Por Francisco Góes, Valor — Do Rio
01/05/2023 12h56 Atualizado há 13 horas
A União e os conselheiros da Petrobras considerados inelegíveis, mas que mesmo assim foram eleitos na assembleia de acionistas da empresa na quinta-feira (27), devem enfrentar um processo sancionador na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com a imputação de penalidades. Já existe na autarquia um processo administrativo aberto sobre a eleição para o conselho da estatal que servirá de base para um potencial processo sancionador, apurou o Valor.
A medida decorre do fato de a União e dos candidatos avaliados como inelegíveis terem mantido as candidaturas e sido eleitos para o conselho de administração da Petrobras, na semana passada, apesar das recomendações contrárias dos órgãos internos de governança da companhia. Na quinta (27), a petroleira renovou oito das 11 vagas do conselho de administração, com mandatos que começaram na sexta-feira e vão até abril de 2025.
Cabe ao conselho da Petrobras definir a visão estratégica da companhia, o que inclui decisões sobre a política de preços dos combustíveis, investimentos e pagamento de dividendos, entre outros temas. Quem define a agenda e o ritmo dos trabalhos é o presidente do colegiado, vaga para a qual foi eleito Pietro Mendes, secretário de óleo e gás do Ministério de Minas e Energia (MME).
Mendes é um dos três conselheiros considerados inelegíveis eleitos para o colegiado da Petrobras. Os outros são Efrain Cruz, secretário-executivo do MME, e Sérgio Rezende, que ocupava posição partidária no PSB. Rezende foi indicação direta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem foi ministro da ciência e tecnologia entre 2005 e 2010.
As recomendações contrárias da governança da Petrobras se basearam, no caso de Mendes e Cruz, no fato de ambos ocuparem secretarias no MME, o que configuraria conflito de interesses, uma vez que estariam decidindo os rumos da principal empresa de óleo e gás do país e, ao mesmo tempo, atuariam na definição de políticas públicas no setor de energia.
Rezende foi vedado pela posição partidária que ocupava no PSB. Ao Valor, Rezende disse que foi membro do diretório nacional do PSB, mas deixou o cargo há dois meses: “Difícil entender que essa seja a razão para eu não poder ser conselheiro”, afirmou em mensagem por escrito.
O ponto de partida para o processo administrativo na CVM — base, por sua vez, para um futuro processo sancionador — foi um ofício encaminhado pela autarquia à Petrobras, em 13 de abril. No documento, a área técnica da CVM se alinhou ao entendimento do comitê de pessoas e elegibilidade da Petrobras e ao conselho de administração da companhia, que concluíram pela vedação das candidaturas de Mendes e Rezende na assembleia de 27 de abril.
Apesar dos alertas, a União, controladora da Petrobras e responsável pelas indicações, e os próprios candidatos mantiveram as candidaturas e foram eleitos.
O mesmo valeu para Efrain Cruz. Procurado, Cruz não retornou ao contato da reportagem até o fechamento desta edição.
Antes de a Petrobras tornar público o ofício da CVM, a empresa havia divulgado, em 27 de março, ata de reunião do conselho de administração na qual o colegiado confirmou que Mendes e Rezende estariam inelegíveis. A vedação de Cruz ao colegiado da Petrobras apareceu mais tarde, na ata do conselho de 17 de abril. O conselho seguiu recomendação do comitê de pessoas da Petrobras.
Todos os executivos indicados a um cargo na administração da petroleira precisam passar por um processo conhecido como “back ground check” de integridade (BCI), que verifica se os nomes atendem às exigências legais e à política de nomeações da companhia. A avaliação do BCI é entregue ao Comitê de Elegibilidade (Celeg), ligado ao Comitê de Pessoas (Cope) da empresa.
É com base nesses documentos que o conselho de administração da Petrobras também avalia os candidatos de forma prévia à assembleia. As conclusões das instâncias de governança da empresa em relação aos candidatos servem como orientações, mas não precisam necessariamente serem seguidas pelos acionistas na Assembleia Geral Ordinária, que elege os integrantes do conselho.
O atual caso envolvendo a eleição de conselheiros da estatal considerados inelegíveis segue caminho semelhante ao da escolha de outros dois nomes, também vedados pela governança da companhia, no governo Bolsonaro. Foram eles: Jonathas de Castro, que ocupou a secretaria-executiva da Casa Civil no governo anterior, e Ricardo Soriano, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Apesar de recomendações contrárias, ambos assumiram posições no conselho de administração da Petrobras.
Naquele episódio, a CVM também abriu processo administrativo que está em vias de se transformar em processo sancionador em que a área técnica da autarquia deverá fazer acusações contra os envolvidos. Procurada, a CVM informou: “O assunto objeto de seu questionamento [assembleia de 27 de abril de 2023] está sendo tratado no âmbito do Processo Administrativo CVM nº 19957.002620/2023-15.”
O Valor também indagou a autarquia sobre o processo da eleição de conselheiros impedidos no governo Bolsonaro, e obteve a seguinte resposta: “O assunto objeto de seu questionamento está sendo tratado no âmbito do Processo Administrativo CVM nº 19957.011962/2022-37.”
Minoritários se movimentam
Em outra frente, investidores minoritários da Petrobras devem fazer representações junto à CVM para reclamar da eleição dos candidatos vedados ao colegiado da estatal na eleição de 27 de abril de 2023. Na assembleia, houve questionamentos de investidores ao fato de a mesa da reunião permitir a votação em candidatos vedados.
O advogado Francisco Costa e Silva, que presidiu os trabalhos da assembleia da Petrobras, disse ao Valor que o acionista é responsável pelo voto e que o presidente da assembleia não tem poder para vetar candidato: “Nunca vetei candidato em relação ao qual comitês de pessoas apontaram para a inelegibilidade.”
Advogados societários ouvidos pela reportagem dizem que a insistência do controlador da Petrobras em eleger nomes vedados pode fazer com que a União responda pelo voto, para determinar se houve abuso: “A CVM responsabiliza, mas não tem poder legal de desconstituir a assembleia”, disse uma fonte. Na visão desse interlocutor, a CVM não precisa ser “provocada”, mas atua de “ofício”, como, na prática, vem fazendo.
Conflito material ou formal
A questão que se coloca, segundo especialistas, é se as indicações dos secretários do MME para o colegiado da Petrobras representam conflito formal ou material. Desde o ano passado, passou a prevalecer na cúpula da CVM o entendimento pelo chamado conflito material. Sob essa perspectiva, não há impedimento de voto em assembleia desde que o acionista, seja controlador ou minoritário, aja de boa fé. Já na abordagem formal, em caso de potencial conflito de interesses, o investidor fica, a priori, impedido de votar.
No caso de Pietro Mendes, o novo “chairman” da Petrobras, há juristas que entendem tratar-se de conflito formal. “Como secretário de óleo e gás [do MME], ele não deveria estar ali [na Petrobras] porque vai tomar conhecimento da empresa em suas entranhas”, disse uma fonte.
Pessoas próximas a Mendes discordam dessa visão. Afirmam que Mendes preenche os requisitos legais para ocupar o cargo e que toda a discussão se deu por uma disputa pela vaga no conselho da Petrobras, uma vez que haveria outros interessados no assento para o qual ele foi indicado. Dizem ainda que a mudança de entendimento da CVM, que passou a adotar o conflito material, libera Mendes para deliberar matérias em votação no colegiado da Petrobras.
Essas fontes dizem ainda que o caso de Mendes é diferente da situação de Efrain Cruz e de Sérgio Rezende. Cruz e Rezende só puderam entrar no conselho, dizem as fontes, porque foram beneficiados pela liminar do então ministro Ricardo Lewandowski, agora aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou inconstitucional dispositivo da Lei das Estatais que exige quarentena de 36 meses para que dirigentes partidiários assumam funções em estatais.
A medida beneficiou Rezende. O jurídico da Petrobras entendeu, porém, que os trechos da Lei das Estatais suprimidos pela decisão de Lewandoswski não afastam vedações presentes no Estatuto Social da empresa.
No caso de Cruz, a lei determina que pessoas com cargo em comissão — caso da secretaria-executiva do MME — só podem ser indicados como conselheiros em empresas públicas se forem servidores de carreira do serviço público. “Ele [Cruz] não poderia ser conselheiro da Petrobras se a liminar [de Lewandowski] não tivesse sido dada”, disse uma fonte.
Mendes, por sua vez, é servidor de carreira da Agência Nacional do Petróleo (ANP), cedido ao MME. A ligação dele com a ANP também motivou questionamentos das instâncias de governança da Petrobras, depois superados.
Mas na prática, dizem especialistas, haverá situações em que Mendes precisará olhar determinados assuntos de forma prévia à deliberação no conselho da Petrobras e se abster de votar. Essa situação leva a outra discussão: a dificuldade de o colegiado decidir temas que precisem de desempate, voto esse que cabe ao “chairman”, o qual, em algumas situações, poderá ter que se declarar impedido. Há receio ainda de que o colegiado, nessa situação, termine por ficar desfalcado, disse uma fonte.
Em nota, o MME afirmou: “A AGO da Petrobras que aprovou o nome dos novos conselheiros da companhia não identificou impedimentos em relação aos escolhidos. O parecer da consultoria jurídica do Ministério de Minas e Energia, órgão integrante da Advocacia Geral da União, foi fundamental para dirimir qualquer óbice jurídico e reforçar a total legalidade das indicações apresentadas pelo governo.” E continuou: “O ministério ressalta que todos os indicados possuem reconhecida competência e a experiência necessária para exercer as funções para as quais foram eleitos.”
Toda essa situação mostra, porém, que a governança da Petrobras continua sendo testada.
Fonte: Valor Econômico

