Por Mônica Scaramuzzo — De São Paulo
21/12/2022 05h01 Atualizado há 6 horas
Um dos apoiadores da candidatura da senadora Simone Tebet (MDB-MS) à presidência da República, Pedro Wongtschowski vê o início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva mais difícil que a primeira gestão do presidente petista em 2003. “A situação hoje é bem mais difícil, com o espaço de manobra menor, mas ainda assim creio que o governo vai, em curto espaço de tempo, propor algum tipo de âncora fiscal, alguma regra – certamente distinta do teto de gastos – para definir a evolução da dívida pública”, diz Wongtschowski, presidente do conselho de administração do Ultra. Ele deixará o cargo em abril de 2023, dentro de um processo planejado de sucessão no grupo.
Sondado pelo novo governo para assumir o ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Wongtschowski não deve aceitar o convite de Lula. Perguntado sobre o tema, ele não quis comentar o assunto. Ele já tinha dado sinais de que não faria parte do futuro governo, quando foi consultado pela equipe transição no início de dezembro, segundo fontes ouvidas pelo Valor. Na semana passada, Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), também recusou o convite.
O ex-presidente do Instituto de Estudo para o Desenvolvimento da Indústria (Iedi) fez parte do núcleo duro da campanha da emedebista e foi responsável pelo programa de Ciência, Tecnologia e Inovação da senadora. No segundo turno, ele decidiu apoiar Lula.
Apesar de discordar das diretrizes da política industrial do futuro governo – Wongtschowski defende um processo de integração do Brasil ao mundo para a modernização da indústria -, ele vê os programas de Lula na área social e ambiental na direção correta. “Deixem o homem governar. No passado, Lula sempre foi fiscalmente responsável.” A seguir, os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: O mercado financeiro não reagiu bem às indicações de Fernando Haddad para comandar o ministério da Fazenda e de Aloizio Mercadante para a presidência do BNDES. Como o senhor avalia as primeiras nomeações de Lula?
Wongtschowski: Julgo equivocada a reação do mercado aos atos recentes do presidente Lula, incluindo a indicação de Fernando Haddad para o ministério da Fazenda e de Aloizio Mercadante para o BNDES. Em primeiro lugar, Lula foi eleito presidente e tem o direito e a obrigação de implantar o programa que apresentou ao país. O fato de ter se formado uma frente no segundo turno para combater o atraso, a destruição do meio ambiente, o negacionismo climático, o isolamento do Brasil e outros males, não muda a realidade de um candidato de esquerda ter ganhado a eleição. E o programa dele prevê ações corretas na área social e na questão ambiental.
Valor: O senhor foi convidado para comandar o MDIC?
Wongtschowski:Não vou comentar esse assunto.
Valor: Como o senhor tem avaliado as diretrizes para a política econômica e para a indústria?
Wongtschowski: Na economia e na indústria, o programa [do novo governo] tem posicionamentos distintos dos meus. Julgo, por exemplo, que devemos começar um processo de integração do Brasil ao mundo, permitindo a modernização da indústria de transformação brasileira. Não acredito no sucesso das tentativas de se voltar a investir na criação de um grande parque de indústria naval. Levaria décadas para ter escala e ser competitivo e custaria muito caro. Julgo que a reforma trabalhista deve ser mantida e, se possível, ampliada, pois ela protege o emprego e não o contrário. Mas o Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil que foi escolhido pela maioria da população brasileira é o da Coligação Brasil da Esperança e prevê várias destas ações com as quais muitos dos que nele votaram não concordam. Mas é o programa vitorioso e isso tem que ser respeitado. Os limites da realidade vão acabar por se impor.
A situação hoje é bem mais difícil, com o espaço de manobra menor, mas ainda assim creio em algum tipo de âncora fiscal“
Valor: As indicações de Haddad para compor sua equipe econômica podem desfazer o mau humor do mercado em relação a ele?
Wongtschowski: Haddad colocou as contas da prefeitura de São Paulo em ordem. Ao fim de seu mandato, a cidade conseguiu ser “investment grade”. Provavelmente não se reelegeu por não ter feito concessões ao populismo. A inclusão, por exemplo, de Bernard Appy na sua equipe mostra coerência com as suas posições anteriores. Appy é um grande especialista em reforma tributária e saberá conduzir muito bem o processo no Congresso. Também vejo com satisfação a ênfase que o futuro ministro dará para as parcerias público-privadas, instrumento importante para viabilizar investimentos em muitas áreas tradicionalmente ocupadas pelo setor público.
Valor: Há uma preocupação do empresariado e do mercado em relação ao papel do BNDES no governo Lula. O que o senhor espera?
Wongtschowski: Mercadante será um presidente responsável no BNDES. Ele fala corretamente em priorizar inovação, exportação, economia verde e financiar pequenas e médias empresas. Explicitamente indica posições que implicarão em uma gestão cuidadosa. Espero que o BNDES continue a apoiar os Estados e municípios em seus esforços de montagem de parcerias público-privadas.
Valor: O mercado financeiro e o setor privado não estariam dando o benefício da dúvida para Lula?
Wongtschowski: Deixem o homem governar. Afinal, ele foi eleito e ainda não assumiu o poder. Vamos ter um pouco de paciência e aguardar o início de seu governo. No passado, Lula sempre foi fiscalmente responsável. A situação hoje é bem mais difícil, com o espaço de manobra menor, mas ainda assim creio que o governo vai, em curto espaço de tempo, propor algum tipo de âncora fiscal, alguma regra – certamente distinta do teto de gastos – para definir a evolução da dívida pública.
Valor: A gestão ambiental do presidente Jair Bolsonaro (PL) foi muito criticada aqui dentro e fora do país. Como vê daqui para frente?
Wongtschowski: Tenho certeza que haverá uma grande reversão no tratamento que atualmente o governo federal na questão ambiental e climática. A presença das ex-ministras do Meio Ambiente, Marina Silva e Izabella Teixeira, e do ex-governador do Acre e senador Jorge Viana (PT) no grupo de transição dão a garantia de que as medidas a serem tomadas implicarão na reversão das ilegalidades que hoje dominam a Amazônia legal. O esforço será em criar alternativas legais e sustentáveis para dar emprego digno na região.
Valor: Quais devem ser as prioridades do novo governo?
Wongtschowski: Promover a integração do Brasil ao mundo, com uma abertura comercial planejada que permita a modernização da indústria brasileira, especialmente rumo a digitalização e a sustentabilidade. O investimento em educação, inovação, além de uma reforma tributária que simplifique a vida das empresas e distribua mais equitativamente o ônus tributário entre a agricultura, os serviços e a indústria.
Fonte: Valor Econômico

