Uma mudança nas alocações de grandes fundos estrangeiros vem puxando para baixo os “spreads” (diferença entre as taxas pagas pelo título e sua referência) dos papéis emitidos por empresas brasileiras no exterior. Estudo do BTG Pactual mostra que os rendimentos caíram 0,2 ponto percentual no primeiro trimestre e, em média, estão 0,3 ponto de seus equivalentes no mercado local, que, por sua vez, passaram por um forte aperto nos últimos meses, com taxas em níveis pré-pandemia. Segundo o relatório, dos 22 “bonds” avaliados, somente cinco estão com retorno acima do verificado internamente. Entre os demais 17, depois de convertidos para real, a diferença para seus correspondentes no país chega a 1,47 ponto percentual, caso do papel da Usiminas com vencimento em 2026.
Segundo Thomas Tenyi, autor do estudo, desde que os títulos do Tesouro americano com vencimento em dez anos atingiram o pico, no último trimestre do ano passado, as taxas se estabilizaram e os olhos se voltaram aos mercados emergentes, o que contribuiu para um fechamento maior dos “spreads” do que o visto no mercado doméstico. “Quando o investidor estrangeiro sai dos títulos ‘high grade’ [de baixo risco] americanos, ele vai olhar os de classificação ‘high yield’ [de maior risco e retorno] ou os emergentes. Como os spreads dos ‘high yield’ dos Estados Unidos também diminuíram muito, os emergentes ficaram mais atraentes”, afirma.
Com a Rússia fora do jogo e a China enfrentando desafios em sua economia, o Brasil se sobressaiu. Eduardo Alhadeff, sócio e gestor de crédito da Ibiuna Investimentos, explica que o movimento começou em novembro e ganhou força a partir da metade de janeiro, mas, ao contrário do que se poderia esperar, a demanda não vem de fundos dedicados a mercados emergentes. Segundo ele, o grosso das compras é feito por fundos estrangeiros em geral. “Se compararmos as taxas dos títulos brasileiros no exterior com as de empresas similares dos mercados desenvolvidos, do mesmo setor e rating, a distância ficou grande. Esse prêmio a capturar leva os gestores a alocarem nos papéis de emergentes mesmo que não façam parte de sua estratégia padrão.”
O executivo dá como exemplo a mais recente emissão brasileira no exterior, a da Votorantim, que captou na semana passada US$ 500 milhões com vencimento em 2034, sendo que a demanda teria chegado a US$ 4 bilhões. O spread sobre os títulos americanos, previsto inicialmente em 2 pontos, ficou em 1,7 ponto. “Cerca de 70% das ordens de compra vieram desse tipo de investidor.” De acordo com Alhadeff, os fundos dedicados a emergentes acabam não tendo grande interesse por essas operações porque, frente a outras economias em desenvolvimento, o “spread” brasileiro está baixo.
“Nossos fundos buscam esse diferencial entre spreads de papéis de mesmo risco no mercado local e no exterior”, comenta Vivian Lee, também sócia e gestora da estratégia de crédito da Ibiuna. No crédito doméstico, afirma, a estratégia vem sendo reduzir o risco da carteira. Desde janeiro, as mudanças regulatórias do setor espremeram as taxas em 0,5 ponto em média. E, no mercado externo, Alhadeff explica que o tamanho das posições está menor, já que o retorno abaixo da média histórica significa um colchão de segurança também baixo.
“Está difícil vislumbrar uma variável que faça os mercados piorarem muito. Não tenho mapeado algo que possa causar problemas, e são justamente os fatores surpresa que marcam preço. Se eu tivesse uma visão mais precisa, estaria com mais risco do que tenho hoje.”
Até março, o volume captado por empresas brasileiras no exterior chega a US$ 10 bilhões, e a estimativa é que supere US$ 20 bilhões no ano, 30% acima do registrado em 2023. As operações vistas com mais frequência têm ficado entre US$ 400 milhões e US$ 1 bilhão. “É um cenário que chama a atenção para a oportunidade. Se tem dívida vencendo, por exemplo, vale rolar. O mercado offshore dá prazo e profundidade, com prazos de sete a dez anos que só agora começam a ser vistos com mais frequência no Brasil”, diz Tenyi.
O total brasileiro a vencer em 2024 é de US$ 3,4 bilhões, conforme dados do J.P. Morgan. Parte dos recursos obtidos pela Votorantim será usada para recomprar papéis que venceriam em 2027.
Outra empresa que já aproveitou a janela do início deste ano foi a Ambipar, levantando US$ 750 milhões em sua estreia no exterior com títulos verdes de sete anos. A intenção inicial era obter US$ 500 milhões, mas a companhia aumentou a operação diante da demanda, que totalizou US$ 1,75 bilhão. No fim de fevereiro, a Raízen Energia emitiu “bonds” com prazo de 10 e 30 anos, sendo que para a mais longa a demanda chegou a 7,7 vezes o valor ofertado. Além das duas empresas, Tesouro Nacional, Cosan, Azul, CSN, FS e 3R Petroleum fizeram operações no mercado americano.
Tenyi aponta algumas distorções, principalmente em títulos emitidos recentemente, como 3R e a própria Ambipar, assim como em papéis mais antigos, como da Stone, Cemig e Eletrobras. “Mas há apetite por emissões novas, porque está entrando dinheiro em fundos estrangeiros que têm exposição a mercados emergentes.”
Outros exemplos do relatório são os “bonds’ da Braskem com vencimento em 2028, cujo retorno está 1,27 pontos percentual abaixo do oferecido pelas debêntures locais com vencimento parecido; os da BRF com vencimento em 2026 (1,07 ponto); os da CSN com vencimento em 2028 (1,07 pontos abaixo); os da PetroRio de 2026 (1 ponto menor quando convertidos); e os da Rede D’Or com vencimento em 2028 (0,67 ponto menor).
Fonte: Valor Econômico

