Por Roberto Lameirinhas — De São Paulo
05/08/2022 05h03 Atualizado há 3 horas
As medidas econômicas anunciadas pelo superministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, são insuficientes para melhorar a confiança no país, o que seria essencial para reduzir o spread cambial e a inflação, avaliam analistas ouvidos pelo Valor. Para eles, o plano de Massa é mais político do que econômico, pois busca agradar a todos e não traz detalhes de como se pretende reduzir o déficit público e melhorar salários.
A promessa mais importante feita por Massa na quarta-feira à noite, de manter em 2,5% do PIB o déficit público em 2022, foi um dos pontos considerados menos factíveis pelos analistas. “Pela dinâmica atual, o déficit deve chegar neste ano entre 3,5% e 4,0%”, disse o economista e diretor da Perspectiv@s Económicas, Luis Secco. “Ainda que se consiga implementar rapidamente um duro corte de gastos, é difícil crer que isso seria suficiente para gerar a poupança necessária para alcançar a meta fiscal de 2,5% neste ano.”
No primeiro semestre, marcado pelo acordo de renegociação da dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e uma menor pressão inflacionária, a Argentina registrou déficit fiscal de 1,04%. Em 2021, o rombo nas contas públicas foi de 6,1% do PIB.
As propostas apresentadas por Massa para “proporcionar austeridade com inclusão social” foram consideradas contraditórias pelos especialistas. “Os anúncios não foram claros, nem mesmo elabora um cenário econômico preciso”, afirmou o economista-chefe da consultoria Ferrerés & Asociados, Nicolás Alonzo. “Do ponto de vista fiscal, o plano apresentado de corte de gastos com subsídios, por exemplo, vai gerar, se tanto, uma economia de 0,2% do PIB”, disse Alonzo. “Ao mesmo tempo, Massa apresentou uma proposta de abono para aposentados que, se for algo em torno de 10 mil pesos (equivalente a cerca de US$ 75 pelo câmbio oficial), já consumiria 0,05% do PIB, o que inviabilizaria a meta.”
Em linhas gerais, segundo os especialistas, o pacote não traz novidades em relação à atração de novos investimentos e prevê créditos já em negociações com entidades internacionais.
Os mercados não apresentaram ontem reações significativas às medidas anunciadas. Os bônus da dívida argentina em dólar começaram o dia em alta, mas fecharam em baixa de até 3,7%. O dólar no mercado paralelo (blue) caiu 7 pesos, para 291 pesos. O risco-país também registrou uma queda marginal, para 2.438 pontos.
Fora da Argentina, dois dos maiores bancos de investimento do mundo, o JP Morgan e o Goldman Sachs qualificaram o plano de Massa como “frágil e superficial” e argumentaram para a necessidade de um forte ajuste cambial, uma vez que a taxa oficial do peso estaria sobrevalorizada.
“O governo argentino precisa apresentar políticas mais disciplinadas, que estabeleçam um caminho confiável para uma gestão fiscal estruturada e uma política de câmbio que reflita os fundamentos macroeconômicos”, afirmou o Goldman Sachs, defendendo a desvalorização para reduzir o spread entre o dólar oficial e o paralelo – que em julho chegou a 190%. “O plano [apresentado por Massa] carece de consistência e está muito abaixo do que se exige para estabilizar a crítica situação econômica atual”, aponta o JP Morgan em relatório para clientes.
“Um dia depois da apresentação do plano pelo novo ministro, os economistas argentinos ainda debatiam se ele tinha caráter ortodoxo ou heterodoxo”, disse o diretor-geral para o Cone Sul da consultoria LLYC, o argentino Mariano Vila. “A verdade é que há elemento mistos no pacote e ainda será necessário um período de acomodação para que se tenha uma avaliação mais precisa sobre suas chances de sucesso.”
A maior parte dos analistas ressaltava que as medidas que podem ser consideradas de maior austeridade no pacote de Massa são muito similares às defendidas pelo ex-ministro da Economia Martín Guzmán – que renunciou em 2 de julho, depois de enfrentar ferrenha oposição da vice-presidente Cristina Kirchner. No caso, do atual superministro, no entanto, a perspectiva de uma oposição da ala kirchnerista do governo parece ser menor.
“É importante levarmos em conta o contexto da situação”, explicou o analista político argentino Sergio Suppo. “A chegada de Massa a um Ministério da Economia reforçado – que engloba as pastas de Produção e Agricultura – se dá em meio a um cenário muito critico tanto do ponto de vista político quanto do econômico.”
“Cristina Kirchner é a líder majoritária do espaço político na coalizão de governo, mas não é a líder absoluta. Além dela e do presidente Alberto Fernández, Massa é o terceiro sócio dessa aliança pela qual o peronismo se reunificou”, disse. “Mas a deterioração do quadro econômico, com o aumento da inflação e da pobreza, deixa o peronismo ameaçado para as eleições de 2023”, explicou Suppo. “E é incontestável que Massa é um articulador habilidoso e tem mais respaldo do que tinha Guzmán para adotar medidas mais duras.”
Fonte: Valor Econômico