Por Álvaro Campos — De São Paulo
14/09/2023 05h03 · Atualizado há 2 horas
A condição financeira das empresas melhorou nos últimos três meses, depois de um começo de ano difícil, e deve se manter em trajetória de recuperação com a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) na próxima semana. O colegiado do Banco Central deve promover novo corte de 0,5 ponto percentual na taxa Selic e reforçar a indicação de quedas à frente.
Isso não quer dizer, porém, que não haja “soluços” pela frente. A inadimplência de pessoas jurídicas continua em alta e a desconfiança em relação ao plano fiscal do governo apontam para uma desaceleração na queda do custo da dívida, que só deve voltar cair com mais força na virada do ano.
Estudo do Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec-Fipe) mostra que o custo da dívida das empresas abertas atingiu um pico no primeiro bimestre, na esteira do episódio Americanas, e ficou mais ou menos estável nesse patamar elevado até maio, começando a cair em junho. Para as grandes empresas de capital fechado, esse custo fechou o semestre em 15,6% ao ano, após o pico recente de mais de 16%, voltando aos níveis de maio do ano passado; nas empresas médias-grandes chegou a em 17,41%, e nas médias-pequenas, 19,54%. Já entre as de capital aberto, o custo estava em 14,74% para as grandes, 16,12% para as médias-grandes e 17,93% para as médias-pequenas.
Quando a Selic bateu a mínima de 2%, entre o fim de 2020 e o início de 2021, o custo das grandes empresas fechadas chegou a cair para quase 8%. Agora, a expectativa do mercado é que o atual ciclo de afrouxamento leve a taxa básica para 9%. Como o custo de capital das empresas é maior que a Selic, na queda de agora não voltará para o patamar pré-pandemia. O Cemec calcula o custo de dívida das empresas com base na média ponderada das taxas de juros das várias fontes de recursos, onde os pesos correspondem à participação porcentual de cada fonte no exigível financeiro dessas companhias.
Em termos de captação líquida, a recuperação recente vem principalmente dos mercados de capitais locais, que no trimestre até junho responderam por R$ 89,314 bilhões. O crédito direcionado (excluindo BNDES) aparece em segundo lugar, com R$ 7,849 bilhões. E o crédito com recursos livres, em terceiro, com R$ 4,569 bilhões. A captação externa ficou negativa em R$ 1,372 bilhão – houve mais vencimentos que emissões.
“O que chama atenção é a recuperação do crédito privado, liderada pelos mercados de capitais. A tendência para os próximos meses é que a queda da Selic diminua o custo de captação. Ainda assim, a inadimplência de pessoa jurídica segue em alta e houve recentemente uma piora em relação à confiança nas metas fiscais para 2024, o que fica claro nas NTN-Bs [títulos públicos] longas e se reflete na curva futura de juros”, afirma Carlos Antonio Rocca, coordenador do Cemec-Fipe.
A economista Isabela Tavares, da Tendências, concorda que as condições financeiras das empresas estarão melhores no segundo semestre, mas ressalta que o cenário não é de euforia. “O maior limitante é o risco de crédito. Temos visto um aumento na inadimplência das empresas, diferentemente de pessoa física, onde as perspectivas já são melhores. Mas a pauta do risco fiscal, que tinha dado uma trégua após o arcabouço, também voltou e é um os principais desafios para o ano que vem.”
Pablo Césario, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) tem avaliação semelhante, embora um pouco mais pessimista. “A percepção de redução da taxa de juros gera um sentimento de alento, mas até que isso se reflita na economia real há um longo prazo a percorrer ainda. Os números de recuperações judiciais e falências continuam altos, e a inadimplência também”, diz.
Dados da Serasa mostram que as falências requeridas somaram 79 casos em junho, queda de 34,7% em relação a maio, mas alta anual de 16,2%. No primeiro semestre, as falências atingiram 546, com alta de 36,2% ante a primeira metade de 2022. Os pedidos de recuperação judicial (RJ) somaram 593, expansão de 52,1%. Dados do Banco Central mostram que a inadimplência de pessoa jurídica (PJ) subiu a 2,7% em julho, maior nível desde maio de 2018.
Para Cláudio de Moraes, do Instituto Coppead de Administração (UFRJ), a inadimplência PJ, apesar de não estar explodindo, também não vai se resolver tão rapidamente e o instrumento da RJ não tem se mostrado eficiente. Ele diz, ainda, que há muito descrédito em relação às metas fiscais do governo. “Quando os analistas começaram a se debruçar mais a fundo na viabilidade do plano fiscal, a incerteza aumentou muito. Tudo depende muito de uma puxada forte na arrecadação e não há espaço político para corte de gastos. Então isso tudo aumenta a incerteza”.
A surpresa positiva com o PIB do segundo trimestre até pode trazer algum otimismo, mas analistas apontam que a atividade deve desacelerar nos próximos períodos. Por outro lado, o cenário externo também é incerto, com as especulações sobre os próximos passos da política monetária americana, a possibilidade de uma recessão na Europa e a continuidade de tensões geopolíticas em diversas partes do globo.
Apesar dos riscos, o custo de financiamento das empresas deve cair, seguindo a Selic. A expectativa, de acordo com a pesquisa Focus, é que a taxa sai do nível atual de 13,25% e chegue a 9% no fim do ano que vem. “Em consonância com as projeções macroeconômicas e principalmente com a expectativa de queda da taxa de inflação e da Selic e quase estabilidade da taxa de câmbio, as taxas de juros de todas as alternativas de financiamento do mercado doméstico apresentam, com alguma flutuação, tendência de queda no período considerado [até junho de 2024]”, aponta o Cemec. Para as grandes empresas fechadas, a projeção é que o custo da dívida caia do nível atual de 15,6% para 12,74% no fim do primeiro semestre do próximo ano.
Guilherme Veiga Campos, sócio da Jive Investments, afirma que apesar de o pior já ter passado, muitas empresas saem desse momento com uma estrutura de capital deficiente por estarem muito alavancadas ou terem muitos vencimentos no curto prazo. Nesse casos, a gestora – especializada em ativos “estressados” – tem visto oportunidades, entrando via dívida ou mesmo ações para ajudar a destravar valor mais rapidamente. “Não é um ‘turnaround’ [reestruturação], porque são empresas com uma operação saudável. O que a gente faz é tentar nivelar a estrutura ideal entre o nível de endividamento, analisando também oportunidades de acesso aos mercados de capitais, para ter essa adequação do capital.”
Ele diz que esse movimento é ainda mais evidente em “small caps” [empresas de menor valor de mercado e liquidez], mais suscetíveis ao cenário macro, pois tendem a ser mais penalizadas com juros elevados e necessidade de crédito. Nesse sentido, a redução na taxa de juros beneficia as empresas não só pela menor destinação da geração de caixa para cumprimento de dívida. Há também a redução do custo de oportunidade, que possibilita melhoria do valor atribuído ao equity.
Césario, da Abrasca, chama atenção para outro risco, o possível fim dos juros sobre capital próprio (JCP), que poderia levar a um choque na estrutura de capital das empresas. “O JCP corrige uma distorção que existe, que torna mais caro pegar dinheiro com sócios do que com terceiros. Se acabar, pode ser um choque relevante para o mercado, interfere no custo e disponibilidade de capital. A tendência é que haja uma demanda maior por capital de terceiros, seja bancário ou nos mercados de capitais.”
Fonte: Valor Econômico

