Enquanto doença cresce no País, medicamentos são descartados e fornecedores desaparecem das licitações
- O Estado de S. Paulo.
- 19 May 2023
- Levimar Araújo É PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES
OBrasil tem 16,8 milhões de adultos com diabetes. É o quarto país com maior incidência da doença no mundo, ficando somente atrás de China, Índia, Estados Unidos e Paquistão. Em diabetes mellitus tipo 1, ficamos em terceiro lugar no ranking global de incidência. Infelizmente, a doença cresce de forma significativa no nosso país e deve comprometer a saúde de 21,5 milhões de brasileiros até 2030, segundo o prognóstico da Federação Internacional de Diabetes (IDF, na sigla em inglês).
Entretanto, os pacientes continuam enfrentando a grave falta de insulina no sistema público de saúde, bem como a carência de apresentações de medicamentos que atendam crianças e adultos de forma eficiente e sem desperdício. Até quando?
Os últimos anos têm sido realmente desafiadores para manter o tratamento adequado e contínuo da enfermidade no País, embora, em tese, ele seja garantido por lei. O isolamento social exigido pela pandemia de covid-19 provocou aumento da incidência de diabetes tipo 2, uma vez que houve restrição da prática de atividades físicas, os hábitos mudaram e a obesidade aumentou. Além disso, também verificamos nos consultórios o aparecimento de casos de diabetes tipo 1 causados pela infecção pelo novo coronavírus, como já apontavam estudos internacionais.
Paralelamente, vivemos uma degradação do atendimento de pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Recentemente, o governo federal descartou 999,7 mil canetas de insulina de ação rápida, um desperdício de cerca de R$ 15 milhões, porque o prazo de validade venceu. Isso ocorre por causa da forte burocracia que envolve todo o processo, desde a prescrição médica até a distribuição e oferta dos medicamentos nas unidades de saúde.
Para ter acesso à insulina pelo SUS, os pacientes precisam ser atendidos por endocrinologistas – um agendamento que pode demorar meses pelo sistema público em algumas regiões do País, como se sabe.
Durante a consulta, o médico precisa preencher um relatório extenso e detalhado com o perfil do paciente e o seu estado de saúde. Se houver eventualmente algum erro, a unidade de saúde não aceita o pedido e o paciente é obrigado a remarcar a consulta e começar o processo novamente. O ideal seria a liberação do medicamento por meio de prescrição mais simples.
Outro entrave é a curta validade da receita médica, que precisa ser renovada periodicamente para que os pacientes tenham o direito de retirar novos frascos de insulina, quando terminam os seus estoques em casa. Vale lembrar que se trata de um remédio de uso contínuo e, em boa parte dos casos, várias vezes ao dia.
Neste contexto, o agravamento da doença avança, aumentando as internações – inclusive em unidades de terapia intensiva –, os casos de cegueira, que poderiam ser prevenidos, as amputações e outras complicações evitáveis se a adesão ao tratamento fosse garantida pela saúde pública e privada.
Para piorar o quadro, não houve empresas interessadas em participar das mais recentes licitações para a compra de insulina rápida, realizadas pelo Ministério da Saúde em agosto de 2022 e em janeiro deste ano. Desta forma, o governo federal teve de abrir uma compra emergencial, em março, de 1,3 milhão de tubetes, para atender o SUS por apenas 180 dias.
Com este enorme contingente de pessoas com diabetes, é inconcebível não termos, ainda, a garantia de um fornecimento consistente e ininterrupto de insulina no País. O Brasil tem um enorme parque industrial farmacêutico, com potencial e tecnologia para promover a produção nacional, considerando os diferentes tipos deste medicamento de que os pacientes necessitam regularmente.
O próprio Ministério da Saúde anunciou, recentemente, a meta de produzir no Brasil, em dez anos, 70% dos medicamentos, vacinas e equipamentos necessários ao SUS. Será um passo importante para fomentar a inovação e o desenvolvimento socioeconômico, bem como reduzir a dependência dos produtos importados, que oneram o sistema e tornam as aquisições mais complexas.
Paralelamente, a expectativa de médicos e pacientes é de que a recém-criada Frente Parlamentar Mista para Prevenção, Diagnóstico e Tratamento do Diabetes possa ajudar a promover políticas públicas que melhorem este quadro no Brasil, reduzindo o impacto sobre os indivíduos e suas famílias e para a sociedade em geral.
Aliás, esta é uma causa de todos – associações de pacientes, sociedades médicas e outras entidades da sociedade civil –, para que possamos, inclusive, melhorar também as iniciativas de prevenção à doença, que cresce exponencialmente.
Portanto, é mais do que urgente rediscutirmos o atendimento a pessoas com diabetes no Brasil, contemplando desde campanhas preventivas até a reavaliação de todo o sistema de produção, fornecimento e distribuição de insulina, em prol dos pacientes e da sustentabilidade do sistema de saúde. Não se pode mais adiar essa discussão.
Fonte: O Estado de S. Paulo