Por Anaïs Fernandes — De São Paulo
07/04/2022 05h02 Atualizado há 4 horas
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2022/q/F/PxM7o8TyAqP5BXwg7nsA/arte07bra-101-emprego-a4.jpg)
Após o choque da covid na economia em 2020, alguns indicadores do mercado de trabalho brasileiro, sobretudo em termos de emprego, já haviam retornado aos níveis pré-pandemia no fim de 2021. A constatação não é, necessariamente, uma boa notícia, tanto porque o patamar anterior à crise sanitária já era pior do que o observado antes da recessão de 2015-2016 quanto porque outras dimensões importantes do mercado ainda estavam aquém. Além disso, sem boas perspectivas econômicas à frente, o desemprego deve continuar historicamente elevado, o que impõe ainda mais a necessidade de uma agenda bem desenhada de políticas para intermediação e qualificação da mão de obra.
A análise consta de um trabalho de Fernando de Holanda Barbosa Filho e Fernando Veloso, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), apresentado ao Valor.
Nele, os economistas reforçam que antes mesmo da covid o mercado de trabalho brasileiro se encontrava fragilizado. Após renovar recordes em meio à pandemia, a taxa de desemprego fechou o trimestre encerrado em fevereiro de 2022 em 11,2%. “Até 2014, estava em torno de 6,5%. É como se esse novo normal já fosse bem pior do que o período antes da recessão [2015-2016] e pior, inclusive, do que a média desde 1995 até 2019, de 9,8%. Está voltando, mas para um nível acima do desemprego de longo prazo. Não é motivo para muita comemoração”, diz Veloso.
O horizonte de curto prazo não parece mais promissor. Segundo Veloso e Barbosa, projeções da equipe do Boletim Macro, coordenado por Silvia Matos, indicam lenta redução da taxa de desemprego nos próximos anos, devido ao baixo crescimento da economia. Para 2022 e 2023, a previsão é de uma taxa média de desemprego de 11,9% e 12,6%, pela ordem.
“Não vai ter uma taxa de desemprego caindo e ajudando o governo nessa eleição. Passados quatro anos, não conseguimos retomar o caminho para uma taxa mais baixa como aquela que se esperava ou que as pessoas gostariam, de um dígito”, observa Barbosa.
Na série mensalizada, com ajuste sazonal, do FGV Ibre, a indicação é de certa estabilidade da taxa de desocupação neste início de 2022, aponta Matos, com 11,2% em janeiro e 11,1% em fevereiro.
Até aqui, a recuperação do mercado de trabalho foi cíclica, diz Barbosa. “A taxa de desemprego voltou a cair, a população ocupada está aumentando, mas não vamos ter uma queda substancial do desemprego, vai permanecer em ritmo ainda elevado. Estamos de volta ao normal. Pena que o nosso normal não é muito alvissareiro.”
Em dezembro de 2021, a população ocupada estava 0,5% acima do período pré-pandemia, e a força de trabalho (pessoas ocupadas ou procurando emprego), 0,9% acima. Os pesquisadores reforçam, porém, que a tendência da força anterior à covid era de crescimento. “Simplesmente voltar para o nível não caracteriza uma recuperação completa”, diz Veloso.
Tanto é assim que a taxa de participação (razão entre a força de trabalho e a população em idade ativa, ou seja, com 14 anos ou mais) ainda permanecia, no fim do ano passado, cerca de um ponto percentual abaixo do pré-covid, em 62,5%. “A força de trabalho deveria ter voltado para um patamar acima do pré-pandemia, para manter a taxa de participação constante”, explica Veloso.
Os pesquisadores do FGV Ibre também traçaram projeções para o mercado de trabalho em um prazo maior. Mesmo que o PIB brasileiro crescesse a 3,5% ao ano entre 2024 e 2026, a taxa de desemprego, com ajuste sazonal, chegaria a 10%. “Ainda teríamos um mercado de trabalho bastante debilitado. E acho que ninguém está pensando que vamos crescer tanto nesse horizonte. Isso representa o mercado de trabalho em uma situação ruim por um grande período de tempo”, diz Barbosa.
Supondo um PIB anual de 2,5% no período, a taxa de desocupação iria a 10,7% em 2026. Com PIB de 1,5% – quanto indicadores atuais sinalizam ser o PIB potencial do Brasil, segundo Matos -, o desemprego seria de 11,5%. “Com as informações de hoje, é difícil ter projeções [de PIB] muito acima de 1%. É o padrão que vimos no período anterior, só que 2022 e 2023 é um pouco pior, por causa dos juros altos. É por isso que vemos a volta de muita informalidade”, diz Matos.
O emprego formal estava, no ano passado, 0,5% acima do nível pré-covid, mas o informal já estava 1,2% acima, segundo a série mensalizada com ajuste do FGV Ibre. São considerados informais aqueles que trabalham sem carteira assinada, por conta própria sem CNPJ, empregadores sem CNPJ e trabalhadores familiares auxiliares. Os formais são aqueles com carteira, militares, servidores estatutários, conta própria com CNPJ e empregadores com CNPJ.
Veloso e Barbosa chamam a atenção para a ocupação dos trabalhadores por conta própria, tanto os que não têm CNPJ – crescimento de 10,3% em 2021, ante queda de 10,7% de 2020 -, mas, principalmente, os que têm registro. A ocupação entre esse grupo nem chegou a cair na pandemia (avançou 10%) e subiu mais 13,5% em 2021. No fim do ano passado, o emprego do conta própria com CNPJ estava 21,2% acima do período pré-pandemia, e o do sem CNPJ, 3,9%. Já o emprego do trabalhador do setor privado com carteira ainda estava 0,7% abaixo, e o do sem carteira, apenas 0,8% acima. “Grupos que dependem de alguma relação com empresas não se recuperaram fortemente”, diz Veloso.
A participação do conta própria com CNPJ – uma espécie de “novo formal”, segundo Veloso – ainda é modesta no mercado de trabalho, mas cresceu de 5,1% para 6,6% entre 2019 e 2021. “Está crescendo rápido e achamos que isso pode ter a ver com a reforma trabalhista, novas tecnologias”, nota ele.
A criação de novas modalidades de emprego indica que a legislação e o sistema de proteção social terão de se adaptar para oferecer algum grau de cobertura a esses trabalhadores, sem criar custos excessivos que inviabilizem essas modalidades, ponderam os pesquisadores.
Além disso, Veloso e Barbosa defendem como fundamentais políticas que melhorem a inserção produtiva no mercado de trabalho. Eles sugerem, entre outras coisas, modernizar o Sistema Nacional de Emprego (Sine) e integrar com unidades de atendimento privadas, mapear a demanda antes de criar programas de qualificação profissional e viabilizar contratos de impacto social. “É inevitável que vão ter de ter políticas públicas. A situação do mercado de trabalho é delicada e requer muita atenção e ação”, diz Luiz Guilherme Schymura, diretor do FGV Ibre.
A agenda é difícil, reconhece Veloso, mas factível. “Não tem bala de prata, são várias pequenas mudanças que se somam. E o que gera emprego ao longo do tempo é crescimento econômico. Se quiser aumentar o emprego sem crescer, vai adotar políticas que derrubam a produtividade e têm custo fiscal elevado”, acrescenta Barbosa.
Junto com o crescimento econômico, eles reforçam que aumentar a escolaridade dos trabalhadores também é essencial para essa inserção produtiva, assim como ocorreu nas últimas décadas. Entre 1992 e 2021, a taxa de informalidade diminuiu 7,3 pontos percentuais. Sem as mudanças na composição educacional da mão de obra – ou seja, se ela tivesse se mantido igual à observada em 1992 -, a taxa de informalidade teria tido um expressivo aumento de oito pontos, passando de 55,7% para 63,8%, estimam os economistas.
Essa tendência favorável, no entanto, pode ser negativamente afetada pela grande perda de aprendizagem observada durante a pandemia, alertam eles.
Fonte: Valor Econômico

