Por Jéssica Sant’Ana — De Brasília
08/04/2024 05h01 Atualizado há 6 horas
As despesas do governo com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) têm crescido em ritmo muito superior ao limite do novo arcabouço fiscal, trazendo mais um elemento de pressão ao Orçamento. Em 2023, houve alta real de 12,4% em relação ao ano anterior e de 17,6% em valores nominais. Em janeiro e fevereiro deste ano, o crescimento real foi de 16,1% e 16,8%, respectivamente, sempre na comparação com o mesmo mês do ano anterior. Os dados do Tesouro Nacional mostram ainda que a despesa com o benefício já se aproxima de 1% do Produto Interno Bruto (PIB).
São alguns fatores que explicam essa alta. Um deles é o aumento do estoque de benefícios, que cresceu 11,3% no ano passado em relação a 2022. Em janeiro deste ano, a alta foi de 11,2%. Eram 5,8 milhões de pessoas recebendo no início deste ano o benefício, pago a idoso a partir de 65 anos com renda igual ou menor que 1/4 do salário mínimo ou pessoa com deficiência de qualquer idade, em mesma situação de renda. Para efeitos de comparação, a média de crescimento do estoque entre 2010 e 2021 foi de 2,5%, segundo cálculo dos economistas Marcos Mendes e Rogério Nagamine.
A alta no estoque pode ser explicada, segundo os especialistas, pelo aumento na concessão dos benefícios, em virtude das ações adotadas pelo governo e pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para acelerar a análise de requerimentos e reduzir a fila de espera. Há, ainda, a hipótese de que mais pessoas estão pedindo o benefício, devido ao envelhecimento da população e pela percepção de que estaria mais fácil obtê-lo.
“Apesar do intuito das medidas ser reduzir a fila, à medida que a concessão de benefícios cresce, mais pessoas tendem a procurar o INSS”, diz Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter. Ela acrescenta que as regras de aposentadoria ficaram mais rígidas com a reforma de 2019, sem equivalência para o BPC, o que leva mais pessoas a procurar o benefício assistencial.
“À medida que regras da Previdência ficaram mais restritas, você acaba empurrando as pessoas para o BPC, que exige comprovação de renda ou de deficiência, mas não exige contribuição”, diz a economista. “De modo geral, os critérios do BPC são bastante lenientes e desestimulam as pessoas a contribuir para a previdência, pois se pode obter um BPC na mesma idade em que se obtém a aposentadoria, pelo mesmo valor de um salário mínimo, sem contribuir”, acrescenta Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper.
Ele também lembra que uma mudança na avaliação para concessão do BPC para pessoa com deficiência, adotada via portaria publicada em outubro de 2021, também ajuda a explicar o crescimento do benefício. “Foram adotados mecanismos automáticos de verificação da condição social dos demandantes de BPC por deficiência que, se aplicados com critérios frouxos, podem ser mais uma fonte de aumento da concessão”, afirma Mendes.
“Critérios do BPC são lenientes e desestimulam a contribuição para a previdência” — Marcos Mendes
Mais recentemente, o Ministério da Previdência Social autorizou a realização de perícia por telemedicina para a concessão do BPC para pessoas com deficiência, o que pode acelerar ainda mais a concessão.
As ações de combate à fraude e revisão de cadastro podem ajudar a reduzir o ritmo de crescimento, mas Mendes e Naganime não observam mudança relevante no padrão de cessação de benefícios irregulares. “Esse sempre foi um benefício difícil de controlar, porque há empresas que se especializaram em demandar o benefício, lançando mão de judicialização para que o benefício seja concedido a quem não se enquadra nos critérios de acesso e, algumas vezes, mediante fraude”, diz Mendes.
Outro fator que afeta a despesa com o BPC é a política de valorização do salário mínimo, já que o benefício tem valor igual ao do piso salarial. A política, implementada em 2023, prevê que os reajustes anuais do salário mínimo passarão a levar em conta a inflação mais a taxa de crescimento real do PIB. Durante o governo Bolsonaro, só havia reposição da inflação.
Quanto maior a despesa com o BPC, maior a pressão sobre o Orçamento federal. Isso porque o novo arcabouço estabelece que o limite máximo para crescimento das despesas do governo é de 2,5% ao ano, em valores reais. Só que o BPC – uma despesa obrigatória – vem crescendo em ritmo muito superior, assim como os benefícios previdenciários, que tiveram alta real de 7,9% em 2023, o que acaba diminuindo o espaço para os gastos não obrigatórios, como investimento e custeio. “Esse crescimento de dois dígitos [do BPC] não cabe no Orçamento”, diz Vitória.
Por outro lado, o governo manteve em R$ 103 bilhões a estimativa de gasto no ano com BPC, número que pode estar subestimado em até R$ 6 bilhões, segundo economistas consultados pelo Valor. O caso, contudo, é um pouco diferente dos benefícios previdenciários, para os quais a avaliação de que há defasagem é unanimidade e pode chegar a até R$ 18 bilhões, conforme mostrou o Valor na semana passada.
A XP projeta que o BPC custará R$ 108,1 bilhões aos cofres públicos neste ano. A diferença de quase R$ 5 bilhões para a estimativa do governo acontece porque o banco calcula um crescimento médio do número de beneficiários de 6% a 7%, ante os 2% a 3% projetados pelo Executivo, explica Tiago Sbardelotto, economista da XP.
O Banco Inter e os economistas Mendes e Nagamine projetam uma despesa da ordem de R$ 109,4 bilhões e R$ 109 bilhões, respectivamente. A ASA Investments, R$ 106 bilhões. A Warren Investimentos, R$ 105,6 bilhões. O BTG é o único entre os consultados que tem a mesma estimativa do governo, de R$ 103 bilhões.
Uma despesa alta do BPC também traz um desafio maior para o governo em busca da meta fiscal. “O BPC é uma despesa de mais de R$ 100 bilhões por ano. Qualquer aceleração tem potencial para piorar o resultado fiscal na casa de dezenas de bilhões”, diz Mendes.
Os especialistas acreditam que a alta do estoque e do nível de gasto veio para ficar, mas dizem que há ações que podem ajudar no controle e melhor focalização dessa política pública. Uma sugestão é a revisão da vinculação à valorização real do salário mínimo.
“Tanto a Previdência quanto os benefícios assistenciais precisam estar desvinculados da política de valorização do salário mínimo, que está vinculada a ganho de produtividade do trabalho. No caso de aposentadoria e benefícios assistenciais, poderia ter correção apenas pela inflação”, defende Vitória. Ela também cita que o governo deveria consolidar os programas de apoio social, hoje dispersos em várias políticas, como o Bolsa Família, o BPC e o seguro defeso.
Mendes também defende uma revisão da vinculação, além de medidas para fechar brechas usadas para judicilização e mudanças nos critérios de acesso ao BPC, para que ele fique mais adequado à realidade de restrição orçamentária do país e ao ritmo de crescimento do novo arcabouço fiscal.
Em nota, o Ministério do Desenvolvimento Social (MSD) afirma que o aumento nos índices de concessões se deu em função das “ações imprimidas fortemente pelo INSS, órgão responsável pela operacionalização do BPC, direcionando toda a sua força de trabalho para analisar os requerimentos represados com vistas a acabar com a fila dos pedidos de requerimentos que se acumulou ao longo dos últimos anos”. “O represamento tem diminuído, e o resultado disso é o aumento dos deferimentos e também indeferimentos”, completa a pasta.
O ministério também afirma que a força de trabalho, até então canalizada em boa parte para o combate às filas, agora “se volta às rotinas de monitoramento e reavaliações do benefício”. “Vale lembrar que os acompanhamentos sistêmicos continuam sendo operacionalizados, e serão otimizados no processo revisional”, diz o MDS, coordenador da política do BPC.
Procurada, a Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (SMA) do Ministério do Planejamento e Orçamento informou que iniciou uma interlocução com o MDS que pode dar inicio a um processo de qualificação cadastral do BPC. “Os trabalhos são ainda preliminares e não há achados e recomendações”, frisou a pasta.
Fonte: Valor Econômico

