Por Adriana Cotias — De São Paulo
11/07/2022 05h02 Atualizado há 3 horas
Aos 42 anos, Roberto Lee fechou a terceira venda de uma corretora que começou do zero. O fundador da americana Avenue Securities encontrou no Itaú Unibanco um sócio de peso que vai caminhar lado a lado nos próximos anos para aquilo que ele considera o novo capítulo da competição do mercado financeiro no Brasil, depois da etapa da “desbancarização”: a internacionalização. Com a chancela do “bancão”, o executivo espera repetir o feito observado no movimento de migração para as plataformas de varejo, acelerado justamente quando o conglomerado entrou no capital da XP.
A transação, anunciada na sexta-feira, foi repartida em três etapas. Começa com uma fatia de 35% do negócio; em dois anos, prevê a cessão do controle, com a transferência de mais 15,1%; e, adiante, há uma opção para o Itaú assumir a totalidade do negócio, num prazo de cinco anos. Na fase pré-aporte, a Avenue foi avaliada em R$ 1,25 bilhão, o mesmo valor da rodada de US$ 30 milhões liderada pelo fundo de América Latina do SoftBank, no ano passado. O Itaú vai pagar R$ 493 milhões referentes a uma tranche primária, de R$ 160 milhões, que vai para o caixa da Avenue, com o restante, R$ 333 milhões, para o bolso dos acionistas.
Foi esse arranjo que encheu os olhos de Lee, frente a outras propostas que começou a ouvir quando venceu a arrebentação e passou a atrair o investidor brasileiro para a compra direta de ativos no exterior. “Houve generosidade no ‘deal’ para fazer longo, pelo desenho da nossa partnership. Dá tempo para ganhar solidez e divide, coleta lá na frente”, afirma Lee. “São 52 sócios, mas é uma partnership jovem, tem sócio que acabou de entrar, nem deu tempo de conhecer. Quando alonga, permite que todo mundo colete valor.”
O evento de liquidez cinco anos após fundar a Avenue veio num prazo que ele imaginava, admite, porque acreditava que o problema da indústria não era de cliente. “A demanda por investimento internacional sempre existiu, mas no Brasil, no mundo financeiro, não é a demanda que guia o caminho do mercado, mas a oferta”, diz. Vencida a barreira do brasileiro de investir via plataformas abertas, a sua tese é que naturalmente aumenta a chance de conhecer e compor a carteira com ativos internacionais. A virada do ciclo monetário “mascara a demanda, mas ela continua lá, a oferta acontecendo o mercado catalisa. Precisava ter uma instituição financeira grande participando, senão permaneceria como investimento de nicho”.
Para o executivo, com a categoria investimento no exterior ganhando legitimidade, todos os outros participantes vão ter que se mover nessa direção. “A queda das fronteiras muda para sempre a indústria. Quando entra crédito, seguros, aumenta a penetração no mundo globalizado e isso traz competitividade.” Lee diz que o capítulo da “desbancarização” é passado, já tem o seu vencedor, e que um novo ciclo está começando, com a internacionalização. É um momento em que a maioria começa com zero. “A gente vinha sendo questionado como competir com caras como BTG e XP, que iam pegar tudo. Mas, ao montar uma estrutura, todo mundo tem que correr atrás. Quando muda o capítulo da competição, bagunça o jogo.”
Ao reviver a sua trajetória profissional, Lee diz que tudo faz parte de uma mesma história, de atuar na construção da infraestrutura de mercado, seja a tecnologia, seja pensar em pesquisa, educação financeira, com foco inicial nos clientes mais ricos para depois descer para o varejo, ou mexer as peças para estar aderente à regulação. Já ter feito isso no mercado americano, sob o olhar da vigilante Securities and Exchange Commission (SEC, a CVM dos Estados Unidos), se traduz em pelo menos três anos à frente da concorrência.
Com um time de cerca de 300 pessoas, o executivo diz que aquela fase de expansão da estrutura e do quadro de pessoal já foi feita e que agora a Avenue entra numa etapa de ganho de eficiência. Ao lado do Itaú, o plano de construir uma plataforma de investimentos local completa fica adormecido – o entendimento é que a Avenue cria muito mais valor ao canalizar esforços para a infraestrutura nos Estados Unidos. “O problema [na oferta de produtos financeiros] no Brasil já está resolvido.”
Há quem diga que Lee tenha idealizado a Avenue porque queria morar na Flórida, nos Estados Unidos. Numa conversa virtual de pouco mais de uma hora com o Valor, o executivo ri da provocação, diz que “tudo era uma desculpa para Miami”, mas que o que começou a observar nos seus tempos na XP, lá em 2016, era que a captação de dezenas de milhões saltara para dezenas de bilhões de reais, e que o sistema financeiro brasileiro não comportaria a liquidez, algo que ficou flagrante quando os juros começaram a cair e uma “série de maluquices” em produtos financeiros surgiu. “Depois que ‘desbancariza’, precisa buscar o exterior, na hora que abre a plataforma [para produtos de terceiros], o ‘capacity’ não é mais interno, é internacional.” A dúvida era o quando.
Lee recorda que, na época em que vendeu a Clear para a XP, a corretora abria 15 contas por dia e era muita coisa. “O Brasil não é um país rico, mas movimenta grande quantidade de dinheiro, o sistema financeiro precisa ganhar o mundo e isso só acontece quando as pessoas saem da poupança para instrumentos mais sofisticados. Quando a gente viu o problema na indústria, foi o passo para a construção do acesso no exterior.”
O executivo se mudou para Miami há cinco anos com a mulher, dois filhos e dois boxers. “A Avenue era um projeto da XP, mas a escolha foi importar o mercado, e sempre acreditei no acesso direto porque, quando coloca intermediário, tira o cliente do centro, perde rentabilidade. Investir em BDR, ‘feeder fund’, ok, é uma forma de fazer, mas é ineficiente porque penaliza o investidor final”, diz Lee.
Em maio, a XP anunciou a sua entrada no mercado internacional com uma conta americana que será integrada ao seu app. O Bradesco comprou o BAC Florida em 2019 e, no fim do ano passado, inaugurou a Bradesco Invest US, a fim de democratizar o acesso a ativos estrangeiros com a mesma simplicidade de uma conta local.
A Avenue nasceu em meados de 2017 e está operacional há três anos. Reúne cerca de 500 mil clientes e pouco mais de R$ 6 bilhões em custódia. Com o empurrão do Itaú, Lee cita que o mercado potencial, após as aprovações regulatórias, passa de alguns milhões para dezenas de milhões de clientes imediatamente. E que, após o aval, rapidamente consegue conectar a Avenue ao app da íon, a plataforma de investimentos do Itaú. “Hoje a gente conversa com um público que tem tolerância para uma marca mais nova, que tem entre 25 e 35 anos, mas com menos intimidade com investimentos. Se conectar uma base mais qualificada, a conversa fica mais fácil com outros clientes do mercado também”, diz.
Ele diz ser difícil estimar que pedaço da poupança do brasileiro pode ser exportado, mas acha que no tempo há potencial para se chegar à metade do patrimônio para alguns perfis. “Seja 5%, 10% ou 1% já é muita coisa, e acredito que a gente consiga capturar a maior parte desse market share. A aliança [com o banco] traz uma liderança importante, resta saber se vai ser capaz de executá-la.”
Foi na transação em que o Itaú comprou 49,9% da XP, em 2017, avaliando a companhia em mais de R$ 12 bilhões, que Lee recebeu o dinheiro usado para colocar a Avenue de pé. O executivo tinha vendido a Clear para a XP em 2014, por R$ 90 milhões, e se tornou sócio da plataforma, onde foi responsável por tecnologia e marketing.
Ao deixar a XP, ele se juntou a outros executivos com grande vivência no mercado financeiro, a exemplo de Carlos Ambrósio, que foi presidente da Anbima e fundou a Claritas, vendida para a Principal. Atraiu também Alexandre Aoude (ex-Itaú), Patrick O’Grady (ex-XP e BTG) e Paulo Lemman, o trio que fundaria a Vectis Partners, e investiu na operação no momento zero, “quando era ainda uma apresentação de Power Point”, disse O’Grady em entrevista recente.
Já o Itaú teve seu plano frustrado de aquisição do controle da XP numa etapa posterior, por causa das condições impostas pelo Banco Central e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para aprovar a transação. O negócio deixou de ser estratégico para o banco e a decisão foi cindir a participação e distribuí-la aos acionistas. Ao mesmo tempo, o Itaú investiu na repaginação da sua corretora, com a íon, e ficou livre para aquisições, a exemplo da compra da Ideal, em janeiro.
Já na infância, o sonho de Lee era ser operador, influência do pai que foi dono de uma corretora, que ficava na Alameda Santos, em São Paulo, a uma curta distância do Dante Alighieri, onde estudou. “Cresci visitando o pregão, brincava no cofre da corretora, já desenhei em cautela”, lembra, referindo-se ao documento que representava investimentos, numa época em que os processos eram manuais. “A mecânica hoje é a mesma, só que tudo agora é digital.”
Formado em administração, Lee foi estagiário no pregão viva voz da bolsa. Ficou um ano, mas odiou a função. Foi “o primeiro coração partido” da carreira, mas ali ele viu toda a mecânica do mercado financeiro acontecer, em modo analógico, desde a execução das ordens, o “back-office”, até a liquidação das operações. Entre 1997 e 1998, em meio à onda de empresas “pontocom”, foi morar na Inglaterra e lá conheceu um executivo que o convidou para trabalhar na Patagon, uma das primeiras corretoras digitais que surgiram no Brasil. Com origem na Argentina, o negócio aspirava fazer a oferta de fundos estrangeiros e ações listadas nas bolsas da Argentina, Chile, México e Estados Unidos. Era uma iniciativa contemporânea à do Investshop, de onde sairia Guilherme Benchimol, o fundador da XP.
Na bolha das novatas de tecnologia, em 2001, quando a Patagon “foi para o vinagre”, Lee foi desenhar a arquitetura de produtos eletrônicos da Ágora, no tempo da internet discada. Com um bônus que recebeu, fundaria a WinTrade, em 2005, o home broker da Alpes Corretora. Foi um dos primeiros serviços a cobrar corretagem fixa, de R$ 20 – depois R$ 5, quando surgiu o mercado fracionário. A casa chegou a ter 20 mil clientes nos anos 2000, mas o número de funcionários era descontrolado, diz.
A WinTrade foi uma das responsáveis por popularizar as negociações de ativos via internet, durante a safra de ofertas públicas iniciais (IPO) de ações. Anúncios de página inteira nos jornais, com o jogador Kaká como garoto propaganda, dão a dimensão da exposição que teve. O Brasil Plural depois assumiria a operação.
Lee foi empreender de novo, ao lado dos sócios José Luiz Rosseto e Mauro Benati, que saíram da Alpes para montar a Clear Corretora, em 2010. “A gente capturou todo o mercado, atingiu o ‘breakeven’ [equilíbrio financeiro] muito rápido.” A instituição foi uma das que inauguraram a guerra da corretagem zero nas transações da BM&F, em meio à avaliação de que o mercado não crescia porque era tudo caro demais. “Deu tudo errado, a infraestrutura não estava pronta para essas mecânicas, não tinha escala nem outras fontes de receita.”
Após o IPO da Bovespa e da BM&F, as corretoras estavam muito capitalizadas, mas não conseguiram em geral investir na modernização da infraestrutura tecnológica. Na jornada de tentar consolidar e comprar outra corretora, a Clear acabou sendo adquirida pela XP em 2013, sete meses depois de se tornar operacional.
A aquisição do controle da Avenue pelo Itaú Unibanco não prevê, por ora, a saída de investidores capitalistas que apoiaram a operação. Nomes como Igah e SoftBank, que entraram nas rodadas séries “A” e “B”, permanecem de forma linear, sendo diluídos. A gestão Avenue segue independente, não haverá mudanças na equipe nem o endereço na charmosa Coconut Grove, um “cenário mais ‘hype’, com vento vindo do mar, uma sensação de Rio de Janeiro, sexta à tarde”, descreve o executivo.
Carlos Constantini, executivo-chefe de gestão de riqueza do Itaú, que conduziu as negociações ao lado da área de fusões e aquisições do banco, contou na conferência de imprensa que, como CEO e chefe do private internacional, entre janeiro de 2017 e dezembro de 2018, em Miami, acompanhou a evolução da corretora americana, embora seu mandato fosse cuidar de clientes com outro perfil. “A gente sempre teve curiosidade com a Avenue, que já estava rodando e tinha encontrado não só um novo negócio, mas uma nova indústria, abrindo uma nova estrada.”
Constantini comentou que, mesmo que os reguladores dessem aval para o banco adquirir o controle da XP, a conversa com a Avenue ocorreria. “Temos o objetivo de preencher a melhor oferta para o cliente o tempo todo e a gente vem reagindo a qualquer circunstância de mercado”, disse. “Essa decisão, em particular, ia tomar de qualquer forma porque nenhum outro player tem essa solução, faria sentido independentemente de qualquer outra configuração possível. Arrisco dizer, num exercício de especulação, que qualquer cenário que fosse, estaríamos olhando para a Avenue. Tenho certeza de que não fomos os únicos a bater na porta do Lee.”
Lee confirma, sem abrir os nomes, mas nenhuma proposta o balançou. “As conversas começaram e terminaram muito rapidamente”, diz. “O problema é correr atrás de cara grande. Quando o cara grande é que corre atrás, você tem a condição privilegiada de não ter pressa.” Se o Itaú não exercer a opção de compra das ações remanescentes da Avenue em cinco anos, uma das saídas é a listagem em bolsa via uma oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês).
Fonte: Valor Econômico

