos um Fed [Federal Reserve, o banco central americano] mais conservador e esse é um dos componentes que tendem a balizar até onde o BC pode ir com o ciclo.
Valor: É um ponto de atenção no seu cenário?
Vescovi: O que o Fed colocou, durante a entrevista do presidente Jerome Powell, é uma percepção de que, talvez, a taxa de juros neutro pode estar mais alta nos EUA. Acho que essa alta nos ‘dots’ [gráfico de pontos] que vimos nas projeções do Fed para os juros em 2024, apontando que o início da redução das taxas nos EUA pode ser mais tardio do que se espera e tentando guiar os mercados para uma perspectiva mais conservadora, afeta as próximas decisões no Brasil. Temos uma deterioração da perspectiva externa, dado que o próprio Copom cita pontos como os juros longos nos EUA e a desaceleração na China como desvantagens para países emergentes. É uma deterioração do cenário externo.
Valor: A questão fiscal voltou ao comunicado, após ter sido retirada do balanço de riscos em agosto. Como a senhora viu a inclusão?
Vescovi: Agora voltou como um destaque no comunicado. Passa uma percepção de aumento da preocupação com o cumprimento das metas. Nosso cenário, porém, não mudou em relação a isso. Já tínhamos a perspectiva de uma melhora muito tênue do resultado fiscal deste ano e do próximo e víamos uma desaceleração da arrecadação na margem por dois motivos: o processo desinflacionário e a desaceleração esperada da atividade. Além disso, há um aumento das despesas. Apesar disso, estamos vendo a Selic em 9,5% em 2024, sendo que antes projetávamos a taxa a 10%, muito por conta da dinâmica da inflação corrente, apesar da robustez do mercado de trabalho.
Valor: A resiliência da atividade foi citada pelo Copom e, desde a reunião de agosto, há uma discussão sobre um possível aumento do PIB potencial brasileiro. Como o banco tem visto essa possibilidade?
Vescovi: Assim como o presidente do Fed falou muito cuidadosamente sobre a possibilidade de ter, sim, havido um aumento do juro neutro nos EUA, estamos mais nessa linha cautelosa em relação a um PIB potencial mais alto por aqui. O Brasil fez várias reformas e passamos por mudanças que podem ter elevado a produtividade da economia e posso citar os mercados de capitais; a reforma da Previdência; a reforma trabalhista Mas também estamos em um contexto de muitos impulsos. Além disso, observamos uma mudança nas preferências de consumo, que vem do choque da pandemia e começa a se normalizar. Algumas coisas são mais concretas, como o aumento da participação do agro na economia, um setor com muita produtividade, mas nada que dê conta de explicar algo que se altere muito. Acho muito cedo para inferir que, por conta de surpresas positivas na atividade em um contexto de muitos impulsos e mudanças comportamentais, o PIB potencial tenha subido. Temos uma reforma tributária sendo discutida, uma peça importante para ganhos de produtividade. É preciso esperar.
Fonte: Valor Econômico