Um dos poucos consensos entre os participantes do mercado neste ano tem sido o de que as tarifas comerciais impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, devem pressionar a inflação americana. No entanto, com os números mais recentes indicando apenas um aumento moderado dos preços, dados mais fracos da economia dos EUA e declarações vistas como suaves de parte dos membros do Federal Reserve (Fed, banco central americano), investidores começam a se questionar sobre a possibilidade de uma redução de juros já na próxima reunião, em julho. Embora o consenso seja de que não haverá corte, após o presidente da autarquia, Jerome Powell, reiterar a postura de cautela, participantes do mercado já cogitam a possibilidade de mais reduções de juros neste ano do que o esperado anteriormente.
Após meses de discursos de dirigentes do Fed reiterando a abordagem de cautela diante dos riscos no cenário econômico, em declarações recentes os diretores do Fed Christopher Waller e Michelle Bowman disseram que apoiariam um corte de juros já em julho, caso a inflação permaneça contida. Isso acendeu um alerta nos investidores, ainda que questões políticas também estejam no radar.
Na semana passada, o Produto Interno Bruto (PIB) e os dados de renda e consumo referentes a maio vieram mais fracos que o esperado pelo mercado, o que contribuiu para fortalecer a percepção de que pode haver maior espaço para cortes de juros pelo Fed neste ano.
De acordo com o CME Group, que compila dados a partir dos futuros dos Fed funds, há 48,9% de chance de três reduções de 0,25 ponto percentual na taxa de juros americana neste ano. Para a próxima reunião, neste mês, a probabilidade de manutenção de juros é de 78,8%, enquanto a possibilidade de redução de 0,25 ponto percentual nas taxas está em 21,2%.
Em relatório divulgado ontem, o Goldman Sachs antecipou sua projeção de reduções de juros pelo Fed de dezembro para setembro. Antes, os economistas acreditavam que os efeitos das tarifas sobre os preços e o aumento nas expectativas de inflação das famílias tornariam um corte antecipado excessivamente “complicado e controverso”. Agora, o banco projeta reduções de 0,25 ponto em setembro, outubro e dezembro, além de mais dois cortes no ano que vem, com uma taxa entre 3% e 3,25% no fim do ciclo.
O economista-chefe para EUA do Goldman Sachs, David Mericle, observa que os primeiros sinais indicam que o impacto das tarifas tem sido um pouco menor que o esperado na inflação e destacam que os membros do próprio Fed parecem compartilhar a visão de que haverá apenas um impacto pontual das tarifas sobre os preços.
“Mesmo que o cenário ainda esteja longe de ser definido, agora acreditamos que a probabilidade de um corte em setembro está um pouco acima de 50%”, dizem os economistas em relatório enviado a clientes. “Enxergamos diversos caminhos para que isso aconteça – impacto das tarifas abaixo do esperado, forças desinflacionárias mais intensas e sinais de fraqueza no mercado de trabalho, ou uma surpresa negativa nos dados mensais.”
O Morgan Stanley, por outro lado, julga ser improvável que o Fed corte juros nas próximas duas reuniões, em julho e em setembro. Em relatório, os economistas liderados por Michael Gapen afirmam que dados mais fracos de emprego e uma inflação comportada poderiam antecipar um corte nos juros. No entanto, esse não é o cenário-base do banco, e os economistas destacam que a maioria dos dirigentes segue alinhada à postura cautelosa de Powell e dificilmente apoiaria o início de um processo de flexibilização em breve.
Desde o início do ano, com a expectativa de que as tarifas comerciais impulsionem a inflação e a incerteza sobre como seria esse impacto, Powell tem adotado uma estratégia de “esperar para ver”, argumentando que o nível atual dos juros está bem posicionado para lidar com os riscos, apesar das pressões de Trump, que têm sido cada vez maiores. O presidente americano tem feito diversas críticas ao presidente do Fed, enfatizando que os juros deveriam ser mais baixos.
Ontem, de acordo com a Casa Branca, Trump enviou uma carta a Powell pedindo que ele diminua as taxas de juros e fez comparações com a política monetária em outros países. O republicano tem repetido que os juros americanos deveriam estar em 1% no momento.
Diante disso, os economistas do Morgan Stanley acreditam que os dados devem continuar sustentando essa postura de cautela por parte do Fed. “Esperamos leituras de inflação mais firmes nos próximos meses, refletindo os efeitos das tarifas ao longo do verão. Também vemos os próximos relatórios de emprego ainda relativamente sólidos”, afirmam, em relatório.
Além disso, a equipe do banco avalia que as opiniões de Bowman e Waller não refletem o consenso do Fed, ao lembrarem que o gráfico de pontos, divulgado em junho, mostra que sete dirigentes não esperam nenhum corte nas taxas de juros ao menos até o fim do ano.
Já o Citi, que tem sustentado uma avaliação mais “dovish” (menos restritiva) do que a maioria dos bancos há algum tempo, acredita que seu cenário-base da retomada dos cortes em setembro se tornou o consenso entre os dirigentes do Fed.
Em nota enviada a clientes, o banco projeta que a taxa de desemprego suba de 4,2% para 4,4% nesta semana no relatório de empregos (“payroll”) de junho, na mesma direção da tendência de alta nos pedidos contínuos de seguro-desemprego. Com um enfraquecimento mais acentuado no mercado de trabalho, os dirigentes poderiam antecipar o próximo corte já para julho, na visão dos economistas liderados por Andrew Hollenhorst.
Eles também destacam que o consumo das famílias parece ter diminuído de forma significativa neste ano e afirmam que os dados divulgados na semana passada reforçam um cenário de inflação mais baixa e atividade econômica em desaceleração nos EUA.
“Se os dados de emprego e inflação de junho vierem próximos das nossas projeções, Powell pode, já em julho, sinalizar que, caso os dados continuem favoráveis, o comitê planeja cortar os juros em uma das próximas reuniões”, avaliam os economistas do Citi em nota.
Fonte: Valor Econômico
