Por Sérgio Tauhata — De São Paulo
26/08/2022 05h01 Atualizado há 6 horas
A queda recente da inflação trouxe uma reviravolta ao mercado de fundos imobiliários. Em menos de 30 dias, o índice do segmento na B3, o Ifix, saiu de um patamar de estagnação para um ganho de 4,6%, puxado pelos portfólios com ativos físicos, como lajes, shoppings e galpões, os chamados “fundos de tijolo”.
Gestores ouvidos pelo Valor se disseram surpresos com a velocidade com a qual o mercado antecipou uma recuperação esperada para o fim do ano. Nos cenários de várias casas que perduraram até o fim de julho, a volta dos fundos de tijolo ao radar dos investidores ocorreria quando o fim do ciclo de alta da taxa básica Selic já estivesse consolidado e os dados trouxessem mais clareza sobre a perspectiva do início dos cortes de juros pelo Banco Central.
A deflação vista em julho e a perspectiva de novo recuo do IPCA na leitura de agosto, no entanto, funcionaram como uma espécie de gatilho para uma maior inclinação ao risco. “A deflação afetou os rendimentos dos fundos imobiliários de CRIs [certificados de recebíveis imobiliários]”, apontou o gestor de fundos imobiliários (FIIs) da Galápagos, Felipe Solzki. “Os chamados fundos de papel [que alocam em CRIs], que estavam sustentando o Ifix no território positivo até julho, passaram a se tornar uma preocupação para alguns investidores”, acrescentou.
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Segundo o gestor, a melhora do cenário e uma percepção da possibilidade de início do ciclo de queda da Selic entre o segundo e o terceiro trimestres de 2023 têm levado os investidores a olhar os grandes descontos que ainda existem nas categorias de tijolo. Mesmo com a alta recente, Solzki aponta para uma diferença de 15% a 25% no valor das cotas de FIIs negociados na bolsa em relação ao valor patrimonial.
Levantamento da Hedge Investments para o Valor mostra que a categoria de fundos de CRIs que fazem parte do Ifix exibia, no agregado de valorização de cotas e rendimentos distribuídos, uma alta de 4,04% em 2022 até o fim de julho. Esse ganho, praticamente, sustentou o referencial dos FIIs listados no terreno positivo no período, com alta de 0,33%.
Entre janeiro e julho, o conjunto de fundos imobiliários de lajes corporativas e escritórios do índice da B3 acumulou queda de 9,51%, considerando-se a combinação da variação das cotas com o rendimento distribuído. Quando se observa apenas o valor das cotas, os FIIs focados em espaços de locação empresarial apresentaram recuo de 14,18%.
A categoria de shoppings, por sua vez, acumulou elevação de 2,16%, na combinação cotas e rendimentos. Porém os FIIs com centros de compras nas carteiras apresentaram queda de 11,86% nas cotas no período.
Em agosto, tudo mudou. Os fundos de CRIs registraram recuo de 0,29% no mês até dia 23. Enquanto isso, os FIIs de lajes subiram 11,81%; os de shopping, 9,31%; os logísticos ganharam 6,17%, e os de renda urbana, que investem em lojas, supermercados, escolas e outros estabelecimentos, avançaram 7,08%.
Em agosto, tudo mudou. Os fundos de CRIs caíam 0,29% no mês até dia 23, enquanto os de “tijolo” subiam
A valorização dessas categorias se concentrou no avanço dos preços das cotas. Os fundos de lajes apresentaram variação positiva nesse quesito de 10,96% em 23 dias de agosto. Os de shoppings subiram 8,52%. Os de galpões logísticos avançaram 5,37% e os de renda urbana, 6,09%, conforme o levantamento da Hedge.
“Há uma expectativa mais forte de estabilização ou queda da inflação nos próximos trimestres e, ao mesmo tempo, que os juros, talvez, tenham subido para um patamar muito alto”, afirma o CEO da Hedge, André Freitas. “Então, a recuperação e a volta do interesse [de investidores] pelos fundos de tijolos tendem a ser mais rápidas e fortes.”
Segundo o executivo, há investidores institucionais e qualificados voltando a montar posições em FIIs, algo que não se via há algum tempo. Com a perspectiva de fim de ciclo de alta da Selic, afirma, “agora a discussão passa a ser quando a taxa básica começa a cair e quanto tempo vai ficar nesse patamar, uma vez que as condições mostram que o ciclo de baixa pode até começar antes do esperado”.
Freitas observa que, conforme os números de consenso do mercado refletidos na pesquisa Focus, do BC, indicam expectativa de inflação menor que 6% nos próximos 12 meses. “Ainda que sejam elevados, são números muito diferentes do que vínhamos acompanhando nos últimos meses [com IPCA anualizado em dois dígitos] e as expectativas estão baixando”, diz. “Vamos chegar no primeiro trimestre de 2023 com dados mais suaves de inflação e um juro real de mais de oito pontos percentuais. Por mais que o BC tenha dito que pretende manter a taxa por um tempo mais longo, nesse patamar, não sei se vai conseguir.”
O aumento da inclinação ao risco, diante da perspectiva de que a desvalorização dos FIIs atingiu um piso, tem levado investidores a querer aproveitar o potencial ganho de capital dos fundos de tijolo, que negociam com descontos elevados. Mesmo com a subida recente, o sócio da RBR, Bruno Nardo, afirma ainda existir descontos de até 25% em fundos imobiliários com fundamentos sólidos. “Os ‘valuations’ estão extremamente convidativos”, afirma. “Vimos muitos fundos que, apesar de apresentar resultados consistentes, se desvalorizaram nos últimos 12 a 18 meses”, acrescenta. “Há muita gente que ainda está vendendo portfólios de ativos físicos para comprar um dividendo mais gordo trazido pelos fundos de papel. Agora com perspectiva de inflação mais controlada no segundo semestre, parte desses investidores está migrando para o tijolo.”
Na avaliação do sócio e gestor da Devant, Christiano Moreira, “em um cenário de arrefecimento do IPCA e perspectiva de fim de ciclo de aperto monetário, os fundos de tijolo estão bem posicionados porque têm correlação negativa com taxa de juros”. Segundo ele, junto com a Selic o comportamento do PIB é um dos principais vetores de influência para as cotas dos fundos imobiliários. “Já temos oito semanas de melhora consecutiva nas projeções para a atividade neste ano, então acaba sendo uma notícia importante para os FIIs de tijolo.”
Moreira chama a atenção ainda para outra variável que tende a impulsionar o valor das cotas de fundos com ativos físicos no médio e longo prazos. Segundo o sócio da Devant, o custo de reposição, ou seja, o valor para se erguer um imóvel do zero, subiu muito nos últimos meses e a elevação ainda não foi totalmente repassada pelas incorporadoras.
Para Moreira, “quando a vacância [taxa de desocupação dos edifícios] começar a diminuir, o novo estoque [de imóveis comerciais] vai chegar com um valor bem mais alto”. Nesse cenário, aponta o gestor, deve ocorrer uma equalização para cima no valor das cotas dos fundos.
Apesar da retomada de interesse pelos fundos de tijolos, Solzski, da Galápagos, pondera haver possibilidade de esse movimento arrefecer ou até se reverter momentaneamente no fim deste ano. “Houve em julho e agosto o impacto do IPCA negativo, o que afetou o rendimento mensal dos fundos de CRIs, porque a maior parte das carteiras concentra aplicações em papéis que pagam IPCA mais um spread. Mas essa deflação não deve se repetir no quarto trimestre e a tendência é de a inflação mensal voltar ao patamar de 0,5%. Então, muita gente pode querer fazer o movimento contrário e voltar para os fundos de papel”, diz. Isso porque essa categoria paga rendimento mensal maior atualmente, em torno de 15% ao ano, contra um “dividend yield” (rendimento em relação ao valor da cota) de 10% nos fundos de tijolo.
Nardo, da RBR, pondera ainda que, no longo prazo, os fundos de CRIs carregados de papéis que pagam IPCA mais um spread tendem a se manter uma opção muito atrativa. “Os ativos desses fundos têm de pagar um prêmio em relação à NTN-B [títulos do Tesouro atrelados à inflação que pagam uma parcela de juro real] e muitos estão com retornos de IPCA mais 7,5% a 8% ao ano. É um momento interessante para comprar ‘inflação mais’ porque o juro real está muito atraente.”
O gestor pondera ainda que o ritmo de elevação dos FIIs de tijolo deve diminuir nos próximos meses. “A alta em agosto foi muito intensa, entre 7% e 10% no mês, porque havia uma distorção [de preços] muito grande. Mas essa velocidade não deve se manter, não é sustentável”, afirma. O movimento deve continuar, mas de modo mais suave. “Os ativos ainda têm espaço para valorização, mas em um ritmo mais coerente com o histórico do mercado.”
Fonte: Valor Econômico